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O Brasil vai à guerra: contra o coronavírus

Publicado: Quinta, 14 de Mai de 2020, 08h01 | Última atualização em Quinta, 06 de Janeiro de 2022, 13h57 | Acessos: 1988

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Fábio de Souza e Silva
Instrutor da ECEME e mestre em Segurança e Defesa pela Universidad Antonio de Nebrija (Espanha)

A pandemia de COVID-19 iniciada na China e disseminada rapidamente por todo mundo, ao longo do ano de 2020, apresenta uma autêntica situação de crise1, na medida em que caracteriza uma grave ameaça à segurança do Estado brasileiro2.

Face à escalada da Pandemia, o Presidente da República ativou a estrutura de gerenciamento de crise3 prevista na Estratégia Nacional de Defesa (END). O chamado “Gabinete de Crise” é coordenado pela Casa Civil e conta com representantes de diversos ministérios, empresas públicas e agências reguladoras4.

Nesse contexto, coube ao Ministério da Defesa (MD) empregar a expressão militar do Poder Nacional5, de forma limitada6, utilizando as Forças Armadas7 (FA) com a finalidade de colaborar com as medidas de emergência para o enfrentamento do coronavírus: a Operação COVID-19.

O presente artigo tem o objetivo de descrever como as instituições que integram as Forças Armadas do Brasil participam das ações, planejadas pelo governo brasileiro, para prevenção e contenção da COVID-19, em apoio ao poder executivo nos níveis federal, estadual e municipal.

A missão fundamental das Forças Armadas – constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica – é a defesa da Pátria, a garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem8. O emprego das Forças Armadas, sob uma condição de pandemia global e em apoio à Defesa Civil é considerado uma atribuição subsidiária9 e está amparado por lei específica10.

A gravidade desse tipo de conjuntura demanda do Estado brasileiro uma resposta imediata e ampliada, capaz de atender com oportunidade a todos os rincões de um país de dimensões continentais, mitigando a potencial ocorrência de pânico e de comprometimento da ordem pública.

Nesses casos, sobressai a capacidade de pronta resposta das Forças Armadas, para qualquer tipo de missão, que se deve muito à sua presença em todo território nacional e a algumas das características próprias da profissão militar, tais como: a disponibilidade permanente, a dedicação exclusiva, a mobilidade geográfica, o risco à vida, o vigor físico e a formação específica/aperfeiçoamento constante.

Cabe enfatizar, que essa condição de prontidão permanente (24/7) das Forças Armadas, em tempo de paz, só pode ser sustentada por meio de atividades constantes de capacitação e habilitação de seus quadros (educação militar); bem como uma rigorosa rotina de adestramento que possa manter os níveis de preparo da tropa que está na expectativa constante de ser empregada.

Assim que, em 21 de março de 2020, o MD deu ordem ao seu Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA)11 para ativar o Centro de Operações Conjuntas (COC) a fim de a atuar na coordenação e planejamento do emprego das três Forças Armadas. Foram ativados também dez Comandos Conjuntos (C Cj), que cobrem todo o território nacional, além do Comando Aeroespacial (COMAE), a cargo da Força Aérea Brasileira e de funcionamento permanente.

O COC é um centro de comando e controle flexível e configurado, nesta emergência, para proporcionar as ligações entre o Ministério da Defesa (nível estratégico) e os onze Comandos Conjuntos desdobrados ao redor do Brasil (nível operacional). É o “cérebro” da operação militar conduzida pelo EMCFA, funcionando de interface entre as necessidades, dos diferentes atores que compõem o Gabinete de Crise, e os comandantes das forças militares que poderão atender àquelas solicitações na prática (nível tático).

Os Comandos Conjuntos são comandos operacionais previstos na Estrutura Militar de Defesa12. Em decorrência da crise da COVID-19, o MD decidiu empregar a estrutura organizacional já existente e utilizada, basicamente, pelos Comandos da Marinha do Brasil (MB) e do Exército Brasileiro (EB).

