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As forças cibernéticas e o conceito operativo do Exército

Publicado: Segunda, 05 de Dezembro de 2022, 01h01 | Última atualização em Sexta, 02 de Dezembro de 2022, 10h03 | Acessos: 8982

 

Augusto Espina Pazos
Tenente-Coronel do Exército do Chile e
oficial instrutor na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

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1. Introdução

A criação e o desenvolvimento das forças cibernéticas tornaram-se uma necessidade e uma realidade para os Exércitos do mundo inteiro, principalmente devido ao avanço vertiginoso das tecnologias da informação e comunicação (TICs) e a irrupção do ciberespaço como uma nova dimensão, onde ocorrem os conflitos modernos e que se agrega os tradicionais (terrestre, marítima, aérea e espacial).

Diante dessa realidade, pretende-se demonstrar como as forças cibernéticas estão intimamente ligadas ao conceito operativo do Exército Brasileiro e como se constituem como sendo um elemento fundamental para o cumprimento das missões da Força Terrestre no amplo espectro de conflitos. 

 

2. Desenvolvimento

Antes de se aprofundar nos aspectos relacionados a uma força cibernética, é imperativo apresentar o conceito de capacidade militar, que pode ser definido da seguinte maneira:

“... conceito aplicado no nível estratégico que representa a aptidão de uma Força Armada para executar as operações que lhe cabem como instrumento da expressão militar do poder nacional. É obtida mediante a combinação de soluções organizacionais que integram as áreas de doutrina, organização, adestramento, material, liderança, educação, pessoal e infraestrutura...” (BRASIL, 2015, p. 55).

No mesmo delineamento, a Estratégia Nacional de Defesa do Brasil estabelece três setores estratégicos que devem ser desenvolvidas as capacidades militares: nuclear, espacial e cibernético. Cabe ressaltar que na perspectiva de Defesa adotada pelo Brasil, o desenvolvimento das capacidades militares não estão restritos a esfera militar. Pelo contrário, transbordam e influenciam a esfera civil, proporcionando o emprego dual e o desenvolvimento da indústria brasileira (BRASIL, 2012).

Dessa forma, entende-se que as forças cibernéticas correspondem a solução organizacional para o desenvolvimento da capacidade militar cibernética. Ademais, são nestas organizações que convergem e integram os demais fatores constitutivos de uma capacidade militar: pessoal, infraestrutura, adestramento e material. Ao mesmo tempo, incorpora-se um novo elemento que deve ser analisado e que corresponde ao conceito de emprego dual.

O termo emprego dual vem sendo amplamente utilizado na temática relacionada à Defesa, mas não possui um significado claro e específico, pois não se encontra definido em nenhum texto ou manual das Forças Armadas Brasileiras. Ao analisar o Livro Branco da Defesa Nacional do Brasil, publicado em 2020, verifica-se que o conceito de emprego dual é derivado da massificação das “tecnologias duais”, que são as tecnologias descobertas que inicialmente são destinadas para a esfera militar, mas que pode ser aproveitada para a esfera civil (BRASIL, 2020).

O Exército Brasileiro, por meio do Comando de Operações Terrestres, amplia o entendimento sobre o emprego dual e acrescenta que as capacidades militares operativas de proteção, ataque ou exploração cibernética, também podem ser utilizadas em operações ofensivas, operações defensivas e em toda a área das operações de cooperação e coordenação com agências civis e militares (BRASIL, 2017).

Consequentemente, é possível inferir que uma capacidade militar pode ter um emprego dual, na medida em que a sua utilização pode ocorrer, indistintamente no campo militar, como no civil. Assim, a capacidade militar cibernética, que teve sua origem baseada nas TICs, foi incorporando aspectos da doutrina militar ao longo de sua trajetória e atualmente é definida na Estratégia Nacional de Defesa como sendo um dos três setores estratégicos para as Forças Armadas Brasileiras. Ou seja, a capacidade militar cibernética tem como característica o emprego dual, podendo ser utilizada na esfera civil, como na militar.

