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Estados Unidos, Rússia e China: Indícios de uma Guerra Fria digital?

Publicado: Quarta, 03 de Julho de 2019, 08h01 | Última atualização em Quinta, 06 de Janeiro de 2022, 13h50 | Acessos: 1591

Marcos Luiz da Cunha de Souza1
Breno Pauli Medeiros2
Luiz Rogério Franco Goldoni3

 Como evidenciado em análises prévias feitas por estes autores no portal do OMPV4, as vulnerabilidades oriundas da inserção da infraestrutura básica no ciberespaço são cada vez mais consideradas um assunto a ser securitizado sob a perspectiva da Defesa Nacional, constatação corroborada por diferentes documentos de defesa (BRASIL, 2010, 2012, 2016). O exemplo mais recente e talvez de maior proeminência na mídia internacional, refere-se à expansão da rede chinesa de 5G pela Ásia e Europa. Em represália à expansão da infraestrutura de telecomunicações de 5G oferecida pela empresa chinesa Huawei, os Estados Unidos proibiram a utilização dos produtos da empresa em seu território e recomendaram que seus parceiros não utilizem a infraestrutura de comunicações chinesa, argumentando que esta estaria comprometida pelos serviços de inteligência desse país.

Represálias à Huawei estão em conformidade com o esforço norte-americano de proteger suas infraestruturas críticas ao passo que estas se inserem no domínio cibernético. O reconhecimento norte-americano de ameaças capazes de explorar vulnerabilidades na infraestrutura básica foi evidenciada no Sumário do documento National Defense Strategy de 2018:

A América é um alvo, seja de terroristas que procuram atacar nossos cidadãos; de atividade cibernética maliciosa contra infraestrutura pessoal, comercial ou governamental; ou de subversão política e de informação. Novas ameaças aos usos comerciais e militares do espaço estão surgindo, enquanto o aumento da conectividade digital em todos os aspectos da vida, negócios, governo e forças armadas cria vulnerabilidades significativas. Durante o conflito, os ataques contra nossa infraestrutura crítica de defesa, governo e economia devem ser antecipados (USA, 2018a, p. 3, tradução nossa)5.

O posicionamento norte-americano para com o ciberespaço corresponde à um contexto sócio-político mais amplo no qual a inserção social no meio técnico-científicoinformacional suscita a evolução da percepção de ameaças e valorização estratégica das infraestruturas inseridas no domínio cibernético.

Enquanto a National Defense Strategy de 2018 evidencia o reconhecimento a ameaças à infraestrutura norte-americana, a reportagem do jornal The New York Times publicada em junho do corrente ilustra o tom da retórica cibernética dos Estados Unidos (Acessado em: 15 jun. 2019)

Segundo autoridades governamentais norte-americanas, os EUA obtiveram acesso a rede elétrica russa, demonstrando como o Cyber Command, que teve suas capacidades operacionais recentemente ampliadas, irá se posicionar diante de ameaças cibernéticas no futuro. Segundo as fontes do jornal, os EUA conseguiram infiltrar a infraestrutura energética russa a ponto de desabilitá-la em caso de ações contra os Estados Unidos.

A demanda por novas capacidades operacionais do Cyber Command é consequência dos indícios de que a Rússia deteria capacidades de atacar redes elétricas desde 20156. Além disso, em 2018, o jornal supracitado já havia relatado denúncias tanto do Departamento de Segurança Interna quanto do FBI de que a Rússia já teria enviado malwares capazes de sabotar usinas de energia, gasodutos, oleodutos ou até mesmo suprimentos de água dos EUA em qualquer conflito futuro.

A ampliação da capacidade operacional no ciberespaço por parte do governo norteamericano foi autorizada pelo National Security Presidential Memoranda 13, de caráter parcialmente confidencial, em fevereiro do corrente, com o objetivo de dar mais liberdade ofensiva ao Cyber Command sem que este necessite da aprovação presidencial para tal (USA, 2019).

Trata-se de uma ramificação prática e estratégica de uma política dissuasória para fazer frente à possível exploração das vulnerabilidades da rede norte americana, e desencorajar futuras ações contra os EUA. Nas palavras do Conselheiro de Segurança Nacional do Presidente, John R. Bolton: "Vamos impor custos a você até que você consiga entender"7 (SANGER; PERLROTH, 2019). Ainda segundo Bolton, atualmente, os EUA têm uma visão mais ampla de seus alvos cibernéticos e tais ações fariam parte de um esforço para afirmar à Rússia ou a qualquer país do mundo que ataques cibernéticos contra os EUA serão acompanhados de altos custos para os perpetradores (SANGER; PERLROTH, 2019).

Nesse contexto, o comandante do Cyber Command, General Paul M. Nakasone, afirmou publicamente que era de interesse de seu país estar apto a defender-se dentro da rede do adversário para mostrar que é capaz de reagir a agressões cibernéticas futuras (SANGER; PERLROTH, 2019). Portanto, ao colocar um malware potencialmente incapacitante no sistema russo, os EUA reforçam o discurso dissuasório de que qualquer passo em falso poderia resultar em uma escalada de ataques cibernéticos em massa contra as infraestruturas críticas russas.

É pertinente ressaltar que, conforme matéria do Aljazeera (Acessado em: 15 jun. 2019), Vladimir Putin recebeu o presidente chinês Xi Jinping em Moscou, no início do mês de junho, para assinar um acordo com a Huawei, no intuito de desenvolver a tecnologia 5G no país em parceria com a empresa russa de telecomunicações MTS. Esse acordo corrobora com a interpretação do Secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, de que ambos os países estariam se unindo em uma oposição aos EUA no ciberespaço.

