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A comunicação estratégica russa e os exercícios Zapad

Publicado: Terça, 16 de Agosto de 2022, 07h01 | Última atualização em Quinta, 18 de Agosto de 2022, 14h05 | Acessos: 699

 

Marco Túlio Delgobbo Freitas

Doutorando em Ciências Militares na ECEME

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1. Introdução

Este artigo procura destacar a importância da comunicação estratégica na geopolítica praticada pela Rússia. Para tanto, verifica-se como a comunicação estratégica foi empregada em duas operações militares realizadas pela Rússia neste século: os exercícios Zapad. Dessa feita, é importante frisar que a análise em tela não está pautada pelos recentes desdobramentos políticos oriundos da invasão russa na Ucrânia em 2022, mas tão somente, nos dois exercícios militares russos envolvendo questões atinentes na parte que engloba a região norte e ocidental da fronteira russa.

Historicamente, o lado ocidental do vasto território da Rússia sempre deixou Moscou preocupada com a aproximação e com a influência ocidental. Não pelo acaso, os russos sempre envidaram esforços no sentido de proteger o flanco norte e ocidental diante do avanço da OTAN. Comunicação estratégica, atuação diplomática nos arranjos institucionais locais, presença militar na região e os exercícios militares são apenas alguns exemplos das inúmeras iniciativas realizadas por Moscou.

2. A comunicação estratégica russa

A comunicação estratégica pode ser definida como sendo as ações efetuadas nas mídias tradicionais e nas mídias sociais, que buscam influenciar o ciclo decisório (NUNES, 2022). No caso em tela, este artigo procura examinar a comunicação estratégica que foi empregada pela Rússia para influenciar o processo decisório da Suécia e da Finlândia. Segundo Blakkisrud (2018), este recurso foi utilizado pelos decisores russos com a finalidade de deixar claro as consequências de ambos os países em alinhar-se à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Como exemplo, registra-se a atuação do governo russo nas mídias sociais e tradicionais, cujo foco era degradar as autoridades suecas, afirmando que elas tomam suas decisões após utilizar drogas festivas (DAMKJAER, 2014).

Para tentar diminuir a presença ocidental nesta região, que é vista pelo Kremlin como prioritária, a Rússia atua em instituições como o CBSS (Council Baltic Sea States), BEAC (The Barents Euro-Artic Council), Artic Council e a Northern Dimension, instâncias em que a Rússia busca assegurar medidas de cooperação e intenções junto aos seus vizinhos. Nesse caso, os russos correlacionam a comunicação estratégica com a sua política externa, uma vez que a mesma é utilizada como política pública institucional para tentar prover uma visão alternativa à narrativa ocidental.

3. Os exercícios Zapad como meios para a comunicação estratégica russa

Os exercícios Zapad, dentre as diversas funcionalidades existentes, possibilitam os russos avaliarem as capacidades militares necessárias para serem empregadas no entorno estratégico alinhado à OTAN (prioritariamente a Suécia e a Finlândia). Em suma, caso haja uma intercorrência no flanco oeste russo, há um relatório contendo quais e quantas forças serão necessárias para fazer frente a essa ameaça. Embora tenha um caráter defensivo, não se pode afastar a possibilidade do exercício Zapad em se tornar ofensivo, uma vez que reúne capacidades militares terrestres, navais e aéreas.

Durante o exercício Zapad 2013, inicialmente os finlandeses concluíram que o exercício definia o terrorismo como sendo a principal ameaça à Rússia. Posteriormente, os finlandeses constataram que haviam se equivocado e que, na verdade, o exercício Zapad 2013 era voltado para um inimigo convencional. Este hipotético inimigo seria apoiado pela OTAN e realizaria uma ofensiva em direção a Bielorrussia e Kaliningrado. Ao final do exercício, os finlandeses descobriram que a Finlândia estava sendo considerada como um exército invasor (BLANK, 2013).

Anos depois, por ocasião do exercício Zapad 2017, um item chamou a atenção de todos e por consequência, suscitou polêmica e calorosos debates: a possibilidade do exercício Zapad 17 servir como uma cortina de fumaça para os russos deixarem suas tropas estacionadas em locais previamente selecionados, tal qual aconteceu no exercício Zapad 13, momento em que os russos desdobraram suas tropas e acabaram por anexar a região da Crimeia em 2014. Ou seja, para alguns autores, o exercício Zapad é um "termômetro" para indicar o próximo alvo da Rússia, fato que foi explorado por um jornal alemão, que por sua vez, alegou que o exercício Zapad 17 tinha como objetivo obscuro invadir algum país localizado no norte europeu (RÖPCKE, 2017).

