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Coronavírus e o uso da tecnologia: o que tem sido feito?

Publicado: Sexta, 27 de Março de 2020, 08h01 | Última atualização em Quinta, 06 de Janeiro de 2022, 13h55 | Acessos: 1358

Henrique Ribeiro da Rocha1
Breno Pauli Medeiros
2
Eliezer de Souza Batista Junior
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Prof. Dr. Luiz Rogério Franco Goldoni
4

 Em dezembro de 2019 começaram a circular notícias sobre o advento de um novo vírus na China causador de uma pneumonia “misteriosa”. Em poucos meses, o novo coronavírus (SARS-coV-2) atingiu todos os continentes. Hoje há mais mortos na Europa pela COVID-19 (doença causado pelo SARS-coV-2) do que no país asiático (VALOR, 2020).

Desde o começo da crise desencadeada por essa pandemia (decretada pela Organzação Mundial da Saúde – OMS – em 11 de maço de 2020), Estados têm buscado as melhores formas para retardar a disseminação do vírus. Recorrendo, por exemplo, ao fechamento de fronteiras, cancelamento de aulas e incentivo ao home office. Além dessas medidas, existe outra que tem chamado atenção: o uso da tecnologia para diminuir a chance de pessoas infectadas espalharem o vírus; difundir conhecimento sobre higiene pessoal e auxiliar indivíduos a fazerem de casa um diagnóstico preliminar.

Na China, com apoio do governo, aplicativos têm sido utilizados para conscientizar a população e, também, para mapear e conter a proliferação do vírus. Um dos apps foi desenvolvido com o intuito de notificar os usuários caso tenham estado em contato com alguma pessoa infectada ou com suspeita de estar infectada. Para utilizar este app, os usuários precisam apenas fornecer o nome completo e o número de identidade. As pessoas consideradas “em risco” são avisadas e aconselhadas a ficar em casa e a informar as autoridades locais. Os dados do aplicativo são alimentados pelas autoridades de transporte e saúde do país (MIX, 2020).

O Estado chinês decretou o uso obrigatório de máscaras em diversas regiões do país. Entretanto, caso alguém decida não obedecer, a Baidu (gigante de buscas online na China) desenvolveu um sistema que detecta as pessoas que não estiverem utilizando máscaras por meio de inteligência artificial (IA), aplicada ao reconhecimento facial (MEHTA, 2020). Outra gigante chinesa, a Alibaba, criou um sistema de IA que permite o rápido diagnóstico do novo coronavírus. Baseado na análise comparada de imagens de tomografia computadorizada de pacientes infectados, a IA produz o resultado em menos de 20 segundos, com taxa de precisão de 96%, segundo a empresa. De acordo com relatório da Nikkei’s Asian Review, um indivíduo leva aproximadamente 15 minutos para realizar o diagnóstico, uma vez que o número de imagens para avaliar pode chegar a 300 (GREENE, 2020).

Há, contudo, suspeitas de que essas tecnologias, à priori utilizadas para contenção da COVID-19, serviriam como mais uma prática de monitoramento geral da população por parte das autoridades chinesas, intensificado após o surto do vírus, implicando um contexto maior de suspeita de desrespeito aos direitos humanos mediante esforços de contenção do vírus (SWART, 2020). A natureza das empresas de tecnologia chinesas e a presença de autoridades governamentais em suas diretorias se encaixa em um contexto mais amplo de utilização de redes sociais e do ciberespaço para o monitoramento de cidadãos chineses, incutido na política pública chinesa. No intuito de promover um maior contato da população com o governo central, a atuação de autoridades empresariais e governamentais é incentivada pelo governo, vislumbrando problemas locais e paralelamente promovendo a disseminação arbitrária de informações no que o governo chama de “direcionamento da opinião pública” (SEGAL, 2016).