Partindo para o entendimento sobre as operações de amplo espectro, verifica-se que a Concepção Estratégica do Exército Brasileiro, publicada em 2019, estabeleceu que as operações no amplo espectro podem ser definidas como sendo:

“...a combinação de atitudes - ofensiva, defensiva, de pacificação e de apoio a órgãos governamentais - empregada nas operações militares, sucessiva ou simultaneamente, como parte de uma Força Terrestre ou conjunta. As ações executadas - letais e não-letais - devem obedecer ao critério de proporcionalidade com relação aos efeitos desejados e estarem sincronizadas entre si e com os objetivos estabelecidos para cada operação...” (BRASIL, 2015, p. 196).

A definição exposta, abrange qualquer tipo de operação militar, seja de guerra ou de não-guerra, de uma força terrestre ou conjunta, ou seja, uma operação de amplo espectro é o termo de uso geral que, não faz diferença num determinado tipo de operação e será usado para se referir a uma operação militar no seu sentido mais amplo e sem especificações.

Nas Forças Armadas Brasileiras, especificamente na Força Terrestre, são contextualizados três tipos de operações básicas: operações ofensivas, operações defensivas e operações de cooperação e coordenação com agências. Nesse sentido, é evidente que as operações ofensivas e defensivas são operações eminentemente de guerra, de modo que as operações de cooperação e coordenação com agências, geralmente, correspondem as operações de não-guerra e, como o próprio nome indica, extrapolam o campo eminentemente militar e abrangem a esfera civil.

De acordo com a Doutrina Militar do Brasil, há sete tipos de operações de cooperação e coordenação com agências: 1) Garantia dos poderes constitucionais; 2) Garantia da lei e da ordem; 3) Atribuições subsidiárias; 4) Prevenção e combate ao terrorismo; 5) Sob a égide de organismos internacionais; 6) em apoio à política externa em tempo de paz ou crise; e 7) Outras operações em situação de não guerra (BRASIL, 2019).

Assim, as múltiplas capacidades militares que a Força Terrestre possui, na medida em que podem executar as diferentes operações básicas, conferem a essa Força como um todo, a capacidade geral de executar operações no amplo espectro. O exposto, não significa que a mesma capacidade militar possa, necessariamente, executar operações ofensivas, defensivas e de cooperação e coordenação com agências indistintamente, mas, ao contrário, a soma de todas as capacidades militares disponíveis confere à Força Terrestre a capacidade de executar operações no amplo espectro de conflitos.

Outro aspecto importante que deve ser ressaltado é que, mesmo que uma capacidade militar esteja em condições de realizar ações ou cumprir tarefas em todos os tipos de operações básicas, isso não implica que a execução dessas tarefas no desenvolvimento de operações para as quais não seja sua vocação prioritária, tenha um custo elevado. Isso deve ser analisado, tanto do ponto de vista da perda de treinamento para sua tarefa principal, quanto no desgaste do material e a sua perda de vida útil.

Essa assertiva pode ser evidenciada numa tropa de infantaria blindada, cuja vocação principal é realizar operações ofensivas e algumas tarefas defensivas específicas, mas que também pode executar operações para garantir a lei e a ordem. Esse reordenamento de esforços, por exemplo, implica necessariamente na redução do tempo disponível para o preparo da referida tropa para a sua atividade finalística e, consequentemente, no desgaste de seu material em ações para as quais não são as mais adequadas para uma tropa de infantaria blindada.

No tocante às forças cibernéticas, nota-se que elas operam principalmente na quinta dimensão do ciberespaço (que se soma às dimensões tradicionais: terrestre, marítima, aérea e espacial). Independente da tarefa ou da missão a ser executada pelas forças cibernéticas, não restam dúvidas de que elas enfrentarão ameaças reais e potenciais, que não diferem substancialmente se estiverem na execução de operações de guerra ou de não-guerra.  Portanto, pode-se inferir que, a utilização das forças cibernéticas, independentemente do tipo de operação que executem ou da área em que se enquadrem, são reforçadas e potenciadas no que diz respeito no preparo e emprego, toda vez que atuam em ambientes reais e de simulação.

A seguir, será apresentada uma representação gráfica de como os principais conceitos discutidos neste artigo estão integrados e relacionados com o Conceito Operativo do Exército Brasileiro e com as Forças Cibernéticas.

Figura 1 - Mapa Conceitual dos Conceitos-chaves

 forcas ciberneticas conceito operativo exercito fig1

Fonte: O AUTOR, 2022.

