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O Brasil no processo de securitização ambiental da Amazônia – ações e evidências

Publicado: Segunda, 08 de Março de 2021, 12h00 | Última atualização em Quinta, 04 de Março de 2021, 14h27 | Acessos: 1515

Carlos Henrique Arantes de Moraes

Mestrando do PPGCM da ECEME

Germano Botelho Pereira

Mestrando do PPGCM da ECEME

Guilherme Ramon Garcia Marques

Doutorando do PPGCM da ECEME

Gustavo Daniel Coutinho Nascimento

Mestrando do PPGCM da ECEME

 

 Com extensão aproximada de 5,5 milhões de km², correspondentes a 40% de toda a área continental sulamericana e a 60% do território nacional brasileiro, a floresta amazônica sempre despertou profundo interesse por conta de suas inestimáveis riquezas naturais e sua importância mais que fundamental para o equilíbrio climático e ambiental de todo o planeta.

 Tal interesse cresce em meio ao debate político a partir de um processo de securitização ambiental mais fortemente observado a partir do fim da Guerra Fria – e portanto, em consonância com os pressupostos estabelecidos pela Escola de Copenhagen, para a qual a securitização de temas diversos abriria uma brecha para que estes não mais fossem tratados a partir da ótica exclusivamente estatal, representando, assim, riscos de interferência na soberania ou poder de um determinado Estado (BUZAN et al, 1998, p. 212). Este movimento de securitização, por sua vez, baseia-se em muito na estruturação de “discursos”, que determinariam e justificariam aquilo que emergiria como um potencial ameaça existencial, bem como o modo como ela poderia ou não ser defrontada (BARBOSA e SOUZA, 2010, p. 125).

 Do ponto de vista da sociedade brasileira, existe, por óbvio, o imperioso interesse em assegurar sua presença sobre a rica Amazônia, em frontal oposição a qualquer tipo de discurso que, tal como elucidado pela Escola de Copenhagen e sua teoria de securitização, possa ser materializar quaisquer riscos acerca de uma possível intervenção na região, com perda relativa de soberania.

 Foi o caso, por exemplo, do notório discurso proferido pelo então presidente francês François Miterrand, em 1989, no qual afirmou que “O Brasil precisa aceitar uma soberania relativa sobre a Amazônia” (BENATTI, 2007, p. 27). Tais discursos abririam um perigoso precedente para o surgimento de eventuais narrativas humanitárias de ingerência internacional, que por sua vez, esconderiam interesses de natureza política não explicitamente relacionados à agenda ambiental (FRANCHI, BURSZTYN e DRUMMOND, 2011; TILIO NETO, 2003; CERVO, 2002).

 Mais recentemente, pudemos observar o atual presidente da França, Emannuel Macron, em mensagem publicada em sua conta pessoal do Twitter, sugerir que as queimadas na floresta amazônica despontam como problema de caráter internacional, e exigindo que a questão ganhe o mais absoluto destaque nas discussões a serem realizadas no âmbito da 45.ª reunião de cúpula do G7, ainda em 2019 – sem, portanto, a presença do Brasil.

 De maneira a responder aos questionamentos externos acerca de sua capacidade de preservar a mais importante floresta tropical do planeta e reforçar sua imagem de comprometimento com a agenda ambiental, ao mesmo tempo em que sinaliza para o mundo sua intenção em manter intacta sua soberania na região, o Brasil acionou o decreto de Garantia da Lei e da Ordem, expressos nas operações Verde Brasil I e II. Nesse sentido, a resposta brasileira aponta também para uma securitização ambiental, no sentido mais amplo, pelo emprego das Forças Armadas.

 As operações Verde Brasil despontam como um conjunto de atividades desencadeadas pelo governo federal em ações subsidiárias na faixa de fronteira, nas terras indígenas, nas unidades federais de conservação ambiental e em outras áreas federais nos estados da Amazônia Legal, por meio de ações preventivas e repressivas contra delitos ambientais, direcionados ao desmatamento ilegal, e no combate a focos de incêndio.

 A primeira edição desse evento, determinada pelo Decreto nº 9.985 de 23 de agosto de 2019, se deu no período inicial entre 24 de agosto a 24 de setembro de 2019, recebendo posteriormente 30 dias de prorrogação, estendendo-se, assim, até final de outubro. Já a segunda edição, desencadeada por intermédio do Decreto nº 10.341, de 6 de maio de 2020, teve a previsão inicial de 30 dias aumentada para 60 (alteração dada pelo Decreto nº 10.394, de 10 de junho de 2020), iniciando-se, portanto, em 11 de maio e se estendendo até 10 de julho do corrente ano. Por sua vez, o Decreto nº 10.421, de 9 de julho de 2020, prorrogou o emprego das Forças Armadas até o dia 6 de novembro de 2020.

