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Análise de Situação – Crise na Ucrânia

Publicado: Sábado, 22 de Janeiro de 2022, 19h01 | Última atualização em Quarta, 02 de Fevereiro de 2022, 13h42 | Acessos: 3145

Prof. Dr. Sandro Teixeira Moita

Coordenador do Grupo Conflitos Bélicos – Observatório Militar da Praia Vermelha

 

Em fins de 2021, as tensões na fronteira da Ucrânia com a Rússia atingiram um ponto em que a especulação sobre uma possível invasão russa se tornou um temor corrente naquele país, bem como em potências ocidentais, que se movimentam no sentido de dissuadir os russos de seguirem nesse curso de ação.

Para entender como a situação escalou até este ponto, é preciso fazer uma retrospectiva de como a crise ucraniana vem se desenvolvendo ao longo do tempo, desde sua eclosão, em 2014, até a guerra civil que segue no leste do país, onde rebeldes, apoiados pela Rússia, impuseram diversas derrotas ao governo central.

A Guerra Civil na Ucrânia

Com a queda do governo ucraniano, em 2014, após semanas de protestos populares em face da decisão de não aceitar firmar acordos com a União Europeia, iniciou-se um período de instabilidade que foi reforçado quando, em março daquele ano, a Rússia movimentou forças militares e anexou a Crimeia, após um referendo não-reconhecido pela comunidade internacional, no qual a maioria da população votou pela independência da Ucrânia e anexação à Federação Russa.

Em maio de 2014, estourou uma guerra civil no leste do país, nas províncias de Donetsk e Luhansk, onde separatistas realizaram referendos nos mesmos moldes daquele ocorrido na Crimeia. O governo ucraniano reagiu, enviando forças para impedir que as províncias se separassem do país. Entretanto, com apoio da Rússia, que oficialmente nega tal ação, os separatistas conseguiram vencer as forças ucranianas em diversas batalhas.

Em 2015, duros combates entre o Exército Ucraniano e os separatistas foram decididos por uma intervenção russa na Batalha de Debaltseve, com grande volume de fogo de artilharia, que desarticulou a ofensiva ucraniana, gerando muitas baixas e dando tempo suficiente aos separatistas, que contra-atacaram e recuperaram posições perdidas, eliminando os ganhos que os ucranianos tinham obtido a duras penas.

O fracasso da Ucrânia em bater os separatistas abriu espaço para uma negociação de cessar-fogo mediada pela França e Alemanha, envolvendo Rússia, Ucrânia e a Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE). O tratado é considerado frágil em razão do desrespeito às cláusulas firmadas tanto por russos quanto por ucranianos.

Outro efeito da derrota ucraniana em Debaltseve foi a estabilização da frente de combate, com a construção de trincheiras e duelos de artilharia esporádicos entre ucranianos e separatistas. Entre 2017 e 2019, o conflito se caracterizou por tais movimentos, com a ocorrência de outro combate de maior monta, gerando reações rápidas dos países europeus e da Rússia, sempre finalizadas com uma nova negociação de cessar-fogo.

A situação do conflito foi deteriorada por causa da pandemia global de COVID-19, com as condições nas áreas contestadas piorando em grave escala, impondo pesado sofrimento às populações daquelas áreas. Isso também caracterizou uma redução nos choques entre forças ucranianas e separatistas, com o menor número de baixas registradas desde o início do conflito, em 2014.

A escalada da crise em 2021

Em 2021, a situação do conflito começou a mudar, com a introdução de novas tecnologias por parte da Ucrânia, destacando-se o uso de drones de origem turca, Bayraktar TB2, eliminando posições de separatistas sem impor riscos às suas forças. Uma escalada ocorreu, com ataques às posições ucranianas, os quais foram repelidos com baixas relevantes entre os separatistas.

Entre março e abril, a Rússia movimentou grandes efetivos e quantidades de material militar para o Distrito Militar do Sul, onde foram realizados exercícios nas proximidades da fronteira com a Ucrânia. Ao fim desses exercícios, não ocorreu a desmobilização dos meios, o que motivou alertas ucranianos à comunidade internacional. Isso se intensificou após uma grande movimentação de forças russas dos Distritos Militares do Centro e do Oeste, posicionando tropas nas fronteiras com a Ucrânia com vasta quantidade de carros de combate e peças de artilharia, especialmente canhões e lançadores de mísseis, o que configura a maior mobilização russa desde a anexação da Crimeia em 2014. Autoridades ucranianas alertam para uma possível ação militar russa, com efetivos que poderiam chegar até a 175 mil militares em março de 2022.

