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Gripe Espanhola e Covid-19: Uma Análise Sobre o Sistema Público de Saúde Brasileiro

Publicado: Segunda, 22 de Março de 2021, 10h22 | Última atualização em Segunda, 22 de Março de 2021, 11h05 | Acessos: 1284

Gustavo Macedo

Prof. Dr. de Relações Internacionais da FMU e Pesquisador da USP

João Marcos Neves Maciel

Graduando em Relações Internacionais da FMU

Letícia Monteiro Maia

Graduando em Relações Internacionais da FMU

Michelle Vieira Moreira Paes

Graduando em Relações Internacionais da FMU

Yasmim de Marins Malta

Graduando em Relações Internacionais da FMU

 

 Varíola, febre amarela, poliomielite e meningite são alguns exemplos de epidemias que já foram enfrentadas pelo Brasil. Cabe destacar a epidemia de gripe espanhola de 1918 — uma variação do vírus H1N1 — que trouxe à tona o debate da questão sanitária e abriu margem para avanços significativos dessa temática no país. Pouco mais de cem anos depois, os termos do debate sobre a condução de políticas de saúde pública no Brasil voltam a se repetir com a pandemia da COVID-19.

 Ocorrida entre 1918 e 1919, a gripe espanhola infectou 500 milhões de pessoas — cerca de um terço da população mundial da época — com um número de mortes estimado entre 20 e 40 milhões, sendo 35 mil destas no Brasil (ANDRADE, 2018). À época, o vírus da gripe havia chegado ao país pelos portos da costa brasileira espalhando-se rapidamente sem fazer acepção por classe social (UFRGS, 2020). Essa característica, além de lhe render a alcunha de “gripe democrática”, impulsionou a campanha da Liga Pró Saneamento do Brasil, que culminou com a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) em dezembro de 1919 (FGV, n.d.).

 A necessidade da criação de um órgão de saúde pública no Brasil foi evidenciada pela alta propagação da doença e a evidente ausência de uma instituição nacional capaz de fazer frente a esse tipo de ameaça. Com efeito, a epidemia acabou por levar a uma valorização do sistema público de saúde a posteriori. Por não haver uma política pública coordenada à época, implantou-se um caos econômico e social em uma população que morria em suas casas sem acesso a equipamentos de proteção individual (FIORAVANTI, 2020).

 A partir da década de 20, a intervenção e participação estatal no debate da saúde pública tenderam a se ampliar e solidificar (FGV, n.d.). Diante dessa nova perspectiva nacional, foi criado em 1930 o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde, que incorporou o DNSP à pasta. Com o desdobramento deste ministério, em 1953, é criado o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação (FUNASA, 2017).

 Foi apenas em 1988, com a promulgação da nova Constituição Federal Brasileira (Arts. 196 a 200 da seção II da Saúde), que o Estado brasileiro passou a ser obrigado a garantir à população, saúde de forma pública e universal (FUNASA, 2017).

 Por conseguinte, em 1990 é instituído o SUS (Sistema Único de Saúde), tornando o Brasil o único país a garantir assistência completamente gratuita e integral a mais de 100 milhões de habitantes (MS, 2015). Trinta anos após a criação do órgão mais importante da saúde no Brasil, a COVID-19 coloca a efetividade desse sistema em debate.

 Em 11 de março de 2020, a COVID-19, causada pelo vírus Sars-Cov-2, foi declarada como pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Uma vez que a COVID-19 ainda não tem tratamento ou vacina, a OMS recomenda como principal estratégia o isolamento social, que visa achatar a curva e deter o contágio.

 Nos casos em que não foi possível prevenir o contágio da doença, coube principalmente ao SUS acolher e tratar do grande número de infectados em todo o território nacional (SANTOS, 2020).

 Cabe frisar que atualmente 55% das Unidades de Terapia Intensiva (UTI) estão dentro da saúde privada, sendo que apenas 22% da população possui plano de saúde (ANS, 2019). Os 45% dos leitos restantes de UTI sob os cuidados do SUS é que atendem todo o da população brasileira — que depende do sistema público (DATASUS, 2020). Ou seja, embora a quantidade absoluta de leitos de UTI esteja dentro do recomendado pela OMS (de 1 a 3 leitos para cada 10 mil habitantes), o desafio está na distribuição, em que ¾ da população disputa metade das UTIs (LEÃO, 2020).

 Outro fator relevante é que, segundo um levantamento do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), os estados do Maranhão, Acre, Roraima, Pará, Amapá e Piauí possuem menos de um leito de UTI a cada 10 mil habitantes. (Censo AMIB; 2016).

 Com a sobrecarga causada pela pandemia, foram instalados Hospitais de Campanha, para aumentar o número de leitos de UTI e a capacidade de atendimento. Contudo, segundo levantamento do G1 publicado em 30 de abril, Amazonas, Ceará, Pernambuco e Rio de Janeiro, já passavam de 90% de leitos ocupados, se aproximando do colapso.

 O Conselho Nacional de Saúde (CNS) emitiu uma recomendação no dia 24 de abril, na qual orientava que, os gestores do SUS requisitam o uso de recursos assistenciais privados — como leitos de UTI — para garantir o atendimento durante a pandemia.

 Além disso, a necessidade de equipamentos e recursos adequados para atender as demais ocorrências de atendimento — uma reivindicação recorrente dos agentes de saúde — é agravado com o impacto causado pela Covid-19. O efeito é o aumento do potencial de propagação do coronavírus, uma vez que a população e os agentes de saúde não têm equipamentos de proteção individuais (EPIs) o suficiente. Ademais, a falta de testes gera uma subnotificação de casos e dificulta a identificação e o combate à pandemia, o que significa que os desafios aqui listados podem ser muito maiores do que o projetado (MACHADO; BARIFOUSE, 2020).