Essa organização está baseada em uma divisão territorial bastante semelhante às regiões do Brasil13, onde já estão posicionados também os oito Comandos Militares de Área14 do EB e os nove Distritos Navais15 da MB. Ou seja, são os quartéis situados em uma mesma porção do território nacional, comandados por um Oficial-General e que possuem os meios (em pessoal e material) para participar das atividades necessárias.

Além de facilitar a coordenação das ações, o desdobramento geográfico desses Comandos Conjuntos também permitiu o aproveitamento das infraestruturas e das relações institucionais previamente estabelecidas nas diferentes regiões do país, favorecendo a integração entre o componente militar e órgãos públicos, organizações não governamentais, empresas privadas, ou agências de outros Poderes16, na execução das tarefas de apoio individualizadas segundo as necessidades de cada região.

A resposta à COVID-19 exige ainda uma estrutura de comando adaptável, sendo capaz de ajustar-se à imprevisível evolução desse tipo de situação. Diante dessa demanda, o MD optou por ativar apenas dez Comandos Conjuntos, sobrepostos às jurisdições já existentes da Marinha e do Exército, contudo atribuindo o comando único das operações a oito Generais do EB e dois Almirantes da MB, conforme a doutrina17 de emprego conjunto das FA vigente atualmente.

Outra característica dos Comandos Conjuntos é a sua aptidão para agregar outras capacidades necessárias de forma modular. A adjudicação18 de unidades militares – pertencentes a três diferentes Forças Armadas – a um mesmo comando operacional (o C Cj) permitiu a ampliação de suas possibilidades operativas em prol do cumprimento da missão.

O reforço adequado dos Comandos Conjuntos com elementos militares (módulos) especializados nas áreas de defesa biológica19, comando e controle e logística confere aos C Cj a elasticidade necessária para o atendimento a um variado repertório de tarefas, tais como: a desinfecção de instalações, campanhas de conscientização, capacitação e vacinação, transporte de material de saúde, produção de equipamentos de proteção individual (máscaras), fabricação de medicamentos (cloroquina), desdobramento de hospitais de campanha militares (e apoio ao desdobramento dos hospitais civis), estabelecimento de postos de triagem de pacientes infectados e a realização de barreiras sanitárias (por meio do controle de fronteiras e inspeções fluviais), dentre outras.

Em meio a esse enorme esforço logístico realizado, chama a atenção a atuação do Centro de Coordenação de Logística e Mobilização (CCLM)20 do MD. Um órgão que atua em ligação direta com agências e organizações (governamentais e não governamentais), realizando a coordenação logística, integrando e processando dados de interesse dessa função.

Merece destaque ainda a informação de que os C Cj utilizam, nessa operação, sua própria estrutura logística habitual, do dia a dia, sendo perfeitamente capazes de acrescentar a sustentabilidade adicional imprescindível para prolongar suas ações no período que seja necessário, sem impactos expressivos no custo de movimentação de pessoal e/ou aquisição de meios.

Entende-se por fim, que as Forças Armadas do Brasil são aptas a realizar a geração das forças necessárias para atuar na emergência do coronavírus, pois já possuem determinadas capacidades (DOAMEPI21) que as possibilitam, desde o tempo de paz, atender um amplo espectro de alternativas de emprego (FAMES22) em situações de crise.

Rio de Janeiro, 13 de maio de 2020.


