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O retorno do Brasil ao Conselho de Segurança da ONU: perspectivas sobre as operações de paz e a agenda “Mulheres, Paz e Segurança”

Publicado: Sexta, 15 de Julho de 2022, 07h01 | Última atualização em Sexta, 15 de Julho de 2022, 09h23 | Acessos: 477

 

Mariana Zamboni Carluccio

Doutoranda em Ciências Militares

 

1. Introdução

Uma das principais características apresentadas pela política externa brasileira, desde o fim do século XIX, é o engajamento nas instituições e nos foros multilaterais internacionais. A participação do país como membro fundador da Liga das Nações em 1919, logo após a Primeira Guerra Mundial, a postura ativa na Conferência de Bretton Woods (1944), evento que criou o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o engajamento do país como membro fundador da Organização das Nações Unidas, em 1945, são exemplos dessa assertiva.

No que diz respeito à atuação brasileira nas Nações Unidas, também merece destaque a expressiva participação do país no Conselho de Segurança da ONU, instância no qual foi eleito como membro não permanente por onze mandatos de dois anos, sendo o último ainda em curso (biênio 2022-2023). Por ser o único país latino-americano a participar com tropas na Segunda Guerra Mundial e por estar situado numa região caracterizada pela ausência direta de conflitos na história contemporânea, o Brasil é considerado um ator internacional com reconhecida capacidade de mediação e interlocução, o que o credenciou para tantos mandatos no Conselho de Segurança da ONU (BRASIL, 2021).

Apesar de haver uma relativa paz em seu entorno regional, o Brasil não deixou de engajar-se em missões coordenadas por organismos internacionais. Ao longo de mais de 70 anos, o Brasil tem sido um ator presente nas operações de paz, na medida em que enviou mais de 57 mil peacekeepers, dentre os quais estão incluídos militares, policiais e civis. Entre os anos de 1948 e 2017, o país esteve presente em 71 operações de paz implementadas pela ONU e 46 missões de paz sob a égide da Organização dos Estados Americanos (OEA) (ANDRADE, HAMMAN & SOARES, 2019), números que comprovam o seu compromisso com o mecanismo de segurança coletiva (VAZ, 2021).

Nos dias atuais, mesmo possuindo uma pequena representação quantitativa em termos de militares e policiais nas missões de paz, em virtude do encerramento das atividades da MINUSTAH (Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti) e do encerramento de sua participação na liderança da Força-Tarefa Marítima da UNIFIL (Força Interina das Nações Unidas no Líbano), últimas missões em que o país efetivamente enviou tropas, o Brasil segue com uma sólida reputação dentro da ONU. Isso se deve ao sólido desempenho demonstrado pelo Exército Brasileiro e pela Polícia brasileira nas missões de paz atuais e passadas (VAZ, 2021). Em vista dessa realidade e considerando a importância do tema em questão, este artigo procura destacar os esforços realizados pelo país na implementação da perspectiva de gênero nas missões de paz e a participação atual do país nas missões de paz da ONU.

2. Inserção de perspectivas de gênero: uma visão sobre a ONU e o Brasil

A Resolução 1325 (2000), do Conselho de Segurança da ONU, introduziu as perspectivas de gênero no tratamento dos conflitos contemporâneos, inaugurando a agenda “Mulheres, Paz e Segurança” (MPS), sendo a primeira resolução do CSNU a reconhecer o impacto desproporcional que a guerra e os conflitos têm sobre as mulheres, destacando o fato de que elas foram historicamente excluídas dos processos de paz e dos esforços de estabilização, insistindo em sua inclusão significativa na manutenção da paz e segurança internacional. Como a efetiva operacionalização desta resolução dependia de um conjunto de iniciativas paralelas à ONU, sugeriu-se a elaboração de planos nacionais de ação para cada Estado-membro, como forma de aplicação dessa agenda em âmbito doméstico. E assim, cada país, de acordo com as suas prioridades e seguindo uma dinâmica própria, procurou implementar o plano de ação em seus limites.

Na região sul-americana, o Brasil se tornou o quarto país a elaborar o seu Plano Nacional de Ação1 . Publicado em 2017, o Plano Nacional de Ação do Brasil seguiu a orientação das Nações Unidas e implementou a agenda MPS da ONU em território nacional. Em suma, o Plano Nacional de Ação faz parte de uma gama de políticas de gênero e se compromete com as “medidas que têm o objetivo de, no curto, no médio e no longo prazo, incorporar a perspectiva de gênero e promover a participação qualificada de mulheres em sua contribuição para a paz e segurança internacionais (BRASIL, 2017, p. 37)”.

