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Pêndulo do Poder: Geopolítica do Leste Asiático

Publicado: Quarta, 29 de Mai de 2019, 08h01 | Última atualização em Quinta, 06 de Janeiro de 2022, 13h50 | Acessos: 1605

Daniel Mendes Aguiar Santos1

Quando a Guerra Fria terminou, as realidades no Leste da Ásia mudaram. Moscou e Pequim encerraram vários programas de assistência à Pyongyang e passaram a explorar laços comerciais e diplomáticos com Seoul. Por outro lado, Washington, foi incentivado pelo então Presidente da Coreia do Sul, Roh TaeWoo (1988-1993), a iniciar ações para tirar Pyongyang do isolamento político-econômico. Como consequência, tal geopolítica mudou o equilíbrio de poder na Península Coreana (ver mapa) em favor de Seoul e isolou ainda mais o Norte, acelerando o seu declínio econômico. Tal cenário instigou Pyongyang a avançar no desenvolvimento de armas nucleares, tanto para contrabalancear o crescente poder convencional do Sul, como para obter uma alavanca diplomática capaz de forçar concessões por parte dos EUA.

Encapsulado neste dilema, Washington descobriu que o mundo pós-Guerra Fria, embora diferente, não era menos perigoso. No início dos anos 1990, ao negligenciar suas relações com Japão, China e Coreia do Sul, percebeu que não poderia modelar uma estratégia efetiva para lidar com o programa nuclear da Coreia do Norte. Desta forma, o fomento de armas nucleares por parte do Norte, tanto elevou o risco de guerra, como ativou as negociações para o controle de armamento entre Washington e Pyongyang.

Pari passu, em 1992, a reunificação da Alemanha alimentou esperanças de que as duas Coreias também pudessem avançar em uma reconciliação. Fruto da degradação econômica vivida pela Coreia do Norte calculava-se que a “janela de oportunidade” para reunificação viria, como no caso alemão, da derrocada do regime comunista, principalmente após a morte de Kim Il-Sung, em 1994, líder do país desde 1948. Contudo, o Norte não colapsou, bem como as autoridades sul-coreanas preservaram um timing de aproximação e optaram por um processo gradual de reconciliação, atentas aos custos econômicos e sociais da unificação, em especial, devido à crise financeira asiática no final dos anos 1990.

Neste processo, em junho de 2000, ocorreu a histórica reunião entre os líderes do Sul e do Norte, Kim Dae-Jung (1988-2003) e Kim Jong-Il (1994-2011), respectivamente. Fruto do encontro, o ambiente de relações diplomáticas mudou: a retórica hostil foi atenuada; incursões armadas na zona desmilitarizada cessaram; intercâmbios ministeriais foram iniciados; projetos de cooperação foram ativados (ligação ferroviária Norte-Sul, nova zona industrial em Kaesong e empreendimento turístico em Mount Kumgang). Ainda, a possibilidade de reuniões familiares, mesmo limitadas, motivaram as populações, contribuindo para a reconciliação. Lamentavelmente, no ano seguinte, o processo estagnou e os esforços diplomáticos diminuíram, reduzidos à esperanças e incertezas.

Sob a égide de um novo esforço para conter o recrudescimento da capacidade nuclear do Norte, em 12 de junho de 2018, foi realizada a Cúpula de Cingapura, entre a Coreia do Norte e os EUA, promovendo o encontro inédito entre o líder norte-coreano Kim Jong-Un e o presidente americano Donald Trump. Na ocasião foi assinada uma declaração conjunta, observando: garantias de segurança para o Norte; relações pacíficas; a desnuclearização da península; negociações entre funcionários de alto escalão; e a recuperação de restos mortais de combatentes. Desde então, ambos os países têm negociado as garantias de segurança para o Norte e o estabelecimento de relações diplomáticas. Ademais, Pyongyang tem solicitado o relaxamento das sanções econômicas ao regime de Kim Jong-Un. Por sua vez, Washington sustenta que as sanções permanecerão em vigor até que o Norte alcance a desnuclearização completa, porém, já nos últimos meses, indicou que poderia relaxá-las parcialmente, caso Pyongyang venha a tomar medidas significativas para ratificar seu compromisso de abandonar os programas nucleares.

Neste esforço, uma segunda reunião será realizada no Vietnã, nos dias 27 e 28 de fevereiro de 2019. Será o segundo encontro entre um presidente americano e um líder supremo norte-coreano. Espera-se que os dois líderes avancem nos objetivos estabelecidos na Declaração de Cingapura, que comprometeu ambos ao lados a forjar uma nova relação diplomática e construir um regime de paz, assentado na desnuclearização da península. Preliminarmente, Kim Jong-Un, segue nos encontros com o presidente chinês, Xi Jinping, enquanto o presidente sulcoreano, Moon Jae-in destaca a importância do segundo encontro e de uma futura visita do presidente norte-coreano à Seul, como sendo pontos decisivos para solidificação da paz.

Neste diapasão, observa-se que desde os anos 1970, o equilíbrio de poder na península mudou drasticamente. Atualmente, Seoul conta com mais do que o dobro da população do Norte, sua economia é, pelo menos, 25 vezes maior do que a de Pyongyang e, além disso, é capaz de financiar maiores aumentos anuais em seu orçamento de defesa do que o Norte pode reunir. Tal cenário foi reforçado pela contração na economia da Coreia do Norte na última década.

Em especial, no tange ao dilema da segurança na península, as relações no Leste da Ásia são divididas em dois polos: uma parceria sino-russa em apoio à Coreia do Norte, e um bloco liderado pelos EUA, incluindo o Japão e a República da Coreia.

Contudo, a possibilidade de uma fratura na parceria sino-russa para com a Coreia do Norte tem sido pouco analisada. Embora a Rússia nunca tenha desfrutado de uma posição forte no Leste da Ásia, ela tem interesses de longa data e de raízes geográficas na Península Coreana. Além disso, a Geopolítica de Moscou tem enfatizado a recuperação do seu papel na região do Pacífico, atenta a uma mudança no equilíbrio de poder no Leste Asiático. Por outro lado, embora pareça improvável que a China desloque totalmente a força americana no Leste Asiático em um futuro próximo, há pouca dúvida de que o equilíbrio de poder, na região, pende mais a favor de Pequim.

Finalmente, quaisquer que sejam as diferenças entre as grandes potências do Leste da Ásia, no que diz respeito à questão coreana, Pequim, Moscou e Tóquio compartilham com Washington um interesse em evitar a ressurgência de conflitos ou a proliferação de armas nucleares. Portanto, a premissa é a coexistência pacífica entre o Norte e o Sul, fato que demanda dos EUA uma ação de contrapeso no pêndulo de poder que habilita o equilíbrio geopolítico na região.


1 Major de Cavalaria do Exército Brasileiro. Doutor em Ciências Militares. Aluno no Korean Defense Language Institute, República da Coreia. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. / Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..
Este texto foi publicado originalmente no NEEDS. http://www.needs.df.ufscar.br/artigos_de_opiniao3/22/daniel_mendes_aguiar_santos:_pendulo_do_poder:_geopolitica_do_leste_asiatico
A reprodução aqui contou com a expressa autorização do autor.

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