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Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação na Evolução da Defesa e Segurança Internacional

Publicado: Sexta, 14 de Outubro de 2022, 04h01 | Última atualização em Sexta, 14 de Outubro de 2022, 09h33 | Acessos: 478

 

Major Gustavo Reolon
Major do Exército Brasileiro e aluno do Curso de Comando e Estado-Maior do Exército

Major Joel de Oliveira Arruda
Major do Exército Brasileiro e aluno do Curso de Comando e Estado-Maior do Exército

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1. Introdução

A história humana é marcada por conflitos com diversas origens e pelos mais variados motivos. Com a dispersão do homem pelo globo terrestre e a consequente formação de civilizações, tais atritos assumiram características mais abrangentes. As revoluções tecnológicas, por sua vez, encontram-se intrinsecamente interligadas nesse processo, uma vez que foram fundamentais para que alguns grupos conquistassem o poder. Tal relação foi chamada por Harrari, em seu best seller Sapiens, de “casamento entre a ciência e o império” (HARRARI, 2020).

Em vista dessa realidade, este artigo tem por objetivo destacar a importância da pesquisa, tecnologia e inovação na segurança e defesa de um país. Para tanto, este artigo revisita a história, pontuando determinados episódios onde a tecnologia foi determinante, da mesma forma que apresenta um panorama acerca dos principais desafios existentes quanto à tecnologia e desenvolvimento. 

2. Evolução Histórica

Desde a pré-história, as civilizações travaram conflitos para aumentar os seus domínios, expandindo suas fronteiras na busca de caça, na conquista de terras férteis, na obtenção de água e outros. Nessa busca, pode-se dizer que as inovações tecnológicas, efetivamente, determinaram quais povos sairiam vitoriosos em tais choques. Por exemplo, as inovações na produção agrícola, impulsionadas pelo uso de ferramentas de metal, permitiram formar maiores estoques de alimentos, condição que supria exércitos maiores por mais tempo.

Harrari (2020) cita civilizações antigas em vários continentes, como as milenares dinastias chinesas, as civilizações do Egito e da Mesopotâmia, ou mesmo os Incas, os Maias e os Astecas nas Américas, que se expandiram a ponto de formarem impérios. Em suma, todos esses povos valeram-se de inovações tecnológicas que permitiram o desenvolvimento de capacidades logísticas e bélicas superiores às de seus vizinhos contemporâneos.

Nos séculos XIII e XIV, o império Mongol comprovou que as capacidades de combate superiores, conjugadas com as inovações tecnológicas, eram suficientes para formar o território contínuo mais extenso de que se teve notícia até hoje. No caso em questão, as principais inovações foram os estribos e os arcos compactos e potentes, os quais permitiram desenvolver as capacidades equestres superiores às de outros povos das estepes asiáticas. Tais capacidades incorporadas aos exércitos de Gengis Khan, garantiram aos mongóis vantagens militares suficientes para expandir o seu domínio do Leste Europeu ao Extremo Oriente, suplantando civilizações milenares, socialmente mais avançadas, como os povos chineses do Leste.

A civilização ocidental também evoluiu em meio a conflitos. No século V a.C, nas guerras do Peloponeso narradas por Tucídides, as Cidades-Estado que contavam com técnicas inovadoras e armamento mais eficiente, lograram êxito nos conflitos da península grega. Também no século V a.C., as capacidades militares superiores permitiram que o pequeno reino da Macedônia sobrepujasse o império Persa e conquistasse territórios até a Ásia, formando o Império de Alexandre “O Grande”. Outro exemplo é o de império de Roma, que chegou a dominar todo o entorno do Mar Mediterrâneo, possuindo terras até as ilhas Britânicas. Foi a capital do mais célebre império do mundo antigo, suplantando tanto povos europeus, com organizações sociais menos avançadas, quanto civilizações milenares, como a egípcia. A história relata suas inovações logísticas e a capacidade de mobilização para um extenso exército, dotado do armamento mais eficiente à época, procedimento que foi fator determinante para o seu sucesso, que perdurou até o século V d.C.

