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A Arábia Saudita Venceu a “Guerra de Preços” do Petróleo?

Publicado: Terça, 23 de Junho de 2020, 08h01 | Última atualização em Quinta, 06 de Janeiro de 2022, 14h04 | Acessos: 2004

André Nunes
Doutorando do PPGCM da ECEME

Quando em março de 2020 a Arábia Saudita adotou medidas coercitivas após a Rússia se recusar a adotar cortes de produção de petróleo no âmbito da OPEP+, além dos já acordados em dezembro de 2019, para estancar a produção em face da queda da demanda global causada pelo impacto do novo coronavírus (COVID-19) na economia de muitos países consumidores, foi instaurada uma “guerra de preços” entre ambas as nações.

Nesse contexto, o conflito de interesses girou em torno da capacidade de sustentação de preços baixos e afetou outros países exportadores de petróleo, como os membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), bem como a produção de óleo de xisto dos Estados Unidos da América (EUA). O Brasil, em reunião por videoconferência de ministros da pasta de energia das vinte maiores economias do mundo (G-20), no dia 10 de abril, também se mostrou atingido pela queda de preços e reduziu cerca de 200 mil barris diários de sua produção interna. No mesmo mês de abril, no entanto, entre os dia 9 e 12, a OPEP+ - que envolve os membros da organização e outros grandes produtores como o México e a própria Rússia – firmou um acordo de cotas de produção no qual Moscou aceitou cumprir os termos ali definidos (NUNES, 2020).

O fato de a Rússia, de certo modo, ceder à pressão saudita que no período da disputa ofereceu descontos para mercados da Europa, da Ásia e da América do Norte e aumentou sua produção interna, permite que se levante o seguinte questionamento: a Arábia Saudita venceu a “guerra de preços” do Petróleo?

Em publicação da Foreign Policy no início de maio, Bordoff (2020) afirmou que a Arábia Saudita emergirá da crise econômica causada pelo COVID-19 mais forte geopolítica e economicamente. Ele também destacou alguns pontos que em sua visão concede aos sauditas a vitória no embate. Dentre os quais, na esfera da geopolítica, o país ser compreendido por países exportadores e consumidores como uma liderança para mediar os esforços combinados da OPEP+ e de outros produtores no cumprimento das cotas estabelecidas no acordo de abril, para alcançá-lo e levá-lo adiante; por sair do confronto com os russos como menos dependente do país euroasiático para conduzir estratégias para o mercado global do que o contrário; e por amenizar sua relação com Washington após pressão da administração do presidente Donald Trump e do legislativo americano pelo fato de a superprodução saudita em março ter infligido perdas no setor petrolífero dos EUA.

Além do que foi apontado por Bordoff, no campo geopolítico é possível afirmar que os sauditas, diante de sua capacidade ímpar de acelerar e reduzir sua produção interna para fins de política externa, provaram que ainda podem lançar mão do petróleo como instrumento de poder nacional por meio de embargos ou, nesse caso, com superprodução para punir outros produtores que não cooperarem com cotas de produção. Todavia, é importante deixar claro que esse tipo de estratégia também causa danos para sua própria economia, que em larga medida depende da exportação de petróleo, isto é, precisa que os mercados estejam disponíveis para comprar sua produção, para levantar receitas. Nesse sentido, segundo o Annual Statistical Bulletin 20191 da OPEP, em 2018 o setor de petróleo e gás foi responsável por cerca de 50% do Produto Interno Bruto (PIB) e por aproximadamente 70% do total de receitas de exportação da Arábia Saudita.

Diferente do campo geopolítico, na economia a Arábia Saudita passou a enfrentar alguns desafios como o downgrade do rating de dívida soberana alterado pela agência de risco Moody´s no dia 1 de maio, mesmo dia que começou a valer o acordo histórico da OPEP+ com o objetivo de retirar do mercado 9,7 milhões de barris por dia (mbpd) até o dia 30 de junho. Outros aspectos, como por exemplo os limites máximos e mínimos de longo prazo de títulos e depósitos bancários em moeda estrangeira do país, não foram alterados. A Moody´s justificou sua decisão da seguinte forma:

A perspectiva negativa reflete o aumento dos riscos de queda da força fiscal da Arábia Saudita, decorrentes do forte choque à demanda e preços globais de petróleo desencadeado pela pandemia de coronavírus e da incerteza sobre o grau em que o governo poderá compensar suas perdas de receita de petróleo e estabilizar sua carga de dívida e ativos no médio prazo (RATING..., 2020).

No dia 2 de maio, em entrevista ao portal al-Arabiya, o ministro das finanças local, Mohammed al-Jadaan, afirmou que alguns projetos estratégicos do país, relacionados com o Saudi Vision 2030 e com a cidade futurística Neon serão temporariamente interrompidos e terão despesas recalculadas. O ministro também comentou que a crise do COVID-19 e o baixo valor de comercialização do barril de petróleo – incrementados pela estratégia punitiva de Riad – contribuíram para o aumento da dívida pública que atingiu o nível mais baixo desde 2011 e que segunda al-Jadaan tem sido financiada pelo retorno de empréstimos internacionais concedidos por seu país.

Para Bordoff, além de a capacidade de conceder empréstimos ser um trunfo, os sauditas emergirão mais fortes economicamente no futuro pós pandemia de COVID-19 porque:

(...) a Arábia Saudita acabará com receitas de petróleo mais altas e uma fatia maior do mercado de petróleo quando o mercado se estabilizar, graças aos cortes de produção e paralisações forçadas pelo colapso econômico global. (...) Embora as perspectivas para a demanda futura de petróleo sejam altamente incertas, uma vez que você olha além da crise imediata, é provável que a demanda cresça mais rápido que a oferta (BORDOFF, 2020).