A Rússia nega que esteja preparando uma invasão da Ucrânia, e que esteja posicionando forças na fronteira com essa finalidade. Os russos alegam que o uso de drones por parte dos ucranianos pode "desestabilizar a região” e, por isso, medidas como o envio das tropas são necessárias para a defesa de seus interesses. Alemanha e Estados Unidos protestaram contra a mobilização russa e demandam que ela seja desfeita.

Um encontro entre os presidentes dos Estados Unidos e da Rússia ocorreu em 8 de dezembro, no qual foi discutida a situação, com a demanda russa de que a expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) não incorpore a Ucrânia. Os americanos, por sua vez, deixaram claro que uma ação militar por parte dos russos será respondida por medidas não-militares, como sanções econômicas por parte dos Estados Unidos e Europa.

Tensões e Incertezas

A situação delicada envolve diversos fatores geopolíticos que não podem ser desconsiderados. A Rússia considera-se ameaçada pela aproximação da Ucrânia com a União Europeia (UE) e a OTAN, por meio de uma fronteira seca que deixaria aquela nação exposta a qualquer ataque da aliança militar, fora a questão do confinamento regional a que a Rússia ficaria exposta em um eventual acesso ucraniano à OTAN.

Por outro lado, os EUA, tomando o protagonismo da situação, antes desempenhado pelos países europeus, têm sido mais assertivos em indicar aos russos que uma ação militar não será tolerada, se tal curso for seguido. Informações indicam que os EUA planejam uma série de medidas como sanções econômicas devastadoras, em especial, a retirada do sistema bancário russo da rede SWIFT, o protocolo global de transações bancárias, o que impediria o acesso da Rússia a dólares americanos, que são a moeda do comércio internacional.

Os russos vêm respondendo às declarações americanas com uma combinação de ações que podem soar contraditórias, mas estrategicamente não o são: por um lado, aumentam os efetivos nas fronteiras com a Ucrânia, e ainda se valem do território de Belarus para isto; por outro, continuam a demandar negociações com os EUA e a UE, apresentando medidas duras, mas consideradas vitais para a segurança russa, como garantias de que a Ucrânia nunca ingressará na OTAN, por exemplo.

Tais fatos têm levado a movimentações de países europeus no campo da segurança regional, destacando-se a Suécia e a Finlândia, os quais apesar de não serem membros da OTAN, já tiveram confrontações no passado com a Rússia, e observam atentamente a crise na Ucrânia, sob o temor de que uma escalada maior possa trazer consequências para seus territórios e cidadãos.

A pressão exercida por Moscou, ao posicionar mais de 100 mil militares nas fronteiras da Ucrânia, é parte de uma visão que o Kremlin possui dos EUA, desde a expansão da OTAN para as antigas repúblicas soviéticas do Leste Europeu: impelir os americanos a negociar por meio de medidas de força. Em certa maneira, Moscou tem sido bem sucedida, pois é a primeira vez, desde a reunificação da Alemanha, em 1990, que os EUA se reúnem com a Rússia para tratar da segurança na Europa.

O momento atual da crise

Nas fronteiras ucranianas com a Rússia e Belarus, os soldados russos estão posicionados, com milhares de carros de combate, sistemas de artilharia, foguetes e mísseis. Em 14 de janeiro, um ciberataque derrubou diversas páginas e serviços digitais do governo ucraniano, que acusa a Rússia de ser a responsável. Em 18 de janeiro, tropas russas, em número ainda desconhecido, passaram a entrar em Belarus com a justificativa da participação em exercícios militares planejados para acontecer em fevereiro, em região daquele país próxima às fronteiras da Polônia e Lituânia.

Isso elevou os níveis de alerta da Ucrânia, que tem feito repetidos pedidos de ajuda às potências europeias e aos EUA. Mas, até o momento, não se percebe disposição de europeus e americanos em lutar pelos ucranianos. Embora com duras declarações, o que se indica até o momento é a vontade dos EUA em reagir por meio de sanções contra uma eventual ação russa e uma tímida resposta europeia, devido à importância que o gás russo possui para o abastecimento energético da Europa, especialmente durante o inverno.

