Ir direto para menu de acessibilidade.
Portal do Governo Brasileiro
Início do conteúdo da página

A assimetria estratégica Irã-Israel e sua relação com o conflito árabe-israelense

Publicado: Segunda, 12 de Julho de 2021, 09h30 | Última atualização em Quinta, 18 de Agosto de 2022, 14h17 | Acessos: 914

Victor Almeida Pereira

Aluno do CAEM da ECEME

 

 O conceito de assimetria estratégica pressupõe a aplicação de estratégias antagônicas pelos contendores de um conflito (ESPAÑA, 2008). Nessa linha de pensamento, o manual brasileiro de Doutrina Militar de Defesa (DMD) define a guerra assimétrica como aquela que contrapõe dois poderes militares que guardam entre si marcantes diferenças de capacidades e possibilidades (BRASIL, 2007). Essa conceituação pode ser aplicada na classificação do confronto entre Irã e Israel e tem relação direta com o conflito árabe-israelense, em razão de uma série de aspectos teóricos que este trabalho procurará apresentar.

 O general francês André Beaufre (1998), em sua obra Introdução à Estratégia, apresentou cinco modelos estratégicos possíveis na aplicação do poder, levando em conta três variáveis: liberdade de ação, disponibilidade de meios e importância do objetivo estratégico.

 Dispondo de meios de alto poder de combate e de uma adequada liberdade de ação e sendo o objetivo modesto, o modelo preconizado é o de ameaça direta. Para Beaufre (1998), a estratégia de dissuasão nuclear é uma das materializações desse modelo estratégico.

 Por outro lado, se o objetivo for modesto, mas a liberdade de ação e os meios forem insuficientes, recomenda-se a aplicação da pressão indireta. Nesse modelo, a decisão é tomada por meio de ações no campo político, diplomático ou econômico (BEAUFRE, 1998). Na doutrina brasileira, esse modelo é bastante evidenciado nos campos de atuação da estratégia nacional, tanto na manobra exterior (na qual se busca assegurar a liberdade de atuação com ações junto a organismos internacionais ou sobre organizações fora da área de operações), quanto na manobra interior (em que se procura desenvolver e manter o estado moral da população dentro da área de operações) (BRASIL, 2020).

 Quando o objetivo é importante, mas a liberdade de ação e os meios são limitados, a decisão ocorrerá por meio de ações sucessivas, em que são combinadas a ameaça direta e a pressão indireta com uso da força de maneira limitada. Beaufre (1998) exemplifica esse modelo referindo-se à estratégia de Hitler entre 1935 e 1939, nas anexações dos Sudetos e da Áustria, ao mesmo tempo em que investia no rearmamento alemão.

 A luta total prolongada de fraca intensidade militar é outro modelo apresentado pelo oficial francês, em que se conta com ampla liberdade de ação, mas os meios disponíveis são excessivamente fracos e os objetivos possuem grande importância. Nesse caso, busca-se promover o desgaste do adversário. A estratégia maoísta é a principal base teórica para esse modelo, sendo o tempo o fator de decisão primordial na sua aplicação (BEAUFRE, 1998).

 Por último, tem-se o conflito violento que visa à vitória militar. Esse modelo é aplicável quando os meios são poderosos, os objetivos são importantes e há uma adequada liberdade de ação (BEAUFRE, 1998; BRASIL, 2020). Segundo Meira Mattos (1986), a influência de Clausewitz nesse modelo é notável, haja vista que o objetivo político nesse caso é a destruição das forças inimigas.

 Desses modelos estratégicos decorrem dois métodos da estratégia nacional, conforme a doutrina brasileira: a estratégia direta, em que predomina a expressão militar do poder nacional; e a estratégia indireta, onde os meios militares exercem papel secundário na aplicação do poder (BRASIL, 2020).  Com base nos modelos de Beaufre (1998), infere-se que a ameaça direta, as ações sucessivas e o conflito violento estão abrangidos pela estratégia direta. Já a pressão indireta e a luta prolongada se encontram no escopo da estratégia indireta (BRASIL, 2020).

