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Arábia Saudita, OPEP+ e o Petróleo como Instrumento Coercitivo

Publicado: Quinta, 19 de Março de 2020, 08h01 | Última atualização em Quinta, 06 de Janeiro de 2022, 13h55 | Acessos: 1670

André Nunes1

 Desde o dia 5 de março de 2020, quando ocorreu a 178° cúpula da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e, concomitantemente, a 8° reunião ministerial da OPEP e de produtores não OPEP que formam a denominada OPEP+2, o mercado internacional de petróleo tem acompanhado uma queda brusca do preço do barril. Na segunda-feira, dia 9 março, aconteceu a maior contração dos preços desde a Guerra do Golfo no início dos anos 1990, com o West Texas Intermediate (WTI) despencando de US$ 41,28, preço da sexta-feira, dia 6, para US$ 31,13, e o Brent3 de US$ 45,27 para US$ 34,26 (OIL..., 2020).

O principal motivo para que os preços caíssem de forma tão abrupta tem a ver com a queda de braços entre o Reino da Arábia Saudita e a Rússia iniciada após o fim da 8° reunião da OPEP+, em Viena, na Áustria. A disputa entre os dois países – que segundo o British Petroleum Statistical Review 2019 são o segundo e o terceiro maiores produtores de petróleo do mundo, superados apenas pelos Estados Unidos da América (EUA) – se deu porque os sauditas mostraram descontentamento com a decisão russa de não ampliar os cortes de produção previamente acordados no 7° encontro da OPEP+, em dezembro de 2019, quando foi estabelecido um corte conjunto de produção de 500 mil barris/dia (bpd), que retiraria do mercado um total de aproximadamente 1,7 milhões de barris/dia (mbpd) até o fim de março de 2020. Os 1,7 mbpd são a soma dos 500 mil bpd mais o corte de 1,2 mbpd definidos no 5° encontro da OPEP+ em dezembro de 2018. A Arábia Saudita, que recebeu a tarefa de retirar de circulação 167 mil bpd, estava cortando acima da cota recebida de forma voluntária, o que contribuiu para que fossem retirados até 2,1 mbpd do mercado (ORGANIZATION OF THE PETROLEUM EXPORTING COUNTRIES, 2019).

Nesse contexto, a intenção dos sauditas, bem como a recomendação final do encontro mais recente da OPEP+, era que os produtores concordassem com uma nova cota de produção a partir do mês de abril, com um corte de cerca de 1,5 mbpd até o final do mês de junho, mês esse que haverá uma nova reunião envolvendo os países produtores. A principal justificativa para a aplicação de novos cortes seria com a contração da demanda global por petróleo por conta da redução da atividade econômica causada em larga medida pelo alastramento do novo coronavírus (COVID-19). Nesse sentido, grandes mercados consumidores da Europa e Leste da Ásia, em particular a China, que é o maior importador de petróleo do mundo, passaram a consumir menos petróleo e, consequentemente, a relação oferta e demanda foi distorcida causando forte redução no preço do barril. Desse modo, a recomendação pelos cortes tinha a ver com a estabilização dos preços e com a busca pelo equilíbrio dos mercados (ORGANIZATION OF THE PETROLEUM EXPORTING COUNTRIES, 2020).

Diante da recusa de Moscou em concordar com novos cortes de produção, os sauditas adotaram uma nova estratégia, a partir da qual utilizaria o petróleo como um instrumento diplomático coercitivo, adotando descontos para países importadores da Europa, Ásia e EUA e com a promessa de um aumento de produção a partir do dia 1 de abril dos 9,8 mbpd atuais para até mbpd 12,3 mbpd não renovando, assim, o pacto da OPEP+ (EL GAMAL; ASTAKHOVA, 2020). Como 12 mbpd era até então o máximo de sua capacidade produtiva sustentável, a Saudi Aramco recebeu uma diretiva do Ministério da Energia, Indústria e Recursos Minerais, para aumentar o teto da capacidade produtiva do Reino para 13 mbpd (SAUDI ARAMCO, 2020). Outros países da OPEP como Iraque e Nigéria também anunciaram que aumentarão a produção a partir de abril. A Rússia, de igual forma, também aumentará sua produção em cerca de 500 mil bpd, podendo atingir um nível de 11,8 mbpd, um recorde para o país (MARTIN; BLAS; SMITH, 2020). Tais medidas, mesmo no curto prazo, além de reduzir as receitas dos países produtores atingem também os produtores de óleo de xisto nos EUA, que são importantes concorrentes tanto dos sauditas quanto dos russos.

A Arábia Saudita como o maior exportador mundial de petróleo exerce o papel de swing producer nesse ramo. Este termo, no que diz respeito ao mercado petrolífero, é usualmente empregado para designar um grande produtor, com um grande volume de reservas comprovadas, capaz de produzir e exportar um grande volume de barris diários, assim como de influenciar o mercado ajustando os preços para baixo ou para cima com o intuito de garantir sua fatia de mercado em disputa por participação nele contra outros produtores e/ou outras fontes energéticas. O autor John D. Morecroft, identificou dois modos de atuação da Arábia Saudita no papel de swing producer: estabilizador e coercitivo.

“Na maioria das vezes, a Arábia Saudita está no modo estabilizador, cumprindo e apoiando as cotas de produção estabelecidas pela OPEP. Ocasionalmente, a Arábia Saudita muda para o modo punitivo, abandonando as cotas acordadas e aumentando rapidamente a produção para disciplinar os outros produtores”. (MORECROFT, 2015, p. 286. Tradução Nossa).