1 (BRASIL, 2019a, p. 2-2).
2 Para efeito da Política Nacional de Defesa, segurança é a condição que permite ao Pais preservar sua soberania e integridade territorial, promover seus interesses nacionais, livre de pressões e ameaças, e garantir aos cidadãos o exercício de seus direitos e deveres constitucionais (BRASIL, 2012c, p. 15).
3 (BRASIL, 2012a, p. 120).
4 Comitê de Crise para Supervisão e Monitoramento dos Impactos da Covid-19, foi instituído em 16 Mar 2020, sendo coordenado pela Casa Civil e atuando de forma integrada com o Grupo Executivo Interministerial de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional e Internacional, de que trata o Decreto nº 10.211, de 30 de janeiro de 2020 (BRASIL, 2020).
5 Poder Nacional é a capacidade que tem o conjunto dos homens e dos meios que constituem a Nação, atuando em conformidade com a vontade nacional, de alcançar e manter os objetivos nacionais. Alguns desses objetivos estão expressos na Constituição Federal, no Artigo 3o do Título I, como objetivos fundamentais (BRASIL, 2007, p. 15/48).
6 Em situação de paz (não guerra), a expressão militar do Poder Nacional é empregada de forma limitada, no âmbito interno, sem que envolva o combate propriamente dito, exceto em circunstâncias especiais. Normalmente, o poder militar será empregado em ambiente interagências, podendo não exercer o papel principal (BRASIL, 2019a, p. 2-3).
7 A participação das Forças Armadas, como expressão militar do Poder Nacional, será́ sempre como respaldo à ação política (interna ou externa) do governo (BRASIL, 2011, p. 17/128).
8 Art. 142. da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988).
9 As atribuições subsidiárias gerais dizem respeito à cooperação com o desenvolvimento nacional e com a defesa civil; as particulares constituem uma contribuição das FA para as ações governamentais em assuntos de natureza nãomilitar, vinculadas com sua atividade finalística, levadas a efeito por razões de economia, inexistência de capacidades constituídas no País e pela natureza estratégica das atribuições em apreço (BRASIL, 2007, p. 45/48).
10 Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999.
11 Compete ao EMCFA, elaborar o planejamento do emprego conjunto das Forças Armadas e assessorar o Ministro de Estado da Defesa no planejamento das operações e exercícios de adestramento conjuntos, na atuação de Forças brasileiras em operações de paz e em outras atribuições que lhe forem estabelecidas (BRASIL, 2012b, p. 59).
12 (BRASIL, 2010, p. 2/4).
13 As regiões do Brasil são os agrupamentos dos estados da federação em cinco regiões: Centro-Oeste, Nordeste, Norte, Sudeste e Sul.
14 Aos Comandos Militares de Área, compete o preparo, o planejamento e o emprego operacional da Força Terrestre, desdobrada na área sob sua jurisdição ( BRASIL, 2014, p. 67).
15 Cada Distrito Naval é responsável pelas tarefas da Marinha do Brasil (BRASIL).
16 Operações interagências: interação das Forças Armadas com outras agências com a finalidade de conciliar interesses e coordenar esforços para a consecução de objetivos ou propósitos convergentes que atendam ao bem comum, evitando a duplicidade de ações, a dispersão de recursos e a divergência de soluções com eficiência, eficácia, efetividade e menores custos (BRASIL, 2017, p. 14/72).
17 Dentro da concepção de emprego das Forças Armadas nas Operações Conjuntas, torna-se indispensável a unidade de comando no mais alto escalão e uma mentalidade militar unificada em todos os níveis (BRASIL, 2011, p. 18/28).
18 Adjudicação é o processo por meio do qual o Ministro de Estado da Defesa determina a transferência do comando ou do controle operacional de meios de cada Força Armada para um comando [conjunto], de acordo com as necessidades levantadas durante o planejamento. Pode ocorrer, por decisão do comandante [conjunto], para atender uma necessidade operacional, consistindo na transferência provisória dos meios de uma força componente (singular ou [conjunta]) para outra, ou para constituição de uma Força-Tarefa durante o desenrolar de uma campanha (BRASIL, 2015, p. 20/288).
19 Defesa química, biológica, radiológica e nuclear são as ações de defesa que visam ao preparo do material e ao adestramento de pessoal. Compreendem ações de dispersão tática, afastamento das áreas contaminadas, a descontaminação e as medidas para evitar a contaminação (BRASIL, 2015, p. 87/288).
20 O CCLM atua no gerenciamento das operações combinadas, conjuntas ou singulares de interesse do MD, nas crises político-estratégicas que envolvam o emprego das FA e em qualquer outra situação de interesse do MD, realizando a coordenação logística e podendo, ainda, atuar em operações de paz e ações subsidiárias (BRASIL, 2019b, p. 14-30).
21 A capacidade é obtida a partir de um conjunto de sete fatores determinantes, inter-relacionados e indissociáveis: Doutrina, Organização (e/ou processos), Adestramento, Material, Educação, Pessoal e Infraestrutura – que formam o acrônimo DOAMEPI ( BRASIL, 2019a, p. 3-3).
22 Os elementos são organizados de forma a atender um número maior de alternativas de emprego e que seja possível estruturá-los por módulos, combinar armas, com possibilidade de alterar seu poder de combate, conforme a situação. Para tal, os elementos da Força Terrestre devem evidenciar as características de flexibilidade, adaptabilidade, modularidade, elasticidade e sustentabilidade – que formam o acrônimo FAMES (BRASIL, 2019a, p. 4-2).