Na era moderna, as grandes navegações permitiram que vários reinos europeus se lançassem numa expansão ultramarina, que acabou moldando a divisão política do globo. Inovações na construção de embarcações e nas técnicas de navegação, como a utilização da bússola e astrolábio, permitiram aos antigos navegadores vencerem distâncias até então intransponíveis. Após Bartolomeu Dias ultrapassar o cabo das Tormentas, em 1488, não tardou para o próprio oceano Atlântico ser vencido, fato que foi materializado pela chegada dos europeus no continente americano, com o estabelecimento de colônias e de novas rotas comerciais. A mentalidade de conquista dos reinos europeus, somada à incontestável superioridade bélica, permitiu que poucas centenas de espanhóis, custeados pelas companhias de comércio, destruíssem facilmente os impérios Asteca e Inca, no século XVI, estabelecendo domínios coloniais na América e na Ásia (Filipinas). Não fosse pela discrepante superioridade tecnológica, o pequeno reino de Portugal dificilmente conseguiria estabelecer colônias em terras tão distantes, quanto a América do Sul, África e Ásia (HARRARI, 2020).

A superioridade bélica das nações europeias também possibilitou a ascensão da Inglaterra como superpotência mundial entre os séculos XVIII e XIX, impulsionada pelo pioneirismo na Revolução Industrial. A evolução técnica conferida pelo aperfeiçoamento mecânico permitiu a expansão do império Britânico ao redor do mundo, da mesma forma que reduziu à condição de colônia, importantes civilizações avançadas, como China e Índia. Em suma, a expansão marítima europeia decorreu da convicção de que o globo terrestre poderia ser circunavegado. Dessa forma, foram os avanços científicos a gênese das rotas marítimas distantes.

No século XX, houve um desenvolvimento exponencial da tecnologia bélica, com a eclosão das duas guerras mundiais e a profunda alteração da geopolítica global. Nesse sentido, o uso de carros blindados e aviões, apresentados na Primeira Guerra Mundial, assumiram um papel preponderante duas décadas depois, na Segunda Guerra Mundial. O uso disruptivo destes meios pela Alemanha (Blitzkrieg) culminou em retumbante sucesso inicial, sendo suplantado, apenas, com a entrada dos EUA no conflito, devido ao seu enorme potencial industrial e científico-tecnológico. Esta superioridade pôs fim ao conflito, por meio da mais letal tecnologia militar surgida na Idade Contemporânea: as bombas nucleares, que foram lançadas sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagazaki, em 1945.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a consequente formação dos blocos capitalista e socialista, se instaurou uma corrida armamentista ao redor do globo, da qual desdobraram-se novas tecnologias em todos os ramos da ciência, incluindo armas de destruição em massa ainda mais potentes, resultando no conceito da tríade nuclear, que representa o lançamento de tais artefatos por plataformas terrestres, aéreas e navais. O conflito, conhecido como Guerra Fria, em que pese ter mantido o mundo sob constante tensão até o seu ocaso em 1991, com a derrocada da ex-União Soviética, não evoluiu para uma guerra de fato, justamente pelo equilíbrio tecnológico mantido entre ambos os contendores. De todo modo, cumpre mencionar que a Guerra Fria transportou a disputa entre nações para campos inimagináveis, como a exploração espacial e a dimensão cibernética. O mundo atual confirma a experiência histórica de levar a guerra para novos domínios conquistados, com a criação de forças espaciais e cibernéticas por diversas nações.

Diante do exposto, conclui-se parcialmente que a superioridade científico-tecnológica tem sido determinante para a segurança e defesa das nações ao longo da história, legando papéis de domínio aos povos tecnologicamente avançados e funções secundárias às nações dependentes. As inovações tecnológicas afetam todas as expressões do poder, incluindo a socioeconômica, política e militar.