Dada sua estrutura interna e as diferentes tecnologias utilizadas para facilitar o anonimato, o ciberespaço configura um domínio de inerente incerteza; e a forma como diferentes atores exploram essa característica, corresponde à uma dinâmica de poder diferente dos demais domínios. Logo, as decisões tomadas pelos envolvidos possuem alto valor estratégico – sendo, portanto, classificadas – de forma que é improvável determinar quais ações foram tomadas primeiro. Isto é, assim como o posicionamento norte americano mais ofensivo contra a Rússia pode ser interpretada como um reflexo do acordo estratégico com a China; a aproximação entre China e Rússia pode ter sido ocasionada justamente pela postura mais agressiva pelos EUA.

O contexto supracitado coloca em voga a questão da equidade das respostas no ciberespaço. Estas podem resultar em uma escalada descontrolada e perigosa de ataques cibernéticos de ambos os lados, podendo progredir para um conflito cinético nos domínios tradicionais que pode, ainda, recorrer a alternativas nucleares (USA, 2018b). Nesse sentido, como as ações são dificilmente detectadas e/ou rastreadas aos reais perpetradores, múltiplos atores – não necessariamente estatais – perseguem seus interesses no ciberespaço.

O efeito político disso é observado em discursos e acusações inflamatórias mais frequentes mesmo sem embasamento em circunstâncias observáveis e/ou comprováveis. Fato que, considerando as consequências cinéticas de ataques cibernéticos, engendra preocupações para os diferentes setores de defesa e segurança.


1 Graduando em Defesa e Gestão Estratégica Internacional na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Estagiário do Instituto Meira Mattos (IMM) e pesquisador do Observatório Militar da Praia Vermelha (OMPV).
2 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (PPGCM/ECEME). Bolsista CAPES/BRASIL - Programa Pró-Defesa IV. Mestre em Ciências Militares pela ECEME. Pesquisador adjunto da Área Temática “Defesa Cibernética” no OMPV.
3 Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professor do PPGCM/ECEME. Coordenador acadêmico da Área Temática “Defesa Cibernética” do OMPV.
4 http://ompv.eceme.eb.mil.br/masterpage_assunto.php?id=123 e http://ompv.eceme.eb.mil.br/masterpage_assun
to.php?id=124"

5 "America is a target, whether from terrorists seeking to attack our citizens; malicious cyber activity against personal, commercial, or government infrastructure; or political and information subversion. New threats to commercial and military uses of space are emerging, while increasing digital connectivity of all aspects of life, business, government, and military creates significant vulnerabilities. During conflict, attacks against our critical defense, government, and economic infrastructure must be anticipated” (USA, 2018, p. 3).
6 Para mais informações sobre as capacidades russas de ataques a infraestruturas críticas, ver análise “Infraestrutura básica e vulnerabilidades cibernéticas.” neste site.
7 "We will impose costs on you until you get the point."

Referências:

Agence France-Presse. China's Huawei signs deal to develop 5G in Russia. Aljazeera, 2019. Disponível em: https://www.aljazeera.com/ajimpact/china-huaweisigns-deal-develop-5g-russia-190605185112769.html Acesso em: 15 jun. 2019.

BRASIL. Ministério da Defesa. Livro Verde: Segurança Cibernética no Brasil. 2010.

______. Ministério da Defesa. Livro Branco de Defesa Nacional. 2012.

______. Ministério da Defesa. Livro Branco de Defesa Nacional. 2016.

ISIKOFF, Michael; CORN, David. ‘Stand Down’: How The Obama Team Blew The Response To Russian Meddling. HUFFPOST, 2018. Disponível em: https://www.huffpost.com/entry/stand-down-how-the-obama-team-blew-theresponse-to-russian-meddling_n_5aa29a97e4b086698a9d1112/ Acesso em: 15 jun. 2019.

JIANG, Min. U.S. Ban on Huawei: Superpowers’ Insecurities and Nightmares. cyberBRICS, 2019. Disponível em: https://cyberbrics.info/u-s-ban-on-huaweisuperpowers-insecurities-and-nightmares Acesso em: 15 jun. 2019.

LEE, Matthew. Warns Eastern Europe on Chinese and Russian Meddling. U.S News, 2019. Disponível em: https://www.usnews.com/news/world/articles/2019-02-12/pompeo-warns-easterneurope-on-chinese-and-russian-meddling/> Acesso em: 15 jun. 2019.

SANGER, David; PERLROTH, Nicole. U.S. Escalates Online Attacks on Russia’s Power Grid. The New York Times, 2019. Disponível em: https://www.nytimes.com/2019/06/15/us/politics/trump-cyber-russia-grid.html?searchResultPosition=1 Acesso em: 15 jun. 2019.

SANGER, David; PERLROTH, Nicole. Cyberattacks Put Russian Fingers on the Switch at Power Plants, U.S. Says. The New York Times, 2018. Disponível em: https://www.nytimes.com/2018/03/15/us/politics/russia-cyberattacks.html?module=inline Acesso em: 15 jun. 2019.

USA. Nuclear Posture Review. Washington, DC: Department of Defense, 2018b. Disponivel em: https://media.defense.gov/2018/Feb/02/2001872886/-1/-1/1/2018-NUCLEAR-POSTURE-REVIEW-FINAL-REPORT.PDF

USA. Summary of National Defense Strategy. Washington, DC: Department of Defense, 2018a. Disponível em: http://nssarchive.us/national-defense-strategy-2018/2018-national-defense-strategy-summary/

USA. H.R.5515 - John S. McCain National Defense Authorization Act for Fiscal Year 2019. US Congress Gov, 2019. Disponível em: https://www.congress.gov/bill/115th-congress/house-bill/5515/text Acesso em: 15 jun. 2019.

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