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A Crise na Ucrânia sob uma perspectiva econômica

Publicado: Quinta, 30 de Junho de 2022, 07h01 | Última atualização em Quinta, 30 de Junho de 2022, 13h58 | Acessos: 559

 

Diego da Silva Agostini

Major aluno do segundo ano do Curso de Comando e Estado-Maior e Mestrando PPGCM

 

1. Introdução

A escalada da crise na Ucrânia no início de 2022 e o consequente avanço das tropas russas no interior do território ucraniano, chamou a atenção da comunidade internacional e, consequentemente, ocasionou a reação de alguns países ocidentais, implementando ações majoritariamente voltadas para o campo econômico. Pelo que se observa, a guerra não está restrita ao campo de batalha, pelo contrário, os fatos sugerem que ela está sendo deflagrada em múltiplos domínios (VISACRO, 2020).

Nesse tabuleiro geopolítico, além da expressão militar utilizada pela Rússia e pela Ucrânia, nota-se que os Estados Unidos da América (EUA) e a União Europeia estão empregando a expressão econômica, com o propósito de contrapor aos interesses russos de anexar, ou, ao menos, incluir as regiões separatistas ucranianas em sua área de influência, afastando a OTAN de suas fronteiras. Não é de hoje que os EUA utilizam todas as expressões do poder nacional visando atingir seus objetivos políticos. No que tange à utilização da expressão econômica, pode-se citar como exemplo a tentativa dos EUA em frear o domínio da tecnologia nuclear por parte do Irã. Nesta ocasião, os norte-americanos impuseram significativos embargos, gerando enormes prejuízos econômicos aos iranianos.

Diante desses acontecimentos e haja vista que os EUA e a União Europeia estão implementando sanções econômicas muito semelhantes com as que foram adotadas em 2014, por ocasião da anexação da Crimeia, surge uma pergunta no ar: As medidas econômicas adotadas por norte-americanos e europeus são suficientemente eficazes na contenção do avanço russo nesse conflito? Com vistas a responder esta pergunta, este artigo analisará a guerra sob uma perspectiva geoeconômica, destinando um olhar para determinadas ações adotadas pela Rússia, EUA e União Europeia.

2. Ações adotadas pela Rússia

Desde que ascendeu ao poder da Rússia em 1999, o presidente Vladimir Putin vem implementando programas de reaparelhamento das Forças Armadas, inclusive aumentando os esforços de P,D&I para a obtenção de novos sistemas de armas. Tal postura permitiu a Rússia reduzir consideravelmente a defasagem tecnológica observada no início da década de 1990, provocada pelo fim da ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (ex-URSS). Percebe-se que o incremento de capacidades da expressão militar do poder nacional russo contribuiu para a atuação russa no sistema internacional. O processo de reaparelhamento e transformação das forças armadas russas viabilizaram, por exemplo, o apoio a Bashar al-Assad, evitando sua queda na Síria, além do bem-sucedido processo de anexação da Crimeia.

Segundo Andrade e Franco (2016), a intervenção militar russa na Ucrânia em 2014 e as consequentes sanções impostas ao país pelos EUA e pela União Europeia, colocou sérias dúvidas sobre a capacidade do governo russo em manter ambiciosos programas de defesa nos anos posteriores. Adiciona-se a isso, o fato de ter ocorrido o cancelamento de programas desenvolvidos com empresas estrangeiras, muitas das quais ucranianas (a exemplo da dependência de motores de helicópteros produzidos na Ucrânia). Tal fato levaram os russos a envidarem esforços no sentido de substituir as importações e buscar novas parcerias, aspectos que levaram ao robustecimento de sua base industrial de defesa, que permitiu a Rússia pôde desenvolver o caça de quinta geração PAK-FA-T-50, em parceria com a Índia.

De acordo com o “The Military Balance - 2021”, relatório emitido pelo International Institute for Strategic Studies (IISS), os gastos militares russos aumentaram rapidamente de 2012 a 2015, em decorrência dos gastos com o Programa de Modernização e Reequipamento Russo, mas depois caíram em termos nominais e reais de 2016 a 2018, antes de uma recuperação modesta em 2019.

Ou seja, como o país conseguiu avançar com seu sistema de defesa se os gastos diminuíram? A resposta é simples, a partir do momento que o governo russo investiu em sua base industrial de defesa, a Rússia passou a gastar menos recursos adquirindo produtos de defesa oriundos do exterior, fato comprovado pela declaração emitida pelo Ministro da indústria da Rússia, Denis Manturov, o qual disse que a produção industrial de defesa russa aumentou 38% após 2014. Tal fato indica que as sanções econômicas impostas pelo ocidente não foram eficazes e os programas de reequipamento das forças russas continuaram.

Outra iniciativa realizada pela Rússia no campo econômico foi a criação do banco militar russo por Vladimir Putin, ou Promsvyazbank, o qual tem se mostrado essencial para o financiamento das atividades da indústria de defesa da Rússia. Até o presente momento, nota-se que o referido banco tem sido hábil, uma vez que está conseguindo driblar as sanções impostas pelo ocidente junto ao Kremlin.