 Conforme disponível no sítio oficial do Ministério da Defesa, o balanço de 60 dias de operações, completos no dia 9 de julho do corrente ano, apontam os seguintes indicadores (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2020):

  • Efetivo envolvido nas ações é de 3,6 mil militares, 3.141 brigadistas, 260 agentes, 210 veículos, três navios, 30 embarcações e 12 aeronaves;
  • Realização de 13.287 inspeções, patrulhas navais e terrestres, além de vistorias realizadas pelos órgãos de proteção ambiental e de Segurança Pública;
  • 372 pontos de bloqueio e controle de estradas e rios;
  • 822 apoios logísticos e de segurança aos órgãos de Segurança Pública e proteção ambiental;
  • 420 escoltas, reconhecimentos e patrulhas terrestres;
  • 74 madeireiras fiscalizadas e mais de 27,9 mil metros cúbicos de madeira ilegal confiscados;
  • 14.452 litros de combustíveis, 36 balsas/dragas e acessórios de garimpo, 93 tratores, além de 372 kg de drogas apreendidos;
  • 1.207 atos de infração lavrados; e
  • R$ 407 milhões em multas por irregularidades.

 Complementarmente, outra forma possível de resposta brasileira ao discurso externo precisa vir, também, pela estruturação de um discurso estrategicamente pragmático que, por um lado, reafirme sua total preocupação e sintonia com a necessidade de preservação ambiental e, por outro, destaque os importantes avanços realizados pelo Brasil nesta esfera, ao longo das últimas décadas.

 Vale destacar que o tema referente a queimadas na Amazônia em 2019 ganhou especial destaque nos noticiários nacionais e internacionais justamente a partir do mês de agosto – mês em que a sazonalidade dos focos de incêndios na Amazônia Legal evidencia uma abrupta tendência natural e histórica de crescimento, culminando no ápice do mês de setembro.

 Cabe explorar, ainda, os importantes avanços feitos em termos de combate desses focos de incêndio na Amazônia Legal no decorrer dos últimos 15 anos, no qual se apreende uma redução substancial do número de queimadas a partir do ano de 2004, com total de 218.637 focos de incêndio, para um total de 89.176 em 2019 (INPE, 2020a). Se por um lado deve soar preocupante o fato de que o total de focos de incêndio na Amazônia em 2019 apresentou crescimento de 30% em relação ao ano anterior, deve-se observar que este número seguiu em linha com o padrão observado na década, sendo, inclusive, o segundo menor para os últimos cinco anos.

 Outro fator que valida o esforço brasileiro é o bemsucedido e acentuado declínio observado na taxa de desmatamento da Amazônia Legal desde que esta série histórica específica começou a ser mensurada – área desmatada de 27.772 km², em 2004, para um total de 9.762 km², em 2019. Essa tendência positiva, no entanto, encontra um ponto de reversão a partir de 2012 (4.571 km²), merecendo atenção por parte do governo no sentido de seguir promovendo o fortalecimento das importantes iniciativas fiscalizadoras e de coerção que tanto contribuíram para a substancial tendência de queda dos níveis de desmatamento observados ao longo de todo o período.

 Ademais, ao analisar a área da Amazônia Legal no nível dos nove estados que abarcam a região, verificase que as tendências e escalas de desmatamento são bastante distintas. Nesse sentido, é possível identificar que as maiores reversões nas tendências de queda de desmatamento aconteceram nos estados do Acre, Amazonas e Roraima. Paralelamente, a escala de desmatamento dos estados do Pará, Mato Grosso e Rondônia, apesar da sustentada tendência de declínio, juntamente ao estado do Amazonas, correspondem aos mais expressivos volumes totais de desmatamentos dentre todos os nove estados da região – demandando, assim, com urgência, ações diretas no sentido de promover ações fiscalizadoras e de coerção que resultem no aprofundamento das tendências de queda observadas no caso dos três primeiros, e na interrupção e posterior reversão da tendência de crescimento do desmatamento no caso deste último.

 À guisa de conclusão, esta análise procura apontar que o Brasil tem colhido resultados expressivos em termos de combate à crimes ambientais na Amazônia Legal ao longo dos anos – embora encontre dificuldades em divulgar isso de maneira efetiva (FRANCHI, 2020). Tais resultados devem integrar um discurso pragmático e estratégico que sinalize, de forma enfática, o total compromisso por parte do Estado brasileiro em seguir aprofundando suas ações ambientais, afastando-se frontalmente de qualquer narrativa que sugira a flexibilização ou a reversão desta importante missão.