Entre 17 e 19 de janeiro, uma sequência de voos da Real Força Aérea do Reino Unido realizou a entrega de mais de 2 mil mísseis anti-carro para as forças ucranianas, assim como o envio de militares para missões de instrução às tropas locais, juntando-se a militares do Canadá, Dinamarca, Lituânia, EUA, Suécia e Polônia, que já desempenham tais funções de treinamento das Forças Armadas e Polícia da Ucrânia.

No dia 21 de janeiro, ocorreu uma nova reunião em Genebra, entre o Secretário de Estado dos EUA e o Ministro das Relações Exteriores da Rússia. Antes disso, o diplomata americano realizou diversos encontros com seus pares europeus, no sentido de chegar à mesa com os russos com uma frente unida dos EUA e UE. A chegada à nova rodada de negociações é tensa, pois os russos anunciaram que podem colocar tropas e mísseis em Cuba e Venezuela, para pressionar os americanos, que, por sua vez, defendem que uma ação contra a Ucrânia é inaceitável, além de anunciar o envio de um pacote de ajuda militar de 200 milhões de dólares. Além disso, os EUA anunciaram sanções a figuras ucranianas, que teriam se tornado colaboradoras dos serviços de inteligência da Rússia para desestabilizar o governo ucraniano.

As negociações futuras entre os altos diplomatas americanos e russos podem resultar tanto na manutenção do impasse quanto na direção de sua resolução. O exercício militar da Rússia em Belarus é algo a ser considerado, assim como o referendo futuro naquele país, que pode autorizar a presença permanente de tropas russas, o que imporia mais pressão à Ucrânia. Enquanto isso, os americanos e a OTAN trabalham nas suas contrapropostas para apresentar à Rússia. O que se vê é o complicado jogo de poder internacional sendo praticado por esses atores, lidando com um difícil cenário estratégico para a segurança global.

 

Rio de Janeiro - RJ, 22 de janeiro de 2021.


Como citar este documento:
MOITA, Sandro Teixeira. Análise de Situação – Crise na Ucrânia. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2022.

 

Para saber mais:

    1. What a Week of Talks Between Russia and the West Revealed - Dmitri Trenin, Carnegie Moscow Center. Disponível em: https://carnegiemoscow.org/commentary/86222
    2. US fears arrival of Russian troops could lead to nuclear weapons in Belarus - France 24. Disponível em: https://www.france24.com/en/europe/20220118-us-fears-arrival-of-russian-troops-could-lead-to-nuclear-weapons-in-belarus
    3. Ukraine hit by ‘massive’ cyber-attack on government websites - The Guardian. Disponível em: https://www.theguardian.com/world/2022/jan/14/ukraine-massive-cyber-attack-government-websites-suspected-russian-hackers
    4. West stresses unified stance on Ukraine after Biden's 'minor incursion' remark - Reuters. Disponível em: https://www.reuters.com/world/blinken-arrives-berlin-ukraine-talks-with-european-allies-2022-01-20/
    5. How real is Russia’s threat to deploy missiles to Latin America? - Al Jazeera. Disponível em: https://www.aljazeera.com/news/2022/1/19/how-real-is-russias-threat-to-deploy-missiles-to-latin-america
    6. US, Europe present united front before Blinken-Lavrov talks - Al Jazeera. Disponível em: https://www.aljazeera.com/news/2022/1/20/us-europe-present-united-front-ahead-of-blinken-lavrov-talks
    7. Russia-Ukraine crisis: Why Brussels fears Europe is 'closest to war' in decade - BBC. Disponível em: https://www.bbc.com/news/world-europe-60030615
    8. US accuses Russia of recruiting officials in attempt to take over Ukrainian government - CNN. Disponível em: https://edition.cnn.com/2022/01/20/politics/us-transfer-weapons-ukraine/index.html
    9. Western Diplomacy on Russia Must Serve Deterrence - The Moscow Times. Disponível em: https://www.themoscowtimes.com/2022/01/12/western-diplomacy-on-russia-must-serve-deterrence-a76021

 

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