Entretanto, o que aconteceu não foi isso. Segundo alguns relatórios, o exercício Zapad 17 deu ênfase na idéia de anti-acesso e na negação de área (A2/AD), a fim de evitar que seus adversários pudessem chegar na área de conflito. Além disso, o exercício Zapad 17 também serviu para realizar testes em relação a sua capacidade aérea na tentativa de defender-se de ataques aéreos e de mísseis, no norte da Rússia (TEIXEIRA JUNIOR, 2021). O exercício Zapad 17 também revelou uma profunda preocupação russa em operar suas forças num ambiente de comunicação restrito. Em outras palavras, a Rússia, propositalmente, bloqueou os sistemas de navegação e de comunicação russos na fase da geração do poder de combate no exercício e no desdobramento de suas tropas.

Pela breve análise do exercício Zapad 13 e do exercício Zapad 17, resta claro que ambos contribuíram para aumentar a capacidade militar russa, notadamente a capacidade missilística, haja vista que possibilitaram a inserção de mísseis de curto alcance Isklander perto das fronteiras norueguesas e finlandesas, manobra que sinaliza o desânimo russo em relação a Noruega e a Finlândia. Todavia, não se pode inferir que os exercícios trazem algo obscuro, conforme por alguns meios da imprensa alemã na década passada.

4. Considerações Finais

Por fim, pela lente da comunicação estratégica a missão principal dos exercícios Zapad era a de prevenir ou mitigar as ameaças potenciais ou existentes na fronteira norte e na fronteira oeste russa. Como os russos consideram o avanço da OTAN uma ameaça, pode-se inferir que a comunicação estratégica russa, precipuamente a que foi praticada no contexto dos exercícios Zapad, não conseguiu cumprir a principal missão para a qual estava destinada, uma vez que não conseguiu impedir a entrada da Suécia e da Finlândia na OTAN, fato que leva o Kremlin a repensar sobre a influência ocidental em seu entorno fronteiriço mais ao Norte, quando começará ter a presença da OTAN próximo de uma fronteira, que outrora era pacífica.

  

Referências Bibliográficas: 

  1. BLANK, Stephen. What Do the Zapad 2013 Exercises Reveal? (Part Two). Eurasia Daily Monitor, Vol. 10, nº 180, 2013. Disponível em: https://jamestown.org/program/what-do-the-zapad-2013-exercises-reveal-par t-two/. Acesso em: 08 de julho de 2022.

  2. BLAKKISRUD, Helge. Introduction: Can Cooperative Arctic Policies Survive the Current Crisis in Russian-Western Relations? Arctic Review on Law and Politics, Vol. 9, p. 377-381, 2018. Disponível em: https://arcticreview.no/index.php/arctic/article/view/1525/2 946. Acesso em: 10 de julho de 2022.

  3. DAMKJÆR, Ole. Ambassadør: »Lad være med at provokere den russiske bjørn«. Berlingske, 2014. Disponível em: https://www.berlingske.dk/internationalt/ambassadoer-lad-vaere-med-at-prov okere-den-russiske-bjoern. Acesso em: 22 de junho de 2022.

  4. NORBERG, Johan. Training for War - What Military Exercises 2009-2017 Say About the Fighting Power of Russia’s Armed Forces FOI-R--4627—SE, 2018. Disponível em: https://www.swissint.ch/?p=1302. Acesso em: 10 de junho de 2022.

  5. NUNES, Richard Fernandez. O Mundo em Acrônimos e a Comunicação Estratégica do Exército. EBlog, 2022. Disponível em: http://eblog.eb.mil.br/index.php/menu-easyblog/o-mu ndo-em-acronimos-e-a-comunicacao-estrategica-do-exercito.html#sdendnote1sym. Acesso em: 10 de julho de 2022.

  6. RÖPCKE, Julian. Putin's Zapad 2017 simulated a war against NATO. Bild, 19 de dezembro de 2017. Disponível em: http://www.bild.de/politik/ausland/bild-international/zapa d-2017-english-54233658.bild.html. Acesso em: 21 de junho de 2022.

  7. TEIXEIRA JUNIOR, Augusto W. M.. Estratégias comparadas de antiacesso e negação de área: Rússia, China e Irã. Revista Análise Estratégica, Vol. 20, nº 2, 2021. Disponível em: http://www.ebrevistas.eb.mil.br/CEEExAE/article/view/8027. Acesso em: 18 de junho de 2022.

 

Rio de Janeiro - RJ, 16 de agosto de 2022.


Como citar este documento:
Freitas, Marco Túlio Delgobbo. A comunicação estratégica russa e os exercícios Zapad. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2022.  

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