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A Operação Acolhida e os Desafios Impostos pela Pandemia do Corona Vírus

Publicado: Segunda, 25 de Mai de 2020, 08h01 | Última atualização em Quinta, 06 de Janeiro de 2022, 13h58 | Acessos: 1339

Ronay Souza Diniz
Doutorando do PPGCM da ECEME

Existem 70,3 milhões de pessoas ao redor do mundo em situação de migração forçada. Nesse contingente, mais de 20,4 milhões cruzaram as fronteiras de seus países e passaram a ser consideradas refugiadas. Boa parte delas vivem em abrigos temporários ou em campos de refugiados próximos às fronteiras (ACNUR, 2020). No Brasil, essa questão global da migração é sentida na região fronteiriça com a Venezuela. Devido às questões internas, a Venezuela se tornou país de origem de diversos migrantes. Atualmente, só no Brasil, são 129.998 venezuelanos residindo de forma temporária ou definitiva (UN, 2020).

A fronteira entre o Brasil e a Venezuela apresenta sérios problemas econômicos e sociais, a infraestrutura de saúde não é capaz de oferecer o atendimento necessário à população e a presença militar é um componente fundamental para o ordenamento dos limites entre os dois países e o apoio ao Estado de Roraima (FRANCHI, 2019). Através da Operação Acolhida, o Exército Brasileiro vem realizando ações na acolhida de imigrantes desde o início de 2018. Em junho daquele ano, através da Lei nº 13.684 (BRASIL, 2018), o Governo reconheceu a situação de crise humanitária e estabeleceu disposições sobre a criação da Força Tarefa Logística Humanitária, bem como as atividades que seriam desenvolvidas em decorrência do fluxo migratório. Nesse contexto, a Força Terrestre realiza ações de apoio, coordenação e segurança, inseridas em um ambiente interagências com mais 12 ministérios e outras organizações internacionais.

Atualmente a Operação Acolhida possui 11 abrigos na cidade de Boa Vista, 02 em Pacaraima e 01 posto de recepção de apoio com alojamento temporário em Manaus. Abrigos e campos de refugiados são locais onde, geralmente, as condições de saúde e higiene são deficientes e o isolamento social é impraticável, devido ao seu caráter coletivo. Esses ambientes são favoráveis à transmissão de toda a sorte de doenças, o que torna os imigrantes um grupo extremamente vulnerável ao Covid-19 (COHEN, 2020; MCAULIFFE; BAULOZ, 2020).

Diante dessa realidade, no contexto das Operações Acolhida e Controle, cabe aqui levantar os seguintes questionamentos: Qual a postura adotada pelo Brasil com relação ao atendimento aos imigrantes? Quais ações vêm sendo desenvolvidas pelo Exército Brasileiro no sentido de proteger a fronteira, prestar ajuda humanitária e contribuir com o combate ao avanço da doença?

Ao que tudo indica, o coronavirus fez suas primeiras vítimas na cidade chinesa de Wuhan, ainda no fim do ano passado. Por conta de sua facilidade de transmissão e da escalada do número de casos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a tratar do assunto como uma pandemia. Embora existam protocolos que sugerem medidas de prevenção e atendimento, cada país tem cuidado do caso a sua maneira, principalmente em se tratando de ações de contenção nas fronteiras e de preservação da saúde da população interna. Os Estados Unidos da América (EUA) e o Reino Unido, por exemplo, deportaram milhares de estrangeiros que viviam em abrigos temporários, na tentativa de impedir a sobrecarga do sistema de acolhimento e, por consequência, a proliferação do vírus (COHEN, 2020).

O Brasil, levando em consideração o seu histórico de tratamento dispensado aos imigrantes, resolveu adotar postura mais branda. Com o intuito de atender às orientações da OMS, no dia 17 de março, o Governo Federal restringiu, em caráter excepcional e temporário, a entrada de estrangeiros oriundos da Venezuela.