Diante do exposto, pode-se concluir parcialmente que as forças cibernéticas, sendo uma das capacidades militares constitutivas da Força Terrestre, dadas as suas características particulares, colaboram direta e decisivamente na execução das operações no amplo espectro dos conflitos, conferindo à Força Terrestre uma elevada flexibilidade e a capacidade de executar ações em múltiplos domínios e dimensões. Dessa forma, é possível afirmar que as forças cibernéticas estão no coração do conceito operativo do Exército Brasileiro.

 

3. Considerações Finais

O conceito operativo de emprego do Exército Brasileiro é baseado nas operações no amplo espectro dos conflitos. A fim de atender a esse conceito, a Força Terrestre possui múltiplas capacidades militares que, como um todo, devem ser capazes de executar os diversos tipos de operações básicas.

Evidentemente, a vocação principal de qualquer tipo de capacidade militar é dada pela execução de operações militares de guerra, para as quais concentram seus maiores esforços de treinamento. Porém, dadas as necessidades do Estado e a constante evolução das ameaças, as capacidades militares devem ser capazes de realizar operações militares não-guerra, agrupadas majoritariamente, sob o critério doutrinário de operações de cooperação e coordenação com agências.

No entanto, a flexibilidade e versatilidade que as capacidades militares proporcionam à Força Terrestre no momento de estar em condições adequadas de preparação e emprego para a execução das referidas operações, tem um custo que não pode ser ignorado e que vai em detrimento do preparo para sua função principal, sem considerar o desgaste prematuro dos equipamentos e dos sistemas de armas.

Nessa perspectiva, a partir da evidência de uma série de argumentos teóricos, com base em aspectos doutrinários, é possível identificar as características de emprego dual e de multifuncionalidade das forças cibernéticas, as quais facilitam a execução das operações no amplo espectro. Da mesma forma, e não apenas teoricamente, a execução de operações reais na última década pelo Exército Brasileiro, que envolveram o emprego das forças cibernéticas, demonstraram a crescente importância dessa temática, principalmente em situações de não-guerra.

Todavia, o caráter dual dos equipamentos cibernéticos e o ambiente no qual as forças cibernéticas atuam (ciberespaço), proporciona a capacidade militar cibernética realizar operações de guerra e de não-guerra indistintamente, com o grande diferencial de que, tal emprego não implica perda ou desgaste dessa capacidade, mas, ao contrário, potencializa sua capacidade de preparação e emprego. Portanto, pode-se concluir que as forças cibernéticas estão no coração do conceito operativo do Exército Brasileiro, proporcionando significativas qualidades de flexibilidade e versatilidade à força terrestre.

 

  

 

 Referências Bibliográficas: 

  1. BRASIL. Exército Brasileiro. Estado-Maior do Exército. Concepção Estratégica do Exército. Brasília: Estado-Maior do Exército, 2009.

  2. BRASIL. Exército Brasileiro. Estado-Maior do Exército. Doutrina Militar Terrestre - EB20-MF-10.102. Brasília: Estado-Maior do Exército, 2019.

  3. BRASIL. Exército Brasileiro. Comando de Operações Terrestres. Manual de Campanha Guerra Cibernética - EB70-MC-10.232. Brasília: COTER, 2017.

  4. BRASIL. Ministério da Defesa. Estado Maior Conjunto das Forças Armadas. Glossário das Formas Armadas. Brasília: Ministério da Defesa, 2015.

  5. BRASIL. Ministério da Defesa. Doutrina Militar de Defesa Cibernética - MD31-M-08. Brasília: Ministério da Defesa, 2014.

  6. BRASIL. Ministério da Defesa. Doutrina Militar de Defesa - MD51-M-04. Brasília: Ministério da Defesa, 2007.

  7. BRASIL. Ministério da Defesa. Livro Branco da Defesa Nacional. Brasília: Ministério da Defesa, 2020.

  8. BRASIL. Ministério da Defesa. Política Nacional de Defesa e Estratégia Nacional de Defesa. Brasília: Ministério da Defesa, 2012.

 

Rio de Janeiro - RJ, 05 de dezembro de 2022.


Como citar este documento:
Pazos, Augusto Espina. As forças cibernéticas e o conceito operativo do Exército. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2022.  

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