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Algumas reflexões sobre a situação na fronteira BRASIL-VENEZUELA e os episódios de seu fechamento

Publicado: Quinta, 25 de Julho de 2019, 08h01 | Última atualização em Quinta, 06 de Janeiro de 2022, 13h50 | Acessos: 1626

14 de junho de 2019

Tenente-Coronel de Infantaria George Alberto Garcia de Oliveira1

O presente texto tem por finalidade apresentar algumas reflexões sobre a fronteira BRASIL-VENEZUELA, com foco na região de Pacaraima, e dos episódios de fechamento dessa fronteira, ocorridos em 6 de agosto de 2018, por determinação de um juiz federal brasileiro, e no período de 21 de fevereiro a 10 de maio de 2019, por determinação do governo venezuelano.

Inicialmente, cabe ressaltar que importantes geopolíticos, ao longo da história, registraram a importância das fronteiras para os Estados. O alemão Friedrich Ratzel defendia que a fronteira seria o órgão periférico do Estado, cuja localização materializa o dinamismo, a força e as mudanças territoriais do Estado. Karl Ernst Haushofer, outro geopolítico e militar alemão, registrou que as fronteiras seriam motivo de permanente litígio entre os Estados. O sueco Kjéllen comparava as fronteiras do Estado à epiderme de um corpo vivo, que receberia e transmitiria, em primeira mão, todas as manifestações de poder emitidas ou dirigidas ao "cérebro" estatal, destinadas ou vindas do exterior. O brasileiro Everardo Backheuser, a seu turno, considerava que as fronteiras refletiam o poder de um Estado, devendo, portanto, serem protegidas.

Independentemente das diferentes abordagens dos geopolíticos acima mencionados, não resta dúvida que os fatos que acarretam mudanças na dinâmica da fronteira de um Estado devem ser acompanhados pelo governo. Trazendo para a nossa realidade, pode-se considerar que a resposta do Governo Brasileiro no enfrentamento da crise migratória venezuelana é um exemplo prático desse acompanhamento.

O mundo tem acompanhado, com preocupação, a crise social, econômica e política na qual a Venezuela mergulhou. Em virtude dessa crise, milhares de venezuelanos têm migrado para outros países, dentre eles o Brasil, com o intuito de buscar melhores condições de vida. A maioria desses venezuelanos ingressa no território brasileiro pelo Município de Pacaraima e se desloca para Boa Vista, capital do estado de Roraima, ou para outras cidades da região amazônica brasileira, as quais não possuem a infraestrutura de serviços públicos e o mercado de trabalho adequados para a absorção desse contingente populacional. Consequentemente, essas cidades passaram a enfrentar diversos problemas, como o inchaço nos serviços públicos (principalmente na área da saúde), o aumento dos índices de violência, a prostituição, a mendicância e a ocupação desordenada de espaços públicos.

Em 15 de fevereiro de 2018, o Governo do Brasil reconheceu a situação de vulnerabilidade decorrente do aumento do fluxo migratório para o Estado de Roraima, provocado pela crise na Ve-nezuela, e criou um Comitê Federal de Assistência Emergencial. O Ministério da Defesa assumiu a secretaria-executiva desse Comitê e um General de Divisão do Exército Brasileiro foi nomeado coordenador operacional das ações de assistência emergencial.

Como resultado, foi desencadeada a Operação Acolhida, na qual tropas das Forças Armadas do Brasil, em coordenação com a Organização das Nações Unidas (ONU), com órgãos de segurança pública, com agências governamentais, com organizações não governamentais e com entidades re-ligiosas e filantrópicas, têm realizado ações de cunho humanitário, acolhendo os venezuelanos que ingressam no território brasileiro, fugindo da crise da república bolivariana. Essa operação possui como pilares básicos o ordenamento da fronteira, o abrigamento e a interiorização.

Não se sabe ao certo quanto tempo a Operação Acolhida durará, haja vista que não se vislum-bra uma solução a curto ou a médio prazo para a crise venezuelana. Mesmo que ocorram reformas na Venezuela, sob as perspectivas econômica, política e social, a recuperação integral desse país não se dará da noite para o dia. Dessa forma, é lícito supor que os venezuelanos continuarão deixando sua terra natal nos próximos anos.