Como Citar este documento:

SILVA, Fábio de Souza e. O Brasil vai à guerra: contra o coronavírus. Observatório Militar da Praia Vermelha. Rio de Janeiro: ECEME. 2020.


Referências:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Planalto, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/cons tituicao.htm. Acesso em: 17 abril 2020.

BRASIL. MD51-M-04: Doutrina Militar de Defesa. Brasília, DF: Ministério da Defesa, 2007.

BRASIL. Decreto No 7.276, de 25 de agosto de 2010: Estrutura Militar de Defesa. Brasília, DF: Ministério da Defesa, 2010.

BRASIL. MD30-M-01: Doutrina de Operações Conjuntas. Brasília, DF: Ministério da Defesa, v. 1o, 2011.

BRASIL. Estratégia Nacional de Defesa. Brasília, DF: Ministério da Defesa, 2012a.

BRASIL. Livro Branco de Defesa Nacional. Brasília, DF: Ministério da Defesa, 2012b.

BRASIL. Política Nacional de Defesa. Brasília, DF: Ministério da Defesa, 2012c.

BRASIL. EB20-MF-10.101: Manual de Fundamentos O Exército Brasileiro. 1a. ed. Brasília, DF: Estado-Maior do Exército, 2014.

BRASIL. MD35-G-01: Glossário das Forças Armadas. 5a. ed. Brasília, DF: Ministério da Defesa, 2015.

BRASIL. MD33-M-12: Operações Interagências. 2a. ed. Brasília, DF: Ministério da Defesa, 2017.

BRASIL. EB20-MF-10.102: Manual de Fundamentos Doutrina Militar Terrestre. 2a. ed. Brasília, DF: EstadoMaior do Exército, 2019a.

BRASIL. MD40-N-01: Normas para o Funcionamento do Centro de Coordenação de Logística e Mobilização. Brasília, DF: Ministério da Defesa, 2019b.

BRASIL. Presidente Jair Bolsonaro institui Comitê de Crise para Supervisão e Monitoramento dos Impactos da Covid-19. Governo do Brasil, 2020. Disponível em:https://www.gov.br/pt-br/noticias/financas-impostose-gestao-publica/2020/03/presidente-jair-bolsonaroinstitui-comite-de-crise-para-supervisao-emonitoramento-dos-impactos-da-covid-19. Acesso em: 17 abril 2020.

BRASIL. Você sabe o que é um Distrito Naval (DN)? Marinha do Brasil. Disponível em:https://www.marinha.mil.br/sspm/?q=noticias/vocêsabe-o-que-é-um-distrito-naval-dn. Acesso em: 17 abril 2020.


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