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A população como fator chave para uma nação: o coronavírus e a desaceleração do setor produtivo chinês

Publicado: Terça, 10 de Março de 2020, 08h01 | Última atualização em Quinta, 06 de Janeiro de 2022, 13h52 | Acessos: 1147

Tássio Franchi, Dr1

 Alguns fatores embrionários da formação de um país são: a sua localização, constituição e forma do seu território; a presença de recursos naturais; e a população capaz de transformar as potencialidades do território em prol do Estado-Nação. Existe uma série de outros fatores mais complexos e pensamentos mais elaborados com bases na geopolítica, mas partindo destes pontos iniciais gostaríamos apenas de analisar sobre como o Coronavírus-nCoV afeta a população e a partir disto a produção de uma nação.

A Nasa trouxe a público uma série de imagens que mostram as emissões de dióxido de nitrogênio (NO2) pela China. O dióxido de nitrogênio é um gás obtido a partir da reação de óxido nítrico (NO) com oxigênio (O2) em diversas reações químicas, sendo a mais comum a queima de combustíveis fósseis em câmaras de combustão. Sejam motores de pequenos automóveis até termoelétricas de porte industrial. Sua presença em excesso na atmosfera é um indicativo de poluição uma vez que ele é um gás tóxico. Seu controle e redução de emissões é uma das preocupações de protocolos ambientais globais, sendo esta uma justificativa para o seu monitoramento. Sua presença pode indicar os níveis de atividades antrópicas de uma região. Atividades fabris e o deslocamento da população em seus diversos afazeres diários que demandem o uso de veículos à combustão.

mapaChinaFonte: NASA (2020). Airborne Nitrogen Dioxide Plummets Over China.

 Observando a imagem fornecida pela NASA nota-se uma brutal queda na emissão de NO2 na China. Uma queda na circulação de pessoas e da produção industrial. A crise causada pelo Coronavírus-nCoV é uma crise real da atividade econômica, pois afeta um fator imprescindível para a produção, o trabalhador. Seja sua saúde diretamente, daqueles que estão doentes ou tratando parentes convalescentes; seja sua mobilidade, devido aos toques de recolher e restrições de mobilidade impostas pelo estado Chinês. A desaceleração da produção chinesa devido a atual crise pode pontualmente apresentar oportunidades para países que já tem alguma capacidade produtiva instalada e que poderão suprir o mercado internacional. Entretanto, a China é um grande produtor de compostos e insumos para diversas empresas ao redor do mundo, que irão enfrentar o desabastecimento com a falta deste importante fornecedor. Setores como de eletrônicos e autopeças “Made in China” podem não ser tão rapidamente replicados em países que não possuem uma base industrial e nem capital humano capacitado.

O fato é que a indisponibilidade da população economicamente ativa (PEA) reduz a capacidade produtiva da nação. A China tem em sua população um dos ativos importantes para a sua economia. Com mais de um bilhão e quatrocentos milhões de habitantes o país tem tanto uma força produtiva (população economicamente ativa) quanto um mercado de consumo interno gigantesco se comparado a maioria dos países. A perda de alguns milhares de cidadãos é uma tragédia pessoal para diversas famílias, mas dificilmente afetará a PEA do estado Chinês. Entretanto, as restrições à circulação e aglomeração humana, como uma forma de prevenir que a doença se espalhe, afeta de forma direta a população.

Estas restrições a circulação e a produção podem afetar outros setores produtivos ligados à indústria alimentícia, e como consequência à saúde e segurança alimentar humana e animal, segundo Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, 2020b). A diminuição das exportações chinesas pode afetar a produção e indústria local, mas também prevenir um possível desabastecimento interno e preterir compras no exterior; ou a crise pode se agravar caso os estoques vivos sejam afetados também pelo Coronavírus-nCoV, a exemplo da gripe (H1N1) que já vem afetando os rebanhos suínos chineses desde 2019, e tem se alastrado para outros países asiáticos (FAO, 2020a). A China vai se abastecer mais no mercado internacional? Com certeza o país tem reservas suficientes para garantir o abastecimento interno com compras no exterior, se esse for um caminho. Isso será uma oportunidade para o setor agropecuário Brasileiro? Ainda é cedo para pensar como a crise vai afetar esse setor e como o governo chinês irá tratar o tema.

Tanto os aspectos econômicos ligados a indisponibilidade laboral da população economicamente ativa (PEA) nos grandes centros urbanos, quanto a segurança humana e alimentar apontam para o papel fundamental que a população tem para uma nação. Do ponto de vista da segurança nacional, entendida aqui no sentido mais amplo proposto por Buzan (1998), a atual epidemia pode ser entendida como uma ameaça transversal aos campos social e econômico. Prescindindo de ações estatais como as que temos observado em diversos países. O uso dos militares como parte deste processo pode ser observado desde o Brasil, um país distante do epicentro da epidemia e com poucos casos confirmados ainda; até a própria China onde estão sendo empregados de diversas formas, do controle e atenção à população até a construção de infraestruturas de apoio como hospitais de campanha. Isso demonstra uma capacidade de mobilização nacional que envolve o setor da Defesa.

Por traz do combate ao Coronavírus-nCoV o elemento a ser preservado pelo Estado é a população, motor da economia seja como mão de obra, seja como consumidores. A preservação deste ativo depende de vários fatores que vão desde políticas internas de longo prazo que garantam a segurança humana até o controle das fronteiras contra a disseminação da epidemia, que visam garantir segurança à curto prazo. Conseguir colaborar com as emergências globais deve andar em paralelo à garantia da segurança humana interna e o bem estar dos seus nacionais. Qualquer país que pretende ser um player global deve tratar sua população com extremo esmero.


1 Doutor em Desenvolvimento Sustentável; Professor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.


Referências:

Buzan, B., Wæver, O., Wæver, O., & De Wilde, J. (1998). Security: A new framework for analysis. Lynne Rienner Publishers.

FAO (2020a). ASF situation in Asia update. Disponível em: http://www.fao.org/ag/againfo/programmes/en/empres/ASF/situation_update.html

FAO(2020b). UN food agencies offer support to China amid coronavirus outbreak. Disponível em: http://www.fao.org/china/news/detail-events/en/c/1260127/

NASA (2020). Airborne Nitrogen Dioxide Plummets Over China. Disponível em: https://earthobservatory.nasa.gov/images/146362/airborne-nitrogen-dioxide-plummets-over-china

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