Muito se fala e se escreve sobre as atuais condições da fronteira BRASIL-VENEZUELA. Mas como era a dinâmica dessa fronteira antes da crise, principalmente na região de Pacaraima?

A verdade é que essa pequena cidade, com cerca de 12.000 habitantes, sempre funcionou co-mo entreposto comercial, atraindo venezuelanos em busca de bens de consumo básico e de atendi-mento médico. Além disso, muitos venezuelanos, de forma costumeira, matriculam seus filhos nas escolas públicas de Pacaraima, que oferecem um ensino de melhor qualidade que as escolas vene-zuelanas próximas da fronteira. Em relação aos brasileiros, havia um movimento bastante peculiar de compras nas lojas venezuelanas de Santa Elena do Uairén, as quais, antes da crise, vendiam produtos de limpeza, roupas e perfumes com preços mais baixos do que os praticados no Brasil. Além disso, venezuelanos cruzavam a fronteira diariamente para trabalhar no Brasil e vice-versa. Em linhas gerais, o que se observava era um efetivo fluxo de fronteiriços ingressando em ambos os países para ter acesso a bens, serviços e oportunidades que fossem mais bem ofertados em um ou em outro local.

Com a crise, os brasileiros deixaram de comprar em Santa Elena do Uairén, haja vista que ela, assim como as demais cidades venezuelanas, ficou desabastecida. No entanto, a coluna vertebral do trânsito de fronteiriços se manteve e se mantém: os venezuelanos compram comida e outros bens em Pacaraima, utilizam o sistema público de saúde dessa cidade e suas crianças continuam estudando nas escolas brasileiras mais próximas. No tocante ao trabalho, brasileiros e venezuelanos continuam cruzando a fronteira, todos os dias, para trabalhar no país vizinho.

A partir dessa fotografia, não é difícil imaginar que o fechamento dessa fronteira possa causar (e efetivamente causa) problemas para a população de ambos os países, principalmente para os fronteiriços, que circulam em Pacaraima e Santa Elena todos os dias.

Em 5 de agosto de 2018, em decisão liminar, o juiz federal Helder Girão Barreto, da 1ª Vara da Federal, determinou a suspensão do ingresso e a admissão de imigrantes venezuelanos no Brasil, pelo estado de Roraima. Após serem notificadas, no dia 6 de agosto, por volta das 17 horas, a Polí-cia Federal e a Força Nacional posicionaram algumas viaturas nas proximidades do marco BV-8, na BR-174, e passaram a impedir a entrada de venezuelanos no Brasil.

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Figura 1 – Polícia Federal e Força Nacional fecham a fronteira BRASIL-VENEZUELA
Fonte: G1 (Disponível em https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2018/08/06/fronteira-do-brasil-com-a-venezuela-e-fechada-apos-decisao-judicial-diz-prf.ghtml)

No tocante ao ponto de vista do fluxo migratório, não se observou grandes mudanças, princi-palmente por dois aspectos: o primeiro é que a Venezuela fecha seu próprio posto de controle de fronteira, todos os dias, por volta das 18 horas, interrompendo o fluxo de venezuelanos em direção ao Brasil; e o segundo aspecto é que a liminar que suspendia o ingresso de venezuelanos foi indefe-rida pela Ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, no mesmo dia do fechamento.

No entanto, mesmo esse pequeno lapso temporal gerou transtornos para a população local. O horário do fechamento – por volta das 17 horas – coincidia com a saída das crianças venezuelanas que estudavam em Pacaraima. Pais e mães, que moravam em Santa Elena e que tinham o costume de buscar os filhos em Pacaraima, foram impedidos de passar, o que gerou certo desconforto na região do BV-8.