Paralelamente, a Coreia do Sul passou a ser apontada pela OMS como exemplo na contenção da epidemia após quatro empresas do país começarem a fabricar testes seguindo recomendações da própria Organização, o que possibilitou a testagem de 10 mil pessoas diariamente. Também no país, autoridades estão enviando mensagens de texto que contém guias de segurança. Uma vez que o número de casos aumentou exponencialmente no país, aumentou também o envio de informações em massa por parte do governo, contendo, inclusive, links que direcionam o usuário para uma página do governo que lista todos os locais nos quais um infectado esteve.

Esse tipo de exposição de possíveis infectados, não somente gera implicações a respeito da privacidade e reação da população para com os infectados, mas, também, leva a especulações referentes a ações e hábitos dos supostos infectados. Como reportado pela Nature, informações pessoais como noites passadas em motéis têm sido divulgadas abertamente para todos via mensagem de texto, causando situações insólitas e de desconforto (KIM, 2020).

Similar a Coréia do Sul, Israel tem utilizado tecnologias que permitem o mapeamento de possíveis infectados. Contudo, essas práticas e especialmente o tom do discurso israelense no combate ao COVID-19 vêm recebendo críticas por suas medidas, especialmente por organizações de direitos humanos. De acordo com Patel (2020), essas medidas de vigilância, apesar de nunca terem sido empregadas para controlar a população israelense, são usadas há tempos para monitorar palestinos. O Primeiro-ministro do país, Benjamin Netanyahu, anunciou que “todos os meios serão utilizados para lutar contra a propagação da COVID-19, inclusive meios tecnológicos, digitais e outros que o governo, até então, se absteve de usar contra a população civil” (AHRONHEIM, 2020).

Após a declaração de Netanyahu, o procurador-geral do país aprovou que medidas cibernéticas de contraterrorismo fossem utilizadas para rastrear o telefone de pacientes, possibilitando que estes fossem localizados geograficamente (DOFFMAN, 2020). Segundo Livni (2020), as autoridades israelenses irão monitorar os telefones de pessoas diagnosticadas com o vírus. Entretanto, também serão monitorados aqueles com suspeita de contaminação pelo SARS-coV-2, o que aumenta exponencialmente o número de pessoas vigiadas. Além disso, quando confrontado sobre violar o direito à privacidade dos cidadãos israelenses, ‎Naftali Bennett - Ministro da Defesa do país - afirmou que prefere “violar os direitos dos indivíduos de forma controlada e sob medidas significativas de controle civil para que vidas sejam salvas" (AHRONHEIM, 2020).

Assim como na Coreia do Sul, o governo israelense afirma que tecnologias serão utilizadas para informar indivíduos que, inconscientemente, possam ter entrado em contato com alguém infectado. Contudo, como noticiado pela Reuters, em 19 de março de 2020, três grupos ativistas (Associação de Direitos Civis em Israel, Centro Legal para os Direitos das Minorias Árabes e a Lista Conjunta de Partidos Árabes) se juntaram para pedir à Suprema Corte israelense que as medidas de monitoramento fossem suspensas imediatamente (HELLER, 2020).

Diante do cenário apresentado, fica perceptível que Estados estão dispostos a utilizar quaisquer ferramentas julgadas necessárias para conter o novo coronavírus, mesmo que estas ameacem de certa forma a privacidade de seus cidadãos. Diante do interesse da coletividade, aqueles individuais podem acabar em segundo plano. Nos resta saber as consequências dessas práticas no futuro, principalmente em relação ao Big Data gerado por esse monitoramento em grande escala.

Além disso, há outro interessante ponto para reflexão: os governos estão mobilizando esforços para monitorar e rastrear, especialmente pessoas infectadas, para saber se elas estão se movimentando dentro de suas regiões e possivelmente espalhando ainda mais o vírus mas, e se essas pessoas simplesmente deixarem seus telefones em casa ao sair?


1 Mestrando em Ciências Militares pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares (PPGCM) da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME).
2 Mestre e Doutorando em Ciências Militares pelo PPGCM/ECEME.
3 Doutorando em Ciências Militares pelo PPGCM/ECEME.
4 Professor do PPGCM/ECEME.