 A partir desses conceitos, o poder militar pode se valer de uma série de modelos de estratégia militar. São eles: ação independente, aliança, ofensiva, defensiva, dissuasão, presença, projeção de poder e resistência (BRASIL, 2020). Cabe ressaltar que os atores normalmente se utilizam da combinação desses modelos para atingir seus objetivos, o que demonstra o caráter multifacetado da estratégia.

 Diante das definições apresentadas, cabe questionar, então, quais seriam aquelas mais evidentes no conflito entre Israel e Irã.

 Analisando-se a retórica e as ações dos atores presentes no Oriente Médio, observa-se que Israel se encontra numa situação de cerco estratégico. Grande parte de seus vizinhos, assim como o Irã, consideram-no uma ameaça e, por diversas vezes, mencionaram suas intenções de destruição do Estado judeu (KHAMENEI..., 2020, tradução nossa). Essa conjuntura do entorno faz com que Israel procure se antecipar às ameaças. Assim ocorreu na Guerra dos Seis Dias, quando as Forças de Defesa de Israel (IDF) realizaram ataques preventivos sobre alvos militares de seus vizinhos que se preparavam para violar o seu território.

 E assim continua ocorrendo. Ainda que os recentes Acordos de Abraão tenham, de certo modo, arrefecido a animosidade entre Israel, Egito, Bahrein, Emirados Árabes Unidos e Jordânia (SPITZCOVSKY, 2021), as relações com Líbano, Síria, Irã e os palestinos continuam conflituosas, motivando ações militares israelenses contra esses atores.

 Nesse contexto, a ação independente e a ofensiva têm sido os modelos de estratégia militar mais aplicados pelos judeus. O primeiro consiste na aplicação da expressão militar de forma independente, sem alianças constituídas, quando há a necessidade de legítima defesa de seus interesses. Já o segundo refere-se à iniciativa nas ações, com vistas à obtenção de uma vantagem militar e política. O emprego desses modelos pode ser observado nos diversos ataques aéreos das IDF a alvos iranianos em território sírio, sob a justificativa de se prevenir de ações militares do Irã. Essa atitude preventiva é bastante favorecida pela considerável capacidade militar de Israel, frente ao Irã e a seus demais rivais.

 No âmbito da estratégia nacional, é evidente que o Estado judeu faz uso predominante da estratégia direta, por meio de ações sucessivas, combinando ações diretas, ao atacar alvos iranianos na Síria, e pressões indiretas, usando da diplomacia junto a organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU). Esse modelo estratégico assenta-se na liberdade de ação limitada que Israel possui no Oriente Médio – diante do cerco estratégico a que está submetido – e na restrição de meios militares empregados no conflito com o Irã, na medida em que não é viável o uso de armas nucleares na região.

 Do lado iraniano, verifica-se uma busca pela lassidão do rival israelense, num contexto de estratégia militar da resistência, combinada com alianças a grupos islâmicos regionais. O regime de Teerã reconhece a superioridade militar de Israel e, com isso, opta por fomentar diversos atores “proxy”¹ na região, visando o desgaste do adversário, por meio da estratégia nacional indireta. Grupos como o Hizbullah libanês, o Hamas palestino e a Jihad Islâmica recebem treinamento de guerrilha, uniformes, além de materiais de emprego militar provenientes do Irã. Mísseis Fajr de origem iraniana compõem boa parte do arsenal do Hizbullah e do Hamas. Ademais, integrantes das Forças Quds operam campos de treinamento de guerrilha nas colinas de Golã e em Gaza (QUAL..., 2020), onde muitos combatentes do Hizbullah e do Hamas são adestrados, indicando a participação expressiva do Irã no conflito árabe-israelense.

 Esse estreitamento das relações entre Irã e os palestinos é evidenciado nos recentes ataques com mísseis iranianos perpetrados pelo Hamas na Faixa de Gaza (TENSÃO..., 2021) e por extremistas palestinos no norte de Israel (ISRAEL..., 2021). Tais acontecimentos demonstram a disposição dos palestinos e iranianos em estender o conflito. A assimetria no confronto já sinaliza uma tendência ao prolongamento dos combates, na medida em que nenhum dos lados parece estar disposto a ceder. Israel vê em sua estratégia a única forma de sobrevivência de seu Estado. Os palestinos e iranianos, em contrapartida, demonstram a intenção clara de destruição do Estado judeu, ainda que isso leve anos.