Entre 21 de fevereiro e 10 de maio de 2019, por determinação de Nicolas Maduro, a Guarda Nacional Bolivariana manteve a fronteira BRASIL-VENEZUELA fechada. O objetivo alegado foi o de barrar a ajuda humanitária oferecida pelos Estados Unidos da América e por países vizinhos, incluindo o Brasil, após pedido do autoproclamado presidente interino Juan Guaidó. Após o anúncio do fechamento, venezuelanos correram para Pacaraima, para comprar comida e outros itens básicos.

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Figura 2 – Venezuelanos correm ao comércio brasileiro para comprar comida, após anúncio de fechamento da fronteira
Fonte: G1 (Disponível em https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2019/02/21/apos-ordem-para-fechar-fronteira-venezuelanos-correm-para-comprar-mantimentos-no-brasil.ghtml)

 

Ao longo do período no qual a fronteira foi mantida fechada, os venezuelanos utilizaram trilhas que davam acesso à Pacaraima, seja para migrar para o Brasil, seja para comprar comida. Além disso, esse movimento era seguido pela crianças venezuelanas, que frequentam as escolas de Pacaraima, e até mesmo por moradores de Santa Elena que trabalham no Brasil.

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Figura 3 – Após o fechamento da fronteira, venezuelanos utilizam caminhos alternativos para ingressar no Brasil
Fonte: Mundo (Disponível em https://gauchazh.clicrbs.com.br/mundo/noticia/2019/02/com-fronteira-fechada-venezuelanos-usam-desvios-para-entrar-no-brasil-cjsg2ps5e009d01p8cz85jh0n.html)

 

Outra forma reportada para alcançar o Brasil, mesmo com a proibição venezuelana, era o pagamento de suborno aos militares venezuelanos. Rafael Levy, chefe do escritório da ONU em Pacaraima, afirmou:

O que mudou com o fechamento da fronteira é que as pessoas têm de se submeter a riscos muito maiores. Todos passam por vias não oficiais para chegar ao Brasil. O fato de terem de pagar algum tipo de suborno aumenta o nível de precariedade em que eles chegam. Muitas vezes têm de deixar todo o dinheiro que têm com os guardas2 .

Observa-se, assim, que os próprios venezuelanos encontraram formas de superar essa proibição do governo da Venezuela. Isso fica visível ao se verificar as estatísticas de passagem de Vene-zuelanos pelo Posto de Bloqueio e Controle de Estradas (PBCE)3 , mobiliado por tropas do Exército Brasileiro, em Pacaraima. Verificando o gráfico abaixo, no qual constam os saldos diários de vene-zuelanos que passaram pelo PBCE de Pacaraima, em direção à cidade de Boa Vista, percebe-se uma queda no quantitativo, principalmente nos meses de março (190 venezuelanos por dia) e abril (221 venezuelanos por dia), mas não a interrupção do fluxo migratório. Em maio e junho, os números subiram, o que é um fato natural, dada a reabertura da fronteira.

graficoPBCE
Gráfico 1 – Saldo diário de venezuelanos contabilizados no PBCE de Pacaraima
Fonte: 1ª Brigada de Infantaria de Selva

 

O futuro da Venezuela é incerto. Se é certo que a crise tem se aprofundado cada vez mais nes-se país vizinho, é certo também que o Governo do Brasil continuará acompanhando a evolução dos acontecimentos na fronteira Norte e apoiando os venezuelanos que ingressam no território brasileiro, em busca de melhores condições de vida. No mais, o que se espera é que a Venezuela empreenda, o mais rápido possível, as reformas necessárias, para que possa voltar a crescer e reencontrar o seu caminho.


1 O Tenente-Coronel George Alberto foi Oficial de Operações da 1ª Brigada de Infantaria de Selva, sediada em Boa Vista-Roraima, no ano de 2018. Atualmente, é instrutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.
2 Disponível em: http://cliquef5.com.br/geral/nacional/fechamento-da-fronteira-do-brasil-com-a-venezuela-nao-reduziu-migracao/186991&comp=1.
3 Os militares presentes nesse posto checam a documentação de todos os venezuelanos que por lá passam, além de realizar a contagem desses estrangeiros.

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