3. Ações adotadas pelos EUA e pela União Europeia

Uma das primeiras sanções adotadas pelo ocidente junto à Rússia no contexto que envolve o conflito Rússia x Ucrânia, ocorreu em 2014, após a tomada da Crimeia pelas Forças Armadas russas. Naquela ocasião, norte-americanos e europeus se juntaram e retaliaram economicamente os russos por meio de uma desvalorização artificial da moeda russa junto ao dólar. Segundo Torres Filho (2019), a “bomba dólar” lançada sobre a Rússia em 2014, foi capaz de gerar efeitos significativos, pois conteve avanços mais robustos que poderiam ter sido realizados pelo Complexo Industrial de Defesa Russo. Agindo desta forma, os EUA fez uso de um potente dispositivo chamado bomba dólar:

“Trata-se de uma arma [...] que possui um alto poder de destruição econômica, sem gerar diretamente danos físicos ou perda de vidas humanas no inimigo. É de efeito crescente e promove a desorganização dos mercados internos do país afetado, quanto mais sua economia estiver integrada ao sistema financeiro global. Seus custos de mobilização e de operação são mínimos para o agressor. Trata-se de uma nova maneira de a potência hegemônica operar a segurança da ordem global em tempos de paz” (TORRES FILHO, 2019, p. 3)

Em que pese terem realizado essa iniciativa, parece que essa ação não foi eficaz, uma vez que não foi suficientemente capaz de impedir Vladimir Putin em realizar uma nova investida na Ucrânia, quase oito anos depois.
Nos dias atuais, motivado principalmente pelos fatos ocorrido em 24 de janeiro de 2022, quando a Rússia enviou suas tropas russas para supostamente apoiarem os rebeldes separatistas nas regiões de Donetsk e Luhansk, Washington novamente lançou uma nova rodada de sanções contra a Rússia, contidas no documento conhecido como a Ordem Executiva 14024. Em comunicado à imprensa em 22 de fevereiro de 2022, o Departamento do Tesouro dos EUA discriminou as ações econômicas impostas à Rússia e afirmou que os EUA havia tomado as medidas necessárias para contrapor a decisão do presidente Vladimir Putin de enviar tropas russas para as Repúblicas Populares de Donetsk e Luhansk e apoiá-las em seus processos de independência. Com essas medidas, os EUA estariam sancionando duas grandes instituições financeiras estatais russas (EUA, 2022).

Hoje, o Tesouro está mirando a capacidade da Rússia de financiar a agressão contra seus vizinhos, sancionando o Banco Corporativo de Desenvolvimento e Assuntos Econômicos Estrangeiros Vnesheconombank (VEB) e Promsvyazbank Public Joint Stock Company (PSB), juntamente com 42 de suas subsidiárias. O VEB é crucial para a capacidade da Rússia de arrecadar fundos, e o PSB é fundamental para o setor de defesa da Rússia (EUA, 2022, n.p.) (tradução nossa).

Além dessas sanções, cumpre mencionar a postura adotada pelos países da União Europeia que, alinhado com os Estados Unidos da América, trataram de apresentar um pacote de sanções, dentre elas a remoção da Rússia no sistema SWIFT. Sediado na Bélgica, o SWIFT é um sistema global de troca de mensagens, utilizado por bancos e instituições financeiras de todo o sistema internacional. Os europeus visualizaram que tal medida iria comprometer a capacidade do sistema financeiro russo em realizar transações econômicas com os demais países do mundo. Em suma, os russos teriam muita dificuldade em vender suas matérias-primas mais valiosas e abundantes, qual seja: petróleo e gás, bases da economia russa.

4. Considerações finais

Na parte final deste artigo, retomo a pergunta inicial, motivadora dessa breve análise: As medidas econômicas adotadas por norte-americanos e europeus são suficientemente eficazes na contenção do avanço russo nesse conflito?

A resposta a ser dada não deve ser conclusiva, pelo simples fato de não ter decorrido um tempo, mínimo que seja, para podermos analisarmos em que medida essas medidas serão capazes de conter o avanço russo ou se as ações adotadas pela Rússia estão adequadas para suportar as sanções oriundas do ocidente (EUA e Europa). Nesse duelo geoestratégico, somente o tempo trará a resposta adequada. Qualquer análise conclusiva nesse momento é frágil.

Entretanto, o que pode se inferir neste momento é de que as ações ocorridas até a presente data (russas, norte-americanas e europeias) descortinam um novo rearranjo das peças do tabuleiro geopolítico mundial. Alguns analistas são mais cautelosos, outros chegam a classificar o momento como o de uma possível nova ordem mundial. De tudo isso, o que pode se depreender que vivenciamos um momento chave na história das relações internacionais, tal qual foi a derrocada da ex-URSS, e mais recentemente, os atentados terroristas ocorridos em 11 de setembro de 2001.

 

Referências Bibliográficas: 

  1. ANDRADE, Israel de Oliveira; FRANCO, Luiz Gustavo Aversa. Desnacionalização da Indústria de Defesa no Brasil: Implicações em aspectos de autonomia científico-tecnológica e soluções a partir da experiência internacional. Brasília: IPEA, 2016.

  2. EUA, U.S. Treasury Imposes Immediate Economic Costs in Response to Actions in the Donetsk and Luhansk Regions. 2022. Disponível em https://home.treasury.gov/ne ws/press-releases/jy0602. Acesso em: 24 fev. 22.

  3. INTERNATIONAL INSTITUTE FOR STRATEGIC STUDIES. The Military Balance - 2021. Disponível em: https://www.iiss.org/publications/the-military-balance. Acesso em: 05 jan. 2022.

  4. TORRES FILHO, Ernani Teixeira. A bomba dólar: paz, moeda e coerção. Instituto de Economia-UFRJ-Texto para Discussão, vol. 26, 2019.

  5. VISACRO, A. Não basta vencer em múltiplos domínios: conjecturas sobre a nova doutrina do Exército dos Estados Unidos e os conflitos na zona cinza. Coleção Meira Mattos: revista das ciências militares, Vol. 14, nº 50, p. 187-209, 2020. 

 

Rio de Janeiro - RJ, 30 de junho de 2022.


Como citar este documento:
Agostini, Diego da Silva. A Crise na Ucrânia sob uma perspectiva econômica. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2022.  

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