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Análise de Situação - Fim da Presença dos EUA e OTAN no Afeganistão

Publicado: Segunda, 13 de Setembro de 2021, 01h01 | Última atualização em Segunda, 13 de Setembro de 2021, 10h33 | Acessos: 806

Sandro Teixeira Moita

Doutor em Ciências Militares
Coord da Área Conflitos Bélicos e Terrorismo - OMPV

 

 Em 30 de agosto de 2021, o último soldado americano, o Major-General Christopher Donahue, comandante da 82ª Divisão Aerotransportada, embarcou em uma aeronave C-17 da Força Aérea dos Estados Unidos da América (EUA), encerrando a presença militar americana no Afeganistão, que já durava quase duas décadas.

 As impressionantes imagens observadas entre 15 e 18 de agosto no aeroporto de Cabul, capital do país, última rota de saída para os estrangeiros e afegãos descontentes com a assunção ao poder do Talibã, invadindo pistas e impedindo a decolagem de aeronaves, advém diretamente do colapso do governo afegão apoiado e bancado pelas potências ocidentais, em especial, os EUA.

 Para que se possa entender como um desfecho tão dramático ocorreu, é preciso voltar ao ponto da assinatura dos Acordos de Doha em 2020, quando os EUA e o Talibã firmaram um compromisso em 29 de fevereiro para a paz no Afeganistão, com a previsão de retirada das tropas americanas em 14 meses e trocas de prisioneiros. O governo afegão não fazia parte das negociações, o que gerou enfrentamentos com o Talibã.

 A postura do Talibã na campanha mudou, evitando choques em locais com presença de tropas americanas e da OTAN, privilegiando o combate contra as forças do governo afegão. O anúncio dos acordos causou um duro golpe na moral das forças de segurança afegãs, que foram perdendo apoios prestados pelos EUA, como suporte logístico e poder aéreo.

 A perda de tais capacidades abriu espaço para uma atuação do Talibã no nível das operações psicológicas. Folhetos e mensagens de áudio enviadas a soldados e policiais salientavam a retirada das forças americanas e de um tratamento clemente em caso de rendição. Com sinais cada vez mais claros de que a retirada americana se processaria em grande velocidade, soldados e policiais afegãos passaram a considerar a situação de si e de suas famílias em caso da tomada do poder por parte do Talibã.

 A partir de outubro, contrário a previsões ocidentais, o governo afegão começou a demonstrar sinais de colapso de autoridade. O Talibã executou operações ofensivas contra posições do Exército afegão, que só podia ser suprido por meios aéreos, deixando muitos postos e unidades abandonadas à própria sorte. Logo, governadores de províncias e generais começaram a fazer acordos diretos com os talibãs, mudando de lado ou se rendendo.

 Em dezembro, o governo afegão perdeu diversas partes do sul do país, abandonando centenas de postos de controle e pontos-fortes herdados das forças americanas e da OTAN. O inverno assistiu a novas investidas do Talibã, negociando acordos com generais, governadores e senhores da guerra do norte do país, para facilitar seus avanços quando da chegada da primavera.

 Em março de 2021, o Talibã iniciou novas ações ofensivas, e o Ministério do Interior afegão informava que tinha abandonado 40 por cento de todos os pontos defensivos e unidades da polícia no país. A partir daí, soldados e policiais afegãos começaram a fugir ou se render em massa, com grandes unidades desaparecendo rapidamente.

 A velocidade do colapso impressionou as potências ocidentais, que ainda acreditavam que o governo afegão poderia resistir ao Talibã. Uma análise do Conselho de Segurança da ONU de 20 de maio de 2021, indicava que o grupo controlava 50 a 70 por cento do interior do país e se aproximava de controlar as principais cidades.

 A tendência de esfacelamento do governo afegão acelerou a partir de 13 de abril, quando o Presidente Joseph Biden, dos EUA, anunciou a completa retirada das forças americanas do país até 11 de setembro, prazo que foi adiantado depois para 31 de agosto. O Talibã se sentiu estimulado a lançar ataques mais ousados contra forças do governo afegão, que passaram a oferecer pouca ou nenhuma resistência.

 Soldados e policiais afegãos mudaram de lado, se renderam ou fugiram em massa. Neste momento, as poucas unidades que ainda combatiam o Talibã eram de Forças Especiais, que receberam vultuosos investimentos dos EUA e da OTAN. Mesmo com sua capacidade, a falta de apoio mínimo selou o destino destes homens, que lutaram até a morte contra os talibãs, ou foram evacuados, já sem munição e com muitos feridos.

