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O Programa Partners Across the Globe e as relações OTAN-Colômbia: possibilidades para o Estado brasileiro

Publicado: Segunda, 20 de Dezembro de 2021, 01h01 | Última atualização em Sexta, 31 de Dezembro de 2021, 10h11 | Acessos: 813

Rodrigo Bezerra de Azevedo

Doutorando do PPGCM da ECEME

 

 

1. INTRODUÇÃO

A reunião de cúpula da OTAN, realizada em Riga no ano de 2006, traçou como objetivo desenvolver o potencial político e prático dos seus programas de cooperação, buscando aumentar a relevância das relações com países fora da Aliança e fortalecer sua capacidade de trabalhar em parceria (NATO, 2014). A concepção estratégica, de 2010, reviu essa política de parcerias e passou a vislumbrar também a cooperação individual com países que não faziam parte dos antigos frameworks regionais de cooperação (NATO, 2017)1. Nesse contexto, foi concebido o programa conhecido como “partners across the globe”, no qual se inclui uma gama bastante heterogênea de países, tais como Afeganistão, Austrália, Colômbia, Iraque, Japão, República da Coréia, Mongólia, Nova Zelândia e Paquistão (NATO, 2017). Para Sloan (2016), o valor desse programa de cooperação pode ser demonstrado, por exemplo, pelas importantes contribuições da Austrália como parceiro global na International Security Assistance Force ISAF, no Afeganistão.

Existem atualmente três tipos principais de documentos para firmar parcerias bilaterais com a OTAN: o Individual Partnership and Cooperation Programme (IPCP), que possui estrutura modular, adaptável aos interesses e objetivos de cada parceiro e da OTAN e está aberto a todos Estados interessados (NATO, 2016); o Individual Partnership Action Plan (IPAP), que oferece a oportunidade de aprofundar a cooperação com a OTAN e tem seu foco nos esforços de reformas domésticas; e o Annual National Programme (ANP), aberto aos países que aderiram ao Membership Action Plan (MAP), que visa adesão como membro pleno da Aliança (NATO, 2020). Cada um dos diferentes tipos de parcerias e documentos que as regulam possuem suas exigências e benefícios específicos, conforme a particularidade de cada acordo firmado.

2. AS RELAÇÕES OTAN-COLÔMBIA

Os primeiros sinais da aproximação entre o Estado colombiano e a OTAN datam do ano de 2006. Entretanto, a intensificação desse acercamento deu-se no contexto da mudança na lógica de segurança e defesa colombiana, a qual esteve direcionada durante mais de 50 anos para o combate aos grupos guerrilheiros e ao narcotráfico. Esse processo de mudança buscou a redefinição do papel das Forças Armadas colombianas, por meio de uma reforma militar, que foi iniciada em 2011, a qual passou a buscar uma atuação mais intensamente na área de Defesa e buscar novos tipos de utilização para as suas capacidades (ARCINIEGAS; SANTOS FILHO, 2019). A celebração dos acordos de paz com as Forças Armadas revolucionárias da Colômbia (FARC), deu ainda mais impulso a essas reformas, sendo necessário pensar em um novo sistema de segurança e defesa que atendesse às necessidades do país (CANCELADO, 2016) e impedisse a significativa diminuição do orçamento destinado ao Ministério da Defesa (ARCINIEGAS; SANTOS FILHO, 2019). Desse modo, a Política de Defesa e Segurança para a Nova Colômbia 2015-2018 estabeleceu o desejo do Estado colombiano posicionar-se como líder em questões de segurança e defesa, primeiro no hemisfério e, posteriormente, globalmente (TORRIJOS; ABELLA, 2017).

Segundo o então presidente Manoel Santos, essa aproximação não teria fins bélicos, mas seria uma forma de suas Forças Armadas buscarem os melhores exemplos e boas práticas em Defesa, o que daria à Colômbia um status privilegiado de cooperação em Defesa (EL ESPECTADOR, 2018b), permitindo exportar suas capacidades e experiências, adquiridas no combate à guerrilha, e assumir novas tarefas por meio da participação nas operações internacionais de manutenção da paz (HELBIG, 2019). Para Cancelado (2016), as Forças colombianas pretendem usar a OTAN como um veículo para mostrar suas capacidades à medida que aumentam sua interoperabilidade aos padrões da OTAN.