3. P&D e a Segurança & Defesa Internacional na atualidade

Ao longo da história, a pesquisa científica favoreceu o desenvolvimento das nações, influenciando, diretamente, na expressão militar do poder. De acordo com Kissinger (2015), a interação entre os povos sempre resultou em vantagens para os tecnologicamente mais avançados. Tal característica moldou a ordem mundial corrente.

A ordem mundial em vigor, economicamente globalizada, de comunicação instantânea e fluxos logísticos interdependentes, não apaziguou as hostilidades. Na realidade, os embates se dão em todos os campos do poder com uma intensidade inédita. Isso ocorre porque o controle econômico depende da tecnologia da informação, tornando as economias suscetíveis a ataques cibernéticos, que podem gerar efeitos comparáveis a ataques cinéticos. Citam-se os ciber ataques sofridos pela Estônia, em 2007, e pela Ucrânia, em 2015, minando os sistemas bancários e indústrias vitais de ambos os países.

Na expressão psicossocial, elementos não-estatais passaram a deter capacidades importantes, podendo lançar ataques partindo de computadores comuns conectados à internet, contra empresas, Estados ou infraestruturas essenciais, demandando meios adequados de proteção cibernética. Tais riscos são potencializados quando combinados com inteligência artificial e computação quântica. A defesa cibernética contra estas inovações só é possível com meios igualmente avançados, tornando vulneráveis os sistemas de quaisquer instituições que não se mantenham atualizadas. Sistemas financeiros, comunicações ou sistemas de armas podem ser comprometidos por inimigos de localização e intenções indefinidas.

O conflito de Nagorno-Karabakh demonstrou o uso disruptivo de aeronaves remotamente pilotadas em bombardeios estratégicos, remontando à teoria do Poder Aéreo (DOUHET, 1920). Percebe-se um aumento na tendência ao uso de vetores não tripulados no campo de batalha, desenvolvidos por empresas, cujos vínculos se restringem às vantagens comerciais. Cogitam-se enxames de drones controlados por inteligência artificial conjugados com vetores terrestres para preencher campo de batalha em mosaico, enquanto dispositivos autônomos dotados de reconhecimento facial têm condições de identificar e neutralizar alvos de alto valor. Países como Israel, EUA e China admitem avanços neste campo, ensejando cenários de guerra crescentemente automatizados.

A pesquisa e o desenvolvimento também assumem importância preponderante nos demais campos do poder. Fato demonstrado na pandemia de covid-19, quando o desenvolvimento de novos fármacos foi abruptamente demandado, concomitantemente com a desaceleração dos fluxos logísticos, dada a emergência sanitária, expondo a fragilidade mundial neste setor, em virtude da dependência em relação a pouco países produtores, como China e Índia.

A segurança alimentar está diretamente ligada ao desenvolvimento tecnológico. O aumento do consumo de alimentos exige taxas de produtividade cada vez maiores, somente alcançadas com modernas técnicas, baseadas na pesquisa biológica e mecanização, aspectos em que o Brasil se destaca no mundo. A escassez de alimentos tem sido um importante e histórico desestabilizador, e promove conflitos até os dias de hoje.

A exploração conjunta de tecnologias atinge o seu ápice no campo de batalha, onde a combinação de vetores tecnológicos com meios consagrados, como forças blindadas, caracteriza o chamado conflito no multidomínio. A capacidade de operar, controlar e coordenar tais meios é apontada como fator determinante para a garantia da soberania e dissuasão internacional, sendo indispensável para segurança e defesa internacionais.

Desse modo, infere-se parcialmente que o investimento em P&D é vital para a segurança das nações, com destaque para a expressão militar, envolta em cerceamento tecnológico e outros interesses. As nações que não forem capazes de acompanhar o desenvolvimento tecnológico dos países ou elementos não-estatais de vanguarda negligenciarão a defesa de sua soberania e interesses internacionais.

4. Conclusão

Verifica-se que o conflito entre grupos humanos data de tempos ancestrais, evoluindo na esteira das inovações tecnológicas. As disputas por territórios, recursos naturais ou influência se modificaram, culminando na guerra total, de Clausewitz. A guerra no multidomínio, extrapola, por sua vez, a ação das forças militares, atingindo os campos cibernético e espacial.