Duas das justificativas que o autor usou para sua afirmação foi a provável lenta recuperação da produção de óleo de xisto dos EUA e o retorno das atividades econômicas em grandes mercados consumidores de petróleo, como o chinês. Porém, em abril, antes dos cortes de produção o país havia perdido espaço no mercado chinês em volume de exportações para a Rússia e Iraque (SAUDI ARAMCO, 2020).

No entanto, é possível que a retomada econômica chinesa, caso não haja uma segunda onda da pandemia, seja benéfica para os sauditas. Vale ressaltar que a estatal Saudi Aramco divulgou uma queda de aproximadamente 25% de lucro líquido no primeiro trimestre de 2020 comparado ao mesmo período de 2019, ou seja, 62,478 riyals até 31 de março de 2020 contra 83,286 riyals (SAUDI ARAMCO, 2020). A divulgação da companhia foi publicada um dia após o anúncio de que o país cortaria 1 mbpd voluntariamente no mês de junho. Os Emirados Árabes Unidos e o Kuwait também anunciaram cortes voluntários. Ainda em junho, no dia 6, após reunião extraordinária da OPEP+, os participantes decidiram estender o corte de 9,7 mbpd, previstos para serem flexibilizados depois do dia 30 de junho, até o final de julho (ORGANIZATION OF THE PETROLEUM EXPORTING COUNTRIES, 2020).

Portanto, respondendo o questionamento se os sauditas saíram da “guerra de preços” como vencedores, uma resposta mais coerente com os fatos seria: a Arábia Saudita foi parcialmente vencedora. Isto porque mesmo que Riad, através de suas medidas punitivas, tenha levado Moscou, a OPEP+ e, de certa forma até mesmo o G20, à mesa de negociações, se as perdas econômicas calculadas antes da tomada de decisão para aplicá-las fugir do controle por conta das incertezas econômicas referentes ao COVID-19 se acentuarem, os efeitos contrários na economia interna do Reino podem mitigar os ganhos no âmbito da geopolítica do petróleo.

Rio de Janeiro - RJ, 19 de junho de 2020.


1 A edição de 2019 é mais recente publicada pela organização.

Como Citar este documento:

NUNES, André. A Arábia Saudita Venceu a “Guerra de Preços” do Petróleo? Observatório Militar da Praia Vermelha. Rio de Janeiro: ECEME. 2020.


Referências:

BORDOFF, Jason. The 2020 Oil Crash’s Unlikely Winner: Saudi Arabia. Foreign Policy, May 5, 2020. Disponível em: https://foreignpolicy.com/2020/05/05/2020-oil-crash-winner-saudi-arabia/#:~:text=Saudi%20Arabia%20Is%20the%20Winner%20of%20the%202020%20Oil%20Crash&text=Your%20FP%20Insider%20Access%3A,Conference%20Calls Acesso em: 30 de maio de 2020.

FULL transcript of Al Arabiya’s interview with Saudi Arabia’s Finance Minister. Al Arabiya, may 2, 2020. Disponível em: Acesso em: https://english.alarabiya.net/en/coronavirus/2020/05/02/Full-transcript-of-Al-Arabiya-s-interview-with-Saudi-Arabia-s-Finance-Minister

NUNES, André. O Novo Acordo de Cotas da OPEP+. Observatório Militar da Praia Vermelha. Rio de Janeiro: ECEME. 2020. Disponível em: http://ompv.eceme.eb.mil.br/masterpage_assunto.php?id=221 Acesso em: 1 de junho de 2020.

ORGANIZATION OF THE PETROLEUM EXPORTING COUNTRIES. OPEC 179th Meeting of the Conference concludes. Disponível em: https://www.opec.org/opec_web/en/press_room/5963.htm Acesso em: 8 de junho de 2020.

ORGANIZATION OF THE PETROLEUM EXPORTING COUNTRIES. Saudi Arabia Facts and Figures. Disponível em: https://www.opec.org/opec_web/en/about_us/169.htm Acesso em: 20 de maio de 2020.

RATING Action: Moody's changes the outlook on Saudi Arabia's rating to negative, affirms A1 rating. Moody’s Investors Service, Paris, May 01, 2020. Disponível em: https://www.moodys.com/research/Moodys-changes-the-outlook-on-Saudi-Arabias-rating-to-negative--PR_423521#:~:text=Paris%2C%20May%2001%2C%202020%20%2D%2D,A1%20senior%20unsecured%20MTN%20rating. Acesso em: 1 de junho de 2020.

SAUDI ARAMCO. Saudi Arabian Oil Company First quarter interim report For the period ended March 31, 2020. Dhahran, May 12, 2020. Disponível em: https://www.saudiaramco.com/-/media/publications/corporate-reports/saudi-aramco-q1-2020-interim-report-en.pdf?la=en&hash=AD8632BFB24295D3B3F8E7650E68AD51DE6B18A9 Acesso em: 2 de junho de 2020.

SAUDI Loss of China Oil Market Share Likely Brief, Say Analysts. Bloomberg, May 15, 2020. Disponível em: https://www.bloomberg.com/news/articles/2020-05-15/saudi-loss-of-china-oil-market-share-likely-brief-say-analysts Acesso em: 28 de maio de 2020.


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