Em maio de 2017, um Individual Partnership and Cooperation Programme (IPCP) foi assinado entre as partes e formalizou o reconhecimento da Colômbia como parceiro e abriu o acesso a toda a gama de atividades cooperativas. Estabeleceu ainda as áreas prioritárias para o diálogo e a cooperação, tais como segurança cibernética, segurança marítima e terrorismo e suas ligações com o crime organizado; para apoiar os esforços de paz e segurança, incluindo a segurança humana; e desenvolvimento de capacidades e capacidades das Forças Armadas colombianas. O texto final do acordo foi finalmente aprovado pelo Congresso da República colombiana com a Lei 1839, de 12 de julho de 2017, contendo seis artigos que dispõe, entre outros aspectos, sobre as obrigações gerais das partes (COLÔMBIA, 2017).

A aproximação Colômbia-OTAN, entretanto, desencadeou várias declarações contrárias de países da América Latina, principalmente daqueles ligados à ALBA2 (MALAMUD; ENCINA, 2013). Estes países em geral alertavam para os grandes problemas que poderiam advir caso se concretizasse a presença da OTAN na região. O então presidente boliviano, Evo Morales, convocou uma reunião extraordinária do Conselho de Segurança da União das Nações do Sul (UNASUL), para analisar os riscos que essa iniciativa colombiana poderia acarretar para a região (MALAMUD; ENCINA, 2013). Já o presidente venezuelano Nicolás Maduro disse que trazer a OTAN para a América do Latina e o Caribe seria um “séria ameaça à paz e estabilidade regional” (EL ESPECTADOR, 2018a).

Como consequência prática do alinhamento com a OTAN, Bogotá se obrigou a apoiar diplomaticamente a OTAN, como membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU, votando favoravelmente pela missão de policiamento aéreo da Aliança na Líbia, em 2011, posição contrária aos BRICS3 e até mesmo à Alemanha, que se absteve de votar (HELBIG, 2019). Já em 2008, foi negociado com a Espanha e com a OTAN o envio de uma companhia colombiana um efetivo de 100 militares colombianos ao Afeganistão, integrados ao destacamento espanhol, entretanto, a iniciativa não avançou (GONZÁLEZ, 2008 apud ARCINIEGAS, SANTOS FILHO, 2019).

Alguns exemplos dos benefícios da aproximação colombiana à OTAN podem ser identificados. O ingresso da Colômbia como usuária do Sistema de Catalogação da Defesa da OTAN, permitiu a uniformização da identificação, classificação e enumeração de uma série de atividades e processos das Forças Armadas colombianas, gerando maior potencial de interoperabilidade entre ambas as instituições (DUSSÁN, 2019 apud ARCINIEGAS, SANTOS FILHO, 2019). Em 2012, a OTAN votou para incluir a Colômbia no denominado NATO Community ATP-56 AAR (Air-to-Air Refueling), o que significa que o país cumpre os regulamentos aliados para o reabastecimento em voo, sendo elegível para estabelecer acordos de interoperabilidade neste tipo de operações com qualquer um dos membros da OTAN e seus parceiros (MALAMUD; ENCINA, 2013). Além disso, foi aprovada a adesão colombiana à rede de Centros de Educação e Treinamento de Parceria (PTEC) da OTAN e uma das áreas prioritárias do IPCP se concretizou em 2019, com o Centro Internacional de Desminagem (CIDES) da Colômbia, que passou a contribuir para a educação e formação de pessoal dos países-membros e parceiros da OTAN na área da desminagem humanitária e militar (EJÉRCITO DE COLOMBIA, 2019).