A par dessa iniciativa, o Brasil, por meio de suas Forças Armadas, também contribui com a demanda da ONU de inserção das mulheres nas missões de paz. Ao realizar a convocação, a seleção e o treinamento de mulheres militares para realizarem atividades em operações de paz, o país fortalece a perspectiva de gênero nas missões de paz. Tais ações podem ser verificadas nas seguintes situações: na inserção de tradutoras na coordenação de ações da Unidade de Gênero da MINUSTAH2; na consagração da primeira mulher brasileira a exercer a função de observadora militar em missão da ONU, no Saara Ocidental (MINURSO), a Tenente-Coronel Andréa Firmo, do Exército Brasileiro, que se tornou também a primeira a assumir o cargo de Team Site Commander da missão; além do destaque dado pela ONU para duas capitãs da Marinha do Brasil, a Capitã de Corveta Márcia Braga e a Comandante Carla Araújo, por receberem o prêmio de Defensora Militar da Igualdade de Gênero da ONU na MINUSCA (Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para a Estabilização da República Centro-Africana) (HAMMAN, GIANNINI & PEREIRA, 2019).

3. Participação Atual do Brasil nas Missões de Paz

Após mais de uma década longe da cadeira de membro não permanente do CSNU, em 2021, o Brasil foi eleito para o seu 11º mandato, a ser realizado no biênio de 2022-2023. Como prioridades deste décimo primeiro mandato do Brasil no CSNU, dentre as sete estabelecidas3, cabe destaque para duas, quais sejam: a manutenção eficiente da paz e a agenda MPS. Tendo em vista que no momento atual os debates na ONU se voltam, em grande parte, para a responsabilidade dos países mais desenvolvidos na paz mundial, entende-se que “a conjuntura se mostraria interessante para o Brasil que, como uma potência intermediária, aproveita essa situação para se mostrar mais atuante no campo da segurança internacional” (AGUILAR, 2015, p.130).

Mesmo com o encerramento dos componentes militares na MINUSTAH e na UNIFIL4, a participação do Brasil na MONUSCO (Missão para a Estabilização da República Democrática do Congo), missão em que o país exerce o comando do componente militar e que possui uma equipe móvel de treinamento especializada em guerra na selva, indica o comprometimento do Brasil em uma participação mais ativa nas operações de paz da ONU.

Outra participação relevante do país é no Exercício Viking5, que foi criado em 1995 com a finalidade de se tornar uma plataforma para preparar civis, militares e policiais para futuros desdobramentos em missões de paz. A participação brasileira neste exercício teve início em 2014 e, desde então, o país tem registrado um bom histórico neste evento, enviando cerca de seis observadores militares6. Neste período, cumpre destacar o ano de 2018, momento em que o Brasil sediou o Exercício Viking. Naquele ano, o Brasil, por meio do Comando de Operações Terrestres (COTER) do Exército Brasileiro, coordenou a atividade. Em março de 2022, o Brasil também participou do Exercício Viking. Desta vez, o país foi representado por integrantes do COTER, por policiais militares e por membros da Rede Brasileira de Pesquisa sobre Operações de Paz (REBRAPAZ).

Diante dessas considerações, cumpre mencionar mais uma vez o engajamento do Brasil na agenda MPS. Em seu mais recente discurso sobre a agenda MPS no CSNU em 2022, o Brasil reforçou seu compromisso sobre a implementação da agenda, de forma a incluir as mulheres cada vez mais nos processos de participação, garantindo que as vozes delas sejam ouvidas no contexto de missões políticas especiais e capacitando-as para atuarem como impulsionadoras positivas da mudança (BRASIL, 2022).

4. Considerações Finais

Por fim, verifica-se que o país busca ampliar a agenda MPS no território nacional. Como exemplo, tem a iniciativa da Marinha do Brasil, que por meio do Centro de Operações de Paz de Caráter Naval, realiza um estágio preparatório para mulheres em operações de paz, que tem por objetivo disseminar conhecimentos sobre as missões de paz junto ao segmento feminino, além de incentivar a maior participação feminina nas operações de paz. Além da Marinha do Brasil, há a iniciativa do Exército Brasileiro, que no ano de 2021 formou sua primeira turma de mulheres combatentes na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), o que indica que, apesar de ainda haver uma disparidade de gênero no corpo das Forças Armadas Brasileiras, as mudanças estruturais já estão acontecendo no país.