 Aprendemos muito com a Gripe Espanhola em 1919. De lá pra cá, criamos e aperfeiçoamos um sistema único de saúde capaz de oferecer uma resposta razoavelmente coordenada frente a ameaças como o COVID-19 em 2020. Contudo, o SUS factual está distante de garantir o direito universal à saúde com a devida qualidade, como propõe o seu artigo de nascimento. Assim como a gripe espanhola, o novo coronavírus sinaliza a urgência de uma reforma sanitária que passe pela democratização e valorização do SUS e seus profissionais de saúde.

 

Rio de Janeiro - RJ, 17 de março de 2021.


Como citar este documento:
MACEDO, Gustavo et al. Gripe Espanhola e Covid-19: Uma Análise Sobre o Sistema Público de Saúde Brasileiro. Observatório Militar da Praia Vermelha. São Paulo: ECEME. 2021.


Referência:

  1. AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR. Beneficiários de planos privados de saúde, por cobertura assistencial (Brasil – 2009-2019). In: Dados Gerais. [S. l.], 2020. Disponível em: https://www.ans.gov.br/perfil-do-setor/dados-gerais. Acesso em: 4 maio 2020.
  2. AMIB – Associação De Medicina Intensiva Brasileira. Censo UTIs Brasileiras. 2016. Disponível em: https://www.amib.com.br/censo/Analise_de_Dados_UTI_Final_Site_2.pdf. Acesso em 18 abr. 2020
  3. ANDRADE, Rodrigo de Oliveira. Senhora do Caos. FAPESP, 2018. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/2018/04/19/senhora-do-caos/. Acesso em: 15 de abr. de 2020.
  4. CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. RECOMENDAÇÃO Nº 026, DE 22 DE ABRIL DE 2020. Disponível em: http://www.susconecta.org.br/wp-content/uploads/2020/04/Reco026-Aos-gestores-Requisi%C3%A7%C3%A3o-de-leitos-privados-e-regula%C3%A7%C3%A3o-%C3%BAnica_Covid-19.pdf. Acesso em: 4 maio 2020.
  5. FIORAVANTI, Carlos. Semelhanças entre a gripe espanhola e a Covid-19. Fapesp, 26 mar. 2020. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/2020/03/26/semelhancas-entre-a-gripe-espanhola-e-a-covid-19/. Acesso em: 18 abr. 2020.
  6. G1. Casos de coronavírus e número de mortes no Brasil em 30 de abril. G1 Bem Estar, 30 abr. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/04/30/casos-de-coronavirus-e-numero-de-mortes-no-brasil-em-30-de-abril.ghtml. Acesso em: 4 maio 2020.
  7. LEÃO, Ana Letícia. Em meio à pandemia de coronavírus, Brasil precisaria de 3.200 novos leitos de UTI no SUS. O Globo Sociedade, 11 mar. 2020. Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/em-meio-pandemia-de-coronavirus-brasil-precisaria-de-3200-novos-leitos-de-uti-no-sus-24299306. Acesso em: 18 abr. 2020.
  8. MACHADO, Leandro; BARIFOUSE, Rafael. 'Estamos apavorados': o drama de médicos na linha de frente do atendimento ao coronavírus no Brasil. BBC News Brasil, São Paulo, 27 mar. 2020. Disponível em: https://referenciabibliografica.net/a/pt-br/ref/abnt. Acesso em: 19 abr. 2020.
  9. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Assessoria de Comunicação. Cronologia Histórica da Saúde Pública: Uma Visão Histórica da Saúde Brasileira. Funasa: Fundação Nacional de Saúde, 7 ago. 2017. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/cronologia-historica-da-saude-publica. Acesso em: 18 abr. 2020.
  10. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde do Brasil - CNES Nota:.CNES - RECURSOS FÍSICOS - HOSPITALAR - LEITOS COMPLEMENTARES - BRASIL. In: DATASUS. Quantidade SUS, Quantidade Não SUS segundo Leitos complementares. [S. l.], Jan 2020. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?cnes/cnv/leiutibr.def. Acesso em: 4 maio 2020.
  11. MINISTÉRIO DA SAÚDE. SUS: 27 anos transformando a história da saúde no Brasil. Blog da Saúde, 8 set. 2015. Disponível em: http://www.blog.saude.gov.br/35647-sus-27-anos-transformando-a-historia-da-saude-no-brasil. Acesso em: 18 abr. 2020.
  12. MOVIMENTO Sanitarista. FGV, n.d. Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos20/QuestaoSocial/MovimentoSanitarista. Acesso em: 15 de abr. de 2020.
  13. SANTOS, João Vitor. SUS: elemento central para enfrentar a pandemia de coronavírus. Entrevista especial com Reinaldo Guimarães. Instituto Humanitas Unisinos, 17 mar. 2020. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/597139-sus-elemento-central-para-enfrentar-a-pandemia-de-coronavirus-entrevista-especial-com-reinaldo-guimaraes. Acesso em: 19 abr. 2020.
  14. UFRGS. IFCH. Uma comparação entre a pandemia de Gripe Espanhola e a pandemia de Coronavírus: por Gabrielle Werenicz Alves. Coronacrise, 17 abr. 2020. Disponível em: https://www.ufrgs.br/ifch/index.php/br/uma-comparacao-entre-a-pandemia-de-gripe-espanhola-e-a-pandemia-de-coronavirus-por-gabrielle-werenicz-alves. Acesso em: 18 abr. 2020

 

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