Faz-se necessário ressaltar o panorama vivido por esse país lindeiro. O Estado de Bolívar (na Venezuela) enfrenta um cenário complicado na luta contra o aumento do número de infectados. A grande maioria dos hospitais não conta com o fornecimento de energia elétrica em tempo integral, a população não tem acesso a medicamentos básicos e o desabastecimento de material de higiene nos supermercados não é uma novidade. Mesmo diante dessa realidade, até o presente momento, nenhum imigrante venezuelano foi deportado do Brasil por conta da pandemia.

A partir do fechamento da fronteira, ocorrido no mês de março, o Exército Brasileiro passou a exercer suas atividades com a intenção de atender a três demandas distintas: a proteção dos limites entre os países, a ajuda humanitária e o contingenciamento para o Covid-19. A fim de atender ao pilar da segurança de fronteira, foram intensificadas as ações da Operação Controle. Essa operação ocorre em paralelo à Acolhida, desde 2018, sob responsabilidade da 1ª Brigada de Infantaria de Selva, e o objetivo é impedir o acesso ilegal de estrangeiros. Após a publicação das medidas restritivas, foram intensificadas as ações de vigilância na área lindeira. Com isso, pretende-se reduzir a possibilidade de entrada de pessoas não monitoradas e aumentar a segurança dos imigrantes assistidos pela Acolhida.

Com relação à ajuda humanitária, as atividades relativas ao abrigamento e interiorização continuam funcionando. No entanto, com a finalidade de garantir a saúde dos imigrantes e refugiados inseridos no universo da Operação e combater o avanço da doença, foi concebido o “Plano Emergencial de Contingência do Covid-19” (BRASIL, 2020).

Em atendimento ao Plano, uma das ações de maior importância foi a montagem do hospital de campanha na cidade de Boa Vista. Nesse local estão sendo prestados atendimentos prioritários aos integrantes da Operação. A instalação, denominada de Área de Proteção e Cuidados, também contribui para a redução dos efeitos causados na saúde pública em decorrência da propagação da contaminação no Estado de Roraima.

Ainda em relação à demanda de combate ao vírus, equipes de triagem também realizam a identificação de casos sintomáticos, mediante a aferição de temperatura e anamnese, em toda área de responsabilidade. Após a identificação, os sintomáticos são encaminhados para o Hospital de Campanha, onde recebem o tratamento adequado.

Apesar de todo esforço empreendido, devido ao crescimento do contágio, a situação pode tornar-se ainda mais complexa, quando militares começam a figurar entre o número de pessoas infectadas. Seguindo os protocolos estabelecidos pelo “Plano Emergencial de Contingência do Covid-19” (BRASIL, 2020), eles foram isolados e estão sendo acompanhados. A infecção é um risco cotidiano para os militares que trabalham na linha de frente dos abrigos.

Outro fator que pode demandar maior esforço na questão sanitária é a população indígena regional. Os índios, ocupantes dos abrigos de Pacaraima e Boa Vista, recebem atendimento médico e hospitalar da Operação Acolhida. As características genéticas dos indígenas os tornam mais vulneráveis ao contágio e aos efeitos do Covid-19, podendo incorrer em um rápido crescimento do número de doentes, o que sobrecarregaria o sistema de saúde do Estado de Roraima.

Por fim, até agora a Operação Acolhida vem conseguindo superar os desafios impostos pela pandemia. Alinhado com organismos externos e comprometido com seus objetivos nacionais, o país realiza ações buscando a proteção de seu povo, sem se esquecer do respeito aos direitos humanos. A teoria de Arnold Toynbee, sintetizada por William Dray, representa esse momento em que as civilizações precisam apresentar respostas aos desafios seguidos (DRAY, 1977). O Exército Brasileiro, por sua vez, diante das novas demandas impostas, encontra a oportunidade para desempenhar ações combinadas, desenvolvidas em conjunto com outras agências, entendendo que esse é um requisito crítico para os novos cenários que se apresentam.

Rio de Janeiro - RJ, 21 de maio de 2020.


Como Citar este documento:

DINIZ, Ronay Souza. A Operação Acolhida e os Desafios Impostos pela Pandemia do Corona Vírus. Observatório Militar da Praia Vermelha. Rio de Janeiro: ECEME