Além dos modos estabilizador e punitivo, é possível ainda afirmar que os sauditas operam no modo repositor “preenchendo o vácuo de oferta de produtores incapacitados de suprir o mercado, especialmente quando estão envolvidos em conflitos armados” (NUNES, 2019). Somado a isto, o país árabe ainda pode lançar mão de seu petróleo para promover embargos, negando o fornecimento a determinado Estado ou empresa, e benevolências, exportando sua produção para um consumidor a um preço abaixo do praticado no mercado internacional visando ganhos políticos no futuro.

Ao considerar a explicação de Morecroft como uma lente para analisar o contexto internacional após a 8° reunião da OPEP+, é possível inferir que os sauditas teriam utilizado o petróleo como instrumento político coercitivo com a finalidade de pressionar os outros produtores, em especial a Rússia, a voltarem a negociar novos cortes de produção. Além disso, ao oferecer descontos em meio a um cenário de preços baixos em um período de baixa demanda por conta dos reflexos do COVID-19 na economia global, a Arábia Saudita, mais do que o interesse em fazer valer suas condições quanto às cotas de produção, visa aumentar sua parcela de participação no mercado global e acessar uma parte significativa da participação russa em mercados importantes para a Rússia como o norte da Europa e a China.

Diante disso, resta saber a capacidade de resiliência de Arábia Saudita e Rússia na queda de braços disputada por ambos no mercado internacional, o que inclui lidar com redução de lucros, com o impacto no panorama econômico interno e com a necessidade de recorrer aos seus respectivos fundos soberanos para equilibrar as despesas nacionais. É possível que no futuro, caso a 9° reunião ministerial da OPEP+, marcada para o dia 6 de junho de 2020, não seja cancelada, o país que melhor resistir ao período em questão possa ceder menos nas negociações e maximizar seus interesses.


1 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares (PPGCM) do Instituto Meira Mattos (IMM) da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME).
2 A OPEP+ foi criada em dezembro de 2016 por meio do acordo de cooperação nomeado como Declaration of Cooperation, firmado entre a OPEP e produtores de petróleo não OPEP para que, em conjunto, pudessem influenciar o preço do barril no âmbito internacional. Membros da OPEP: Angola, Arábia Saudita, Argélia, EAU, Gabão, Guiné Equatorial, Irã, Iraque, Kuwait, Líbia, Nigéria e Venezuela. Países não OPEP: Azerbaijão, Bahrein, Brunei, Cazaquistão, Malásia, México, Omã, Rússia, Sudão e Sudão do Sul.
3 O WTI é o valor do barril cotado na bolsa de valores de Nova York e se refere ao óleo extraído na América do norte, especialmente o da região do Golfo do México. Já o Brent, diz respeito ao petróleo cotado na bolsa de Londres e diz respeito ao produzido no Oriente Médio e no Mar do Norte.


Referências Bibliográficas:

EL GAMAL, Rania; ASTAKHOVA, Olesya. Saudi Arabia, Russia raise stakes in oil production standoff. Reuters, 10 March, 2020. Disponível em: https://www.arabnews.com/node/1607951/middle-east Acesso em 14 de março de 2020.

MARTIN, Matthew; BLAS, Javier; SMITH, Grant. Saudis escalate oil price war with huge output hike; Russia follows. Los Angeles Times, 10 March, 2020. Disponível em: https://www.latimes.com/business/story/2020-03-10/saudi-arabia-oil-price-war-output Acesso em 13 de março de 2020.

MORECROFT, John D. W. Strategic Modelling and Business Dynamics: A Feedback Systems Approach. 2. Ed. John Wiley & Sons, 2015.

NUNES, André. A Diplomacia do Petróleo da Arábia Saudita. Boletim Geocorrente v. 106, p. 9, 24 de novembro de 2019. Disponível em: https://www.marinha.mil.br/egn/sites/www.marinha.mil.br.egn/files/flipping_book/index_106/index.html#p=8 Acesso em 12 de março de 2020.

ORGANIZATION OF THE PETROLEUM EXPORTING COUNTRIES. The 7th OPEC and non-OPEC Ministerial Meeting concludes. Vienna, 6 de dezembro de 2019. Disponível em: https://www.opec.org/opec_web/en/press_room/5797.htm Acesso em 12 de maço de 2019.

ORGANIZATION OF THE PETROLEUM EXPORTING COUNTRIES. OPEC 178th (Extraordinary) Meeting of the Conference concludes. Vienna, 5 de março de 2019. Disponível em: https://www.opec.org/opec_web/en/press_room/5865.htm Acesso em 12 de maço de 2019.

SAUDI ARAMCO. Ministry of Energy directed Saudi Aramco to raise maximum capacity. In: Ministry of Energy directed Saudi Aramco to raise maximum capacity. [S. l.], 11 mar. 2020. Disponível em: https://www.saudiaramco.com/en/news-media/news/2020/aramco-to-raise-maximum-capacity# Acesso em 14 de março de 2020.

THE BRITISH PETROLEUM COMPANY. BP Statistical Review of World Energy 2019. London, Jun. 2019. Disponível em: https://www.bp.com/content/dam/bp/business-sites/en/global/corporate/pdfs/energy-economics/statistical-review/bp-stats-review-2019-full-report.pdf Acesso em 13 de março de 2020.

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