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Lembrai-vos da guerra!

Publicado: Quinta, 14 de Mai de 2020, 08h01 | Última atualização em Quinta, 06 de Janeiro de 2022, 13h58 | Acessos: 1586

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Ricardo Bozzi Feijó
Instrutor da ECEME

Carl Von Clausewitz sentenciou em 1832, em sua célebre obra que: “A Guerra é a continuação da política por outros meios”. Dessa máxima, até hoje validada, deduz-se que cabe às nações contemporâneas encontrar formas para capacitar suas Forças Armadas (FA) para o seu emprego em caso do esgotamento da política. Em termos de conflitos armados, ganha grande importância a dissuasão, intimamente ligada à capacidade de defesa1 de um país e cuja finalidade precípua é evitar a perda de vidas humanas decorrentes do combate.

Desde o inegável gênio militar de Napoleão e do aprimoramento realizado por Moltke, o Velho, que as FA têm pensado e planejado suas ações a partir da utilização da estrutura de um Estado-Maior, no qual várias células de áreas diferentes dedicam-se, de maneira sinérgica e conjunta, a ajudar a resolver problema comum, normalmente complexo. Nesse esforço coletivo, o fator tempo, seja para o planejamento, decisão, ação ou mesmo para a reação sempre, foi crucial.

Tais conceitos, importantes e ainda oportunos, reencontraram, em 2020, um tipo de adversário que desafia o enfrentamento militar convencional e que já assolou o mundo em outros momentos da história: a infecção e o contágio viral. No presente ano, praticamente todas as nações do mundo procuram encontrar maneiras para combater um adversário silencioso, voraz e altamente efetivo, a pandemia de Covid-19, doença causada pelo novo Coronavírus (SARS-CoV2). A proporção do problema é tal que a Organização Mundial de Saúde (OMS) elevou, em 11 de março, o estado da contaminação ao nível de pandemia, devido ao espraiamento geográfico em uma escala de tempo muito curta.

Como combater um inimigo invisível? Quais capacidades2 a defesa necessita possuir para fazer frente a esse tipo de ameaça global? Ainda, quais ensinamentos e eventuais mudanças no pensamento ou na doutrina militar advirão desse período de enfrentamento? Todas perguntas válidas que esperamos que sejam respondidas brevemente.

Face ao atual desafio, fica clara a necessidade de rápida adaptabilidade e de grande flexibilidade, características essenciais em tempos de crise e que as FA devem buscar evidenciar3.

As ações ministeriais brasileiras – com ênfase para o trabalho do Ministério da Saúde – e, ainda, dos 10 Comandos Conjuntos das FA, ativados em março deste ano e coordenados pelo Centro de Operações Conjuntas do Ministério da Defesa, estão voltadas para encontrar formas de contenção e de tratamento para a doença. Assim como em um trabalho de EM ao realizar um exame de situação, foram identificados o problema militar e o estado final desejado bem como os potenciais riscos e a melhor maneira para mitigá-los.

Desde o início dos trabalhos voltados ao controle dos efeitos do Covid-19, as FA foram empregadas em inúmeras tarefas, tais quais a repatriação de nacionais que se encontravam no exterior; o transporte de itens hospitalares; a montagem de hospitais de campanha; a descontaminação de pessoal, ambientes e materiais por meio de Organizações Militares especializadas em Defesa Biológica, Nuclear, Química e Radiológica (DBNQR), triagens de pessoas com suspeita de infecção para encaminhamento a hospitais e, também, na produção de medicamentos em série, utilizando-se da estrutura laboratorial existente.

Embora não sejam atribuições finalísticas, ou seja, sem o comprometimento de sua destinação constitucional4, compõem um universo de atividades já há muito desenvolvidas pelas FA, em especial pelo Exército, e abarcadas pela Lei Complementar n° 97 e atualizações5, as chamadas atribuições subsidiárias, sejam gerais ou particulares. Entre elas, citam-se o emprego do Exército, há cerca de 20 anos, no Programa Emergencial de Distribuição de Água (a chamada Operação Carro-Pipa) criado pelo Governo Federal para distribuição de água na região Nordeste, norte de Minas Gerais e norte do Espírito Santo; a realização de obras de duplicação e de restauração de rodovias federais por Batalhões de Engenharia de Construção; o apoio em campanhas de vacinação; o combate ao mosquito transmissor da Dengue e do Zika Vírus, entre inúmeras outras atividades.