 Entre maio e junho, mais distritos foram sendo conquistados pelo Talibã, que preferiu cercar as grandes cidades, para deixá-las para um enfrentamento final contra o governo afegão. Com boa parte do interior do país dominado, no início de julho o grupo começou a atacar as capitais provinciais e grandes cidades do país, que, sofrendo os efeitos dos cercos, começaram a cair rapidamente em mãos do Talibã.

 No início de agosto, os prospectos eram os piores possíveis para o governo afegão. A campanha do Talibã estava cada vez mais veloz e a conquista das capitais provinciais estimulou os últimos senhores da guerra que ainda estavam apoiando o governo a mudar de lado e pactuar com o Talibã. Assim, em 14 do mês, o grupo chegou aos arredores de Cabul, após cercar a cidade, capturando todos os pontos defensivos do governo.

 Com a fuga do presidente afegão, Ashraf Ghani, e de lideranças, a capital caiu e governo afegão foi dissolvido em 15 de agosto. O pânico se instalou em Cabul e, a partir do aeroporto da cidade, uma grande operação de evacuação de não-combatentes foi realizada pelos EUA, OTAN e outros países, destacando-se a Índia. Mais de 120 mil estrangeiros e afegãos que trabalharam com as forças ocidentais foram evacuadas nesta operação, concluída em 30 de agosto, com o último voo militar americano.

 Com a conquista de Cabul, o Talibã agora estabelece conversas para compor um governo chamado “inclusivo”, no qual representantes das diversas regiões e etnias do país tenham parte, até mesmo para estabilizar a nação e impedir qualquer ator que se insurja contra o grupo e conteste seu domínio.

 Entretanto, destaca-se a resistência no Vale de Panjshir que se ergueu contra o Talibã, liderada por Ahmad Massoud e o ex-vice-presidente do governo dissolvido, Amrullah Saleh. Combates tem ocorrido entre a resistência e o Talibã, com baixas registradas pelos dois lados, mas o embate é ainda inconclusivo, sendo caracterizado por interrupções diversas para negociações.

 Os impactos da queda do governo afegão e a volta ao poder do Talibã no Afeganistão são profundos e mexem com a região. O Talibã, por sua vez, agora enfrenta o desafio de criar uma estrutura mínima capaz de prover governança sobre o país, equilibrando-se no difícil arranjo do poder com os senhores da guerra, especialmente no norte do país.

 O arranjo da situação regional também produz tensões com Rússia, China e Irã, que estabeleceram mecanismos de diálogo com o Talibã, de forma a pressionar o grupo a impedir novos influxos de refugiados em suas direções, bem como demonstrar algum compromisso em impedir que o país se torne plataforma para o terrorismo global, o que pode produzir impactos nestas nações. A incerteza caracteriza o caminho do Afeganistão, que oscila entre um regime bastante repressivo e uma nova guerra civil.

 

 Rio de Janeiro - RJ, 13 de setembro de 2021.


Como citar este documento:
MOITA, Sandro Teixeira. Análise de Situação - Fim da Presença dos EUA e OTAN no Afeganistão. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2021.

 

Referência:

  1. Adapting to a new reality in Afghanistan. International Institute of Strategic Studies. https://www.iiss.org/blogs/analysis/2021/08/afghanistan-taliban-region-response
  2. Afghan troops and police abandon nearly 200 checkpoints to the Taliban. Al Arabiya News. https://english.alarabiya.net/News/middle-east/2020/12/30/Afghan-troops-and-police-abandon-nearly-200-checkpoints-to-the-Taliban
  3. Afghanistan: Taliban to rely on Chinese funds, spokesperson says. Al Jazeera. https://www.aljazeera.com/news/2021/9/2/afghanistan-taliban-to-rely-on-chinese-money-spokesperson-says
  4. Malcolm Chalmers. The Next Act in the Afghan Tragedy. RUSI. https://rusi.org/explore-our-research/publications/commentary/next-act-afghan-tragedy
  5. United Nations Security Council. Twelfth report of the Analytical Support and Sanctions Monitoring Team submitted pursuant to resolution 2557 (2020) concerning the Taliban and other associated individuals and entities constituting a threat to the peace stability and security of Afghanistan. https://www.undocs.org/en/S/2021/486
  6. The regional fallout of the Taliban takeover of Afghanistan. International Institute for Strategic Studies. https://www.iiss.org/blogs/analysis/2021/08/taliban-afghanistan-regional-fallout
  7. Tim Willasey-Wilsey. Why Did the Afghan Army Evaporate? RUSI. https://rusi.org/explore-our-research/publications/commentary/why-did-afghan-army-evaporate

 

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