De acordo com Helbig (2019), a parceria da Colômbia com a OTAN não foi projetada para combater ameaças específicas. As autoridades colombianas avaliaram que obter o status de parceiro da OTAN seria uma questão de prestígio, permitindo ao país aumentar seu protagonismo na arena internacional. Nesse sentido, a OTAN teria agregado valor, principalmente no domínio da Defesa e Segurança Internacional, ajudando a diversificar as relações externas de Bogotá com os demais aliados, sem prejudicar as relações com os EUA e permitindo o acesso a novas oportunidades que contribuem com o desenvolvimento do seu setor de Defesa.

3. CONSIDERAÇÕES SOBRE O BRASIL E A OTAN

O governo brasileiro adota uma postura historicamente reticente e, por vezes, de oposição à OTAN. Durante os governos Lula e Dilma, por exemplo, a Política Externa brasileira foi contrária às intervenções dos EUA e da OTAN no Iraque e na Líbia. Mesmo antes disso, o Brasil foi contra às ações estrangeiras em Ruanda e no Haiti, em 1994, bem como à missão da OTAN em Kosovo. Também no governo Temer, houve postura similar, com o então Ministro da Defesa Raul Jungmann (2017, apud HELBIG, 2019, p. 176) expressando sua preocupação de que a OTAN pudesse usar a luta contra o Estado Islâmico na África Ocidental como pretexto para reivindicar “jurisdição sobre todo o Atlântico”, e anunciando que seria “trabalho diplomático do Brasil desconstruir essa visão”.

Apesar desse discurso oficial crítico, os militares brasileiros manifestam interesse explorar oportunidades de engajamento com a aliança em termos práticos (HELBIG, 2019) e o atual governo demonstra maior disposição em aproximar-se da aliança, o que é reforçado por parlamentares que defendem a assinatura de acordos de cooperação com a Organização (BRASIL, 2019a; BRASIL, 2019b). Pavia (2015) identifica algumas possíveis áreas de cooperação, que podem interessar ao Estado brasileiro, tais como: a segurança marítima (na luta contra a pirataria, o terrorismo, o narcotráfico, a migração ilegal, o tráfico de pessoas e o comércio de armas); combate ao narcotráfico (focado na troca de informações); defesa cibernética (por meio do Centro de Excelência de Defesa Cibernética Cooperativa da OTAN); e o apoio às Operações de Paz (por meio da troca de experiências e lições aprendidas da abordagem brasileira para a gestão de conflitos) (PAVIA, 2015). Helbig (2013) aponta ainda que outro potencial benefício de uma parceria seria a possibilidade de ingressar no círculo diplomático dos países-membros da Aliança. Entretanto, não é propriamente fácil definir áreas de cooperação que beneficiem ambas as partes. Primeiro, a visão histórica do Brasil sobre a OTAN como um instrumento da Guerra Fria, representa um importante desafio a ser superado no nível político. Em segundo lugar, os interesses brasileiros, muitas vezes são voltados para a aquisição de equipamentos militares e tecnologias, geralmente não pode ser oferecido pela OTAN como organização, mas sim pelos seus membros individualmente.

1O Euro-Atlantic Partnership, que engloba o programa Partnership-for-Peace (PfP) e o Euro-Atlantic Partnership Council (EAPC), o Mediterranean Dialogue (MD) e o Istanbul Cooperation Initiative (ICI).
2Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América, composta atualmente por Antígua e Barbuda, Cuba, Dominica, Nicarágua, São Vicente e Granadinas e Venezuela. Honduras, Equador e Bolívia anunciaram a saída do bloco em 2010, 2018 e 2019 respectivamente.
3Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

 

 Rio de Janeiro - RJ, 20 de dezembro de 2021.


Como citar este documento:
AZEVEDO, Rodrigo Bezerra de. O Programa Partners Across The Globe e as Relações OTAN-COLÔMBIA: Possibilidades para o Estado Brasileiro. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2021.