As guerras de Nagorno-Karabakh e da Ucrânia demonstram o uso disruptivo da tecnologia no campo militar. Observação satelital, sistemas remotamente pilotados, mísseis hipersônicos e anti-navio vêm desequilibrando o combate em favor de seus possuidores. Paralelamente, ataques cibernéticos afetam a dinâmica econômica de oponentes, contribuindo para minar a vontade de lutar da população. Desse modo, o campo de batalha extrapolou a dimensão geográfica dos embates cinéticos, envolvendo as nações em sua plenitude.

Com as ameaças assimétricas ocorre o mesmo. Grupos armados com meios modernos (incluindo computadores comuns) representam ameaças ao funcionamento de sistemas vitais de países e alianças, podendo desestabilizar governos e interferir nas expressões política, psicossocial e econômica do poder.

A manutenção da segurança alimentar, da logística e da saúde frente a riscos não-estatais, como verificado na pandemia de covid-19, também se ligam intrinsecamente às modernas ferramentas tecnológicas e de pesquisa, que garantem a produção de fármacos e alimentos, bem como o funcionamento dos fluxos logísticos. A dependência de tais meios pode, desse modo, levar à desestabilização de governos ou do próprio Estado.

Conclui-se, portanto, que a defesa contra as novas ameaças, simétricas ou não, presentes no cenário mundial, só será eficiente se composta por meios igualmente tecnológicos, e que perpassem o multidomínio no qual se dão os conflitos modernos. Isto posto, a incapacidade para desenvolver e operar tais meios compromete a soberania dos países, reduzindo-os à condição de dependência em relação a nações ou elementos não-estatais mais desenvolvidos.  

 

 Referências Bibliográficas: 

  1. CANALTECH. Mini cérebros: Conheça os chips híbridos formados por neurônios humanos. Disponível em: https://canaltech.com.br/inteligencia-artificial/minicerebros-conheca-os-chips-hibrid os-formados-por-neuronios-humanos-163156. Acesso: 15 julho de 2022.

  2. CLAUSEWITZ, Carl Von. Da Guerra. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

  3. DOUHET, G. El dominio del aire. Ensayo sobre el arte de la guerra aérea. Buenos Aires: Biblioteca del Oficial de Marina, 1930.

  4. HARARI, Yuval Noah. Sapiens: Uma Breve História da Humanidade. 51ª ed. Porto Alegre: L & PM Editores, 2020.

  5. HICKERT, Luciano. O atual conflito de Nagorno - Karabakh e os ensinamentos para a Doutrina Militar Brasileira. Observatório Militar da Praia Vermelha. Rio de Janeiro: ECEME, 2020.

  6. HOJE NO MUNDO MILITAR. A Guerra na Ucrânia. 2022. Disponível em: https://www.youtu be.com/watch?v=8GKgByYkxS8. Acesso em: 24 junho. 2022.

  7. HUNTINGTON, Samuel P. O Choque de Civilizações e a Recomposição da Ordem Mundial. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1998.

  8. KISSINGER, Henry. Ordem Mundial. 1. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015.

  9. KOTKI, Stephen. The Cold War Never Ended: Ukraine, the China Challenge, and the Revival of the West. Foreign Affairs Vol 100, nº 6, p. 48 - 58, 2021.

  10. SILVA, Daniel Neves. Ronald Reagan. Disponível em: https://www.historiadomundo.com.br/idad e-contemporanea/ronald-reagan.htm. Acesso: 25 de junho de 2022.

  11. SUN TZU. A Arte da Guerra. 1. ed. São Paulo: Editora Novo Século, 2014.

  12. TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso. Traduzido por David Martelo. Editora Silabo, 2. ed. 2020.

 

Rio de Janeiro - RJ, 14 de outubro de 2022.


Como citar este documento:
Reolon, Gustavo; Arruda, Joel de Oliveira. Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação na Evolução da Defesa e Segurança Internacional. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2022.  

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