 Em consequência, alguns reflexos dessa confrontação na geopolítica regional são esperados. É provável que haja um relativo desenvolvimento da indústria bélica iraniana, principalmente no tocante à produção de mísseis e foguetes, uma vez que o apoio externo aos grupos palestinos e ao libanês Hizbullah deve continuar. Tal fato fica evidente na retórica da teocracia do Irã que prossegue sinalizando as intenções de destruir o Estado judeu.

 Por sua vez, é provável que Israel mantenha sua estratégia contra esses atores antagônicos, independentemente de pressões ocidentais para a redução das hostilidades. Nesse sentido, os ataques israelenses a instalações suspeitas de produção de armamentos iranianos, bem como o elevado estado de prontidão de Israel, provavelmente prosseguirão.

 Ainda que a questão se apresente como sendo de difícil solução, é lícito supor que a redução das hostilidades entre Israel e Irã possivelmente contribuiria para amenizar o conflito árabe-israelense, dada a conexão entre Teerã e os diversos grupos palestinos. No entanto, uma solução a curto prazo para esse confronto parece pouco provável, já que diversos fatores geram instabilidade na região.

 Ademais, os palestinos são uma peça-chave na estratégia iraniana de desgaste do Estado judeu. É, pois, sob esse cenário de assimetria estratégica que a geopolítica do Oriente Médio deve se basear nos próximos anos, tornando ainda mais complexa a conjuntura daquela região.

¹ O termo se refere a atores intermediários (proxies) que combatem em guerras por procuração (Proxy Wars), recebendo apoio (normalmente, financeiro, militar ou ideológico) de um dos contendores do conflito. Um caso histórico emblemático de emprego de “proxies” foi a Guerra Fria, em que Estados Unidos e União Soviética nunca entraram em confronto direto, mas financiaram diversos atores para que combatessem segundo seus respectivos interesses.

  

 Rio de Janeiro - RJ, 12 de Julho de 2021.


Como citar este documento:
PEREIRA, V. A. A assimetria estratégica Irã-Israel e sua relação com o conflito árabe-israelense. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro, 2021.

 

Referência:

  1. BEAUFRE, A. Introdução à estratégia. Tradução de Luiz de Alencar Araripe. Rio de Janeiro: BIBLIEx, 1998.
  2. BRASIL. Ministério da Defesa. MD51-M-04: Doutrina militar de defesa. 2. ed. Brasília, 2007.
  3. BRASIL. Exército. Estado-Maior. EB20-MF-03.106: Estratégia. 5. ed. Brasília, 2020.
  4. ESPAÑA. Ejército de Tierra. Mando de Adiestramiento y Doctrina. PD3-301: contrainsurgência. Granada, 2008.
  5. ISRAEL é atingido por foguetes disparados do Líbano e responde com bombardeio. G1, 19 mai. 2021. Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/05/19/israel-e-atingida-por-foguetes-disparados-do-libano-e-responde-com-bombardeio.ghtml>. Acesso em 27 mai. 2021.
  6. KHAMENEI explains “final solution” poster: I want Israel destroyed, not all Jews. Times of Israel, 20 may 2020.
  7. MATTOS, Carlos de Meira. Estratégias militares dominantes: sugestões para uma estratégia militar brasileira. Rio de Janeiro: BIBLIEx, 1986.
  8. QUAL o tamanho do poderio militar do Irã. BBC. 4 jan. 2020. Disponível em:<https://www.bbc.com/portuguese/internacional-50988198>. Acesso em: 27 mai. 2021.
  9. SPITZCOVSKY, Jaime. Hamas quer minar Acordos de Abraão, assinados entre Israel e países árabes. Folha de São Paulo, 14 mai. 2021.
  10. TENSÃO em Israel aumenta com disparo de foguetes pelo Hamas e ataques em Gaza. DW, 11 mai. 2021. Disponível em <https://www.dw.com/pt-br/tens%C3%A3o-em-israel-aumenta-com-disparo-de-foguetes-pelo-hamas-e-ataques-em-gaza/a-57501130>. Acesso em: 27 mai. 2021

 

64498.008799/2021-53

Fim do conteúdo da página