 Vale reforçar que as exigências ambientais hoje são ainda mais prementes do que foram no passado, determinando, inclusive, a realização de investimentos por parte da iniciativa privada, com impactos substanciais sobre a qualidade do desenvolvimento econômico e social brasileiro.

 Nesse sentido, as operações Verde Brasil I e II emergem como sólidas demonstrações do aparato securitário endógeno à nação brasileira, por intermédio de emprego de tropas, nas ações repressivas contra delitos ambientais, desmatamento ilegal e no combate a focos de incêndio na região dos nove estados que compõem a Amazônia Legal.

 

Rio de Janeiro - RJ, 25 de fevereiro de 2021.


Como citar este documento:
MORAES, Carlos Henrique Arantes de; PEREIRA, Germano Botelho; MARQUES, Guilherme Ramon Garcia; NASCIMENTO, Gustavo Daniel Coutinho. O Brasil no processo de securitização ambiental da Amazônia – ações e evidências. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2021.


Referência:

  1. BARBOSA, Luciana Mendes; SOUZA, Matilde. Securitização das Mudanças Climáticas: O Papel da União Europeia. Revista Contexto Internacional. Rio de Janeiro, vol. 32, n. 1, pp. 121-153, 2010.
  2. BENATTI, J. H. Internacionalização da Amazônia e a questão ambiental: o direito das populações tradicionais e indígenas à terra. Revista Amazônia Legal de estudos socio-jurídico-ambientais, Cuiabá, v. 1, n. 1, p. 23-39, jan./jun. 2007.
  3. BRASIL. Secretaria Geral da Presidência da República. Decreto nº 9.985 de 23 de agosto de 2019. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019- 2022/2019/decreto/d9985.htm>. Acessado em: 05 jul. 2020.
  4. ___________________________________________ ___. Decreto nº 10.341, de 6 de maio de 2020. Disponível em: <http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-10.341-de-6-de-maio-de-2020-255615699>. Acessado em: 05 jul. 2020.
  5. ___________________________________________ ___. Decreto nº 10.394, de 10 de junho de 2020. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/decreto/D10394.htm>. Acessado em: 09 jul.2020.
  6. ___________________________________________ ___. Lei complementar nº 124, de 03 de janeiro de 2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LCP/Lcp124.htm>. Acessado em: 09 jul. 2020.
  7. BUZAN, Barry; WAEVER, Ole; WILDE, Jaap. Security: a new framework for analysis. Boulder: Lynne Rienner Publishers Inc, 1998.
  8. CERVO, A. L. Relações internacionais do Brasil: um balanço da era Cardoso. Rev. Bras. Polít. Int., Rio de Janeiro, v. 45, n. 1, p. 5-35, 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v45n1/a01v45n1.pdf>. Acesso em: 09 jul. 2020.
  9. FRANCHI, Tássio. A centralidade da Amazônia e das Mudanças Climáticas para o século XXI. Observatório Militar da Praia Vermelha. Rio de Janeiro: ECEME, 2020. Disponível em: <http://ompv.eceme.eb.mil.br/masterpage_assunto.php?id=171>. Acessado em: 13 jul. 2020.
  10. FRANCHI, Tássio; BURSZTYN, Marcel; DRUMMOND, José Augusto Leitão. A questão ambiental e o adensamento da presença do Exército Brasileiro na Amazônia Legal no final do século XX. Novos Cadernos NAEA. v. 14, n. 1, p. 21-41, jun. 2011.
  11. INPE. Monitoramento dos Focos Ativos por Bioma. 2020a. Disponível em: <http://queimadas.dgi.inpe.br/queimadas/portalstatic/estatisticas_estados/>. Acessado em: 11 jul. 2020.
  12. ____. Plataforma de dados geográficos. 2020b. Disponível em: <http://terrabrasilis.dpi.inpe.br/>. Acessado em: 11 jul. 2020.
  13. MINISTÉRIO DA DEFESA. Página eletrônica oficial. Forças Armadas asseguram proteção da Amazônia brasileira com presença ostensiva até o mês de novembro. Brasília: MD, 2020. Disponível em <https://www.gov.br/defesa/ptbr/assuntos/noticias/forcas-armadas-asseguramprotecao-da-amazonia-brasileira-com-presencaostensiva-ate-o-mes-de-novembro>. Acessado em: 13 jul. 2020.
  14. TILIO NETO, P. de. Soberania e ingerência na Amazônia Brasileira. 2003. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.

 

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