Essas ações, tanto as realizadas pela Marinha do Brasil, como as realizadas pelo Exército Brasileiro, contribuem para que o Brasil continue se projetando nas operações de paz, não somente como um país contribuinte em tropas para missões futuras, mas também como sendo um dos países incentivadores na propagação da agenda MPS, ao aumentar a participação das mulheres nos próprios corpos de suas Forças Armadas.

 

1 Mecanismos adotados para que os Estados-membros da ONU possam cumprir a sua obrigação de implementar as resoluções relacionadas com a agenda MPS em seu âmbito doméstico.

2 Missão das Nações Unida para a Estabilização no Haiti, traduzido do francês.

3 “Prevenir e Pacificar; Manutenção Eficiente da Paz; Resposta Humanitária e Promoção dos Direitos Humanos; Avanço da Agenda de Mulheres, Paz e Segurança; Coordenação com a Comissão de Consolidação da Paz; Articulação com Organizações Regionais; um CSNU mais representativo e eficaz” (BRASIL, 2022).

4 Força Interina das Nações Unidas no Líbano, traduzido do inglês.

5 Coordenado pelo Ministério da Defesa da Suécia em parceria com o Departamento de Defesa dos Estados Unidos (BRASIL, 2021).

6 Disponível em: www.tecnodefesa.com.br/viking-exercise-2018-brazil-site-analise/. Acesso em 16 de março de 2022.

 

Referências Bibliográficas: 

  1. AGUILAR, Sergio Luiz Cruz. A participação do Brasil nas Operações de Paz: passado, presente e futuro. Journal for Brazilian Studies. Vol. 3, nº 2, 2015.

  2. ANDRADE, Israel de Oliveira.; HAMANN, Eduarda Passarelli.; SOARES, Matheus Augusto. Brazil’s participation in United Nations peacekeeping operations: evolution, challenges, and opportunities. Discussion Paper, 254, 2021. Disponível em: https://www .ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/dp_254.pdf. Acesso em: 10 de Março de 2022.

  3. BRASIL. Ministério da Defesa. Sobre o Exercício Viking 2022. Brasília-DF, 2021. Disponível em: https://www.gov.br/defesa/pt-br/assuntos/exercicios-e-operacoes/copy_of _exerci cios-militares/exercicio-viking--22/sobre-o-exercicio-viking-22. Acesso em: 10 de Março de 2022.

  4. BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Plano Nacional de Ação sobre Mulheres, Paz e Segurança. Brasília: FUNAG, 2017

  5.  BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. As 7 prioridades do Brasil no Conselho de Segurança - 2022-2023. Brasília: FUNAG, 2021. Disponível em: https://www.gov.br/ mre/pt-br/Brasil-CSNU/7-prioridades-do-brasil/as-7-prioridades-do-brasil-no-conselhode -seguranca-2013-2022-2023. Acesso em: 10 de Março de 2022.

  6. BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Declaração do Brasil no Conselho de Segurança durante debate sobre a agenda Mulheres, Paz e Segurança. Brasília: FUNAG, 2022. Disponível em: https://www.gov.br/mre/pt-br/Brasil-CSNU/discursos-arti gos-e-entrevistas/discursos/declaracao-do-brasil-no-conselho-de-seguranca-durante-deba te-sobre-a-agenda-mulheres-paz-e-seguranca-8-de-marco-de-2022-texto-em-ingles. Acesso em: 10 de Março de 2022.Acesso em: 10 de Março de 2022.

  7. HAMMAN, Eduarda; GIANNINI, Renata.; PEREIRA, P.érola. Mulheres brasileiras em missões de paz: a coragem em dados e relatos. Rio de Janeiro: Instituto Igarapé, 2019.

  8. VAZ, Carlos Alberto Moutinho. A iniciativa Action for Peacekeeping e seu pilar do desempenho & responsabilização em operações de paz das Nações Unidas: uma perspectiva brasileira. Coleção Meira Mattos, Vol. 16, nº 55, p. 69-86, 2021.

 

Rio de Janeiro - RJ, 15 de julho de 2022.


Como citar este documento:
Carluccio, Mariana Zamboni. O retorno do Brasil ao Conselho de Segurança da ONU: perspectivas sobre as operações de paz e a agenda “Mulheres, Paz e Segurança”. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2022.  

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