 

Referência:

    1. ARCINIEGAS, Alexander; SANTOS FILHO, João Estevam dos. Cooperação militar OTAN-Colômbia: aproximação recente e redefinição do papel das Forças Armadas colombianas no pós-conflito. Conjuntura Austral, [s. l.], v. 10, n. 49, p. 13, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.22456/2178-8839.87761
    2. BRASIL. Indicação ao Poder Executivo Nr 1011. Brasília: Câmara dos Deputados, 2019a.
    3. BRASIL. Projeto de Resolução 49. Brasília: Câmara dos Deputados, 2019b.
    4. CANCELADO, Henry. La política exterior y el nuevo rol de las FF.AA. en el contexto de la nueva estrategia y doctrina de defensa con miras al posconflicto. In: BUELVAS, Eduardo Pastrana; GEHRING, Hubert (org.). Política Exterior Colombiana: Escenarios y desafíos en el posconflicto. Bogotá: Pontificia Universidad Javeriana, 2016.
    5. COLÔMBIA. Acuerdo entre la República de Colombia y la Organización del Tratado del Atlántico Norte sobre cooperación y seguridad de información. [S. l.], 2017. Disponível em: http://es.presidencia.gov.co/normativa/normativa/LEY 1839 DEL 12 DE JULIO DE 2017.pdf. Acesso em: 15 jun. 2020.
    6. EJÉRCITO DE COLOMBIA. Organización del Tratado del Atlántico Norte. [S. l.], 2019.
    7. EL ESPECTADOR. Gobierno venezolano dice que ingreso de Colombia a la OTAN es una “amenaza para la paz”. [S. l.], 2018a. Disponível em: https://www.elespectador.com/noticias/el-mundo/gobierno-venezolano-dice-que-ingreso-de-colombia-a-la-otan-es-una-amenaza-para-la-paz/. Acesso em: 19 jan. 2021.
    8. EL ESPECTADOR. Ingreso de Colombia a la OTAN no tiene propósitos bélicos": Santos. [S. l.], 2018b. Disponível em: https://www.elespectador.com/noticias/el-mundo/ingreso-de-colombia-a-la-otan-no-tiene-propositos-belicos-santos/. Acesso em: 19 jan. 2021.
    9. HELBIG, Robert. NATO-Brazil Relations: Limits of a Partnership Policy. Konrad-Adenauer-Stiftung Facts & Findings, [s. l.], v. 49, n. 151, 2013.
    10. HELBIG, Robert. Why do states cooperate with NATO? Threats, Interests and Status as Drivers in External States’ Foreign Policymaking Towards the Alliance. 2019. - Universität der Bundeswehr München, [s. l.], 2019.
    11. MALAMUD, Carlos; ENCINA, Carlota García. Colombia, la OTAN y las alarmas que suenan en América Latina. Comantario Elcano, [s. l.], p. 1–4, 2013.
    12. NATO. Membership Action Plan ( MAP ). [S. l.], 2020. Disponível em: https://www.nato.int/cps/en/natolive/topics_37356.htm. Acesso em: 10 dez. 2020.
    13. NATO. Partnership Tools. [S. l.], 2016. Disponível em: https://www.nato.int/cps/en/natohq/topics_80925.htm. Acesso em: 12 dez. 2020.
    14. NATO. Relations with partners across the globe. [S. l.], 2017. Disponível em: https://www.nato.int/cps/en/natohq/topics_49188.htm. Acesso em: 12 dez. 2020.
    15. NATO. Riga Summit Declaration. [S. l.], 2014. Disponível em: https://www.nato.int/cps/en/natohq/official_texts_37920.htm?selectedLocale=en. Acesso em: 10 dez. 2020.
    16. PAVIA, José Francisco. Brazil-NATO: New Global Security Partners? In: SMITH-WINDSOR, Brooke A. (org.). Enduring NATO, Rising Brazil Managing International Security in a Recalibrating Global Order. Roma: DEd’A srl, 2015. p. 253–268.
    17. SLOAN, Stanley R. Defense of the West: NATO, The European Union and the transatlantic bargain. Manchester: Manchester University Press, 2016.
    18. TORRIJOS, Vicente; ABELLA, Juan David. Ventajas y desventajas políticas y militares para Colombia derivadas de su eventual participación en misiones internacionales relacionadas con la OTAN. Revista Científica General José María Córdova, [s. l.], v. 15, n. 20, p. 47, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.21830/19006586.175

 

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