Referências:

AHRONHEIM, Anna. Will Israel really violate privacy rights in the fight against corona?. Disponível em: https://www.jpost.com/Israel-News/Will-Israel-really-violate-privacy-rights-in-the-fight-against-corona-621088. Acesso em: 19 de março de 2020.

DOFFMAN, Zak. Coronavirus Spy Apps: Israel Joins Iran And China Tracking Citizens’ Smartphones To Fight COVID-19. Disponível em: https://www.forbes.com/sites/zakdoffman/2020/03/14/coronavirus-spy-apps-israel-joins-iran-and-china-tracking-citizens-smartphones-to-fight-covid-19/#4f4e5bf8781b. Acesso em: 19 de março de 2020.

GREENE, Tristan. Alibaba’s new AI system can detect coronavirus in seconds with 96% accuracy. Disponível em: https://thenextweb.com/neural/2020/03/02/alibabas-new-ai-system-can-detect-coronavirus-in-seconds-with-96-accuracy/. Acesso em: 19 de março de 2020.

ENGELBERG, Stephen et al. How South Korea Scaled Coronavirus Testing While the U.S. Fell Dangerously Behind. Disponível em: https://www.propublica.org/article/how-south-korea-scaled-coronavirus-testing-while-the-us-fell-dangerously-behind. Acesso em: 19 de março de 2020.

HELLER, Jeffrey. Israel's top court hears challenge to coronavirus cyber-monitoring. Disponível em: https://www.reuters.com/article/us-health-coronavirus-israel/israels-top-court-hears-challenge-to-coronavirus-cyber-monitoring-idUSKBN21622D. Acesso em: 19 de março de 2020.

KIM, Nemo. 'More scary than coronavirus': South Korea's health alerts expose private lives. Disponível em: https://www.theguardian.com/world/2020/mar/06/more-scary-than-coronavirus-south-koreas-health-alerts-expose-private-lives. Acesso em: 19 de março de 2020.

LIVNI, Ephrat. Israel is now using counterterrorism tactics to track possible coronavirus patients. Disponível em: https://qz.com/1819898/israel-to-use-invasive-surveillance-to-track-coronavirus-patients/. Acesso em: 19 de março de 2020.

MIX. Chinese government rolls out coronavirus ‘close contact detector’ app. Disponível em: https://thenextweb.com/apps/2020/02/11/coronavirus-app-detector/. Acesso em: 19 de março de 2020.

MEHTA, Ivan. Baidu open sources AI to identify people without face masks. Disponível em: https://thenextweb.com/neural/2020/02/17/baidu-open-sources-ai-to-identify-people-without-face-masks/. Acesso em: 19 de março de 2020.

PATEL, Yumma. Israel to use geolocation and ‘counter-terrorism’ surveillance to track coronavirus patients. Disponível em: https://mondoweiss.net/2020/03/israel-to-use-geolocation-and-counter-terrorism-surveillance-to-track-coronavirus-patients/. Acesso em: 19 de março de 2020.

SEGAL, Adam. The hacked world order: How nations fight, trade, maneuver, and manipulate in the digital age. Hachette UK, 2016.

SWART, Mia. How the coronavirus has deepened human rights abuses in China. Disponível em: https://www.aljazeera.com/news/2020/03/cloneofcloneofcoronavirus-deepened-human-right-200312074518781.html. Acesso em: 19 de março de 2020.

VALOR. Europa passa China em número de casos e mortes por coronavírus. Disponível em: https://valor.globo.com/mundo/noticia/2020/03/18/europa-passa-china-em-numero-de-casos-e-mortes-por-coronavirus.ghtml. Acesso em: 19 de março de 2020.

ZASTROW, Mark. South Korea is reporting intimate details of COVID-19 cases: has it helped?. Disponível em: https://www.nature.com/articles/d41586-020-00740-y. Acesso em: 19 de março de 2020.

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