Em que pese a experiência das FA em situações subsidiárias da sua principal missão constitucional, a pandemia por Covid-19 é uma situação inédita, para a qual não preexistia expertise suficiente. Por isso, e para isso, são necessárias capacidades que, associadas a uma estrutura sinérgica, possibilitem melhores condições para a solução do problema.

Assim, pergunta-se, quais capacidades a nação quer que sua Defesa tenha? Estamos em uma crise e é normal que durante este período ocorra a chamada “visão de túnel”, em que o momento corrente é singularmente importante. Entretanto, não à toa, a missão das FA está prevista na carta magna e as atribuições subsidiárias descritas em lei complementar, sujeitas e subordinadas àquela.

A história nos ensinou que os conflitos tendem a se repetir, se não aprendemos e evoluímos com eles. Toynbee6 propôs, em sua teoria do desafio e resposta que os Estados que receberam, aceitaram e venceram os desafios, mesmo sob dificuldades, se afirmaram e se desenvolveram, a ponto de alguns ascenderem à liderança mundial.

Como militares, devemos estar permanentemente preparados para o caos e para o conflito e, sendo parte da mesma nação, sempre que formos chamados estaremos prontos para servi-la. A experiência em lidar com problemas inéditos e complexos nos credencia a participar do processo de combate ao vírus, mas, passada a crise, deve-se refletir acerca de nossas capacidades de defesa. Ou seja, lembrai-vos da guerra.

Rio de Janeiro, 13 de maio de 2020.


1 Capacidade que o País dispõe para gerar efeito dissuasório e respaldar a preservação dos interesses nacionais, compatível com sua estatura político-estratégica e com as atribuições de defesa do território, das águas jurisdicionais, da plataforma continental e do espaço aéreo brasileiros (MD35-G-01 GLOSSÁRIO DAS FORÇAS ARMADAS, 2015, pág 54).
2 Capacidade é a aptidão requerida a uma força ou Organização Militar para cumprir determinada missão ou atividade. Essa aptidão é exercida sob condições e padrões determinados, pela combinação de meios para desempenhar uma gama de tarefas. O Exército Brasileiro adota a geração de forças por meio do planejamento baseado em capacidades (PBC). O desenvolvimento de capacidades é baseado na análise da conjuntura e em cenários prospectivos, com o objetivo de identificar as ameaças concretas e potenciais ao Estado.
3 Os elementos da Força Terrestre são organizados de forma a atender um número maior de alternativas de emprego e que seja possível estruturá-los por módulos, combinar armas, com possibilidade de alterar seu poder de combate, conforme a situação. Para tal, devem evidenciar as características de flexibilidade, adaptabilidade, modularidade, elasticidade e sustentabilidade - FAMES (DOUTRINA MILITAR TERRESTRE, 2019).
4 Previstas no Artigo 144 da Constituição Federal de 1988.
5 Lei complementar n° 97, de 09/06/1999; Lei complementar n° 117, de 02/09/2004 e Lei complementar n° 136, de 25/08/2010. Dispõem sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas.
6 Arnold Toynbee, (nascido em 14 de abril de 1889, Londres - falecido em 22 de outubro de 1975, York, North Yorkshire, Inglaterra), historiador inglês cujos 12 volumes de A Study of History (1934–61) propuseram uma filosofia da história, com base em uma análise do desenvolvimento cíclico e declínio das civilizações, que provocou muita discussão.


Como Citar este documento:

FEIJÓ, Ricardo Bozzi. Lembrai-vos da guerra! Observatório Militar da Praia Vermelha. Rio de Janeiro: ECEME. 2020.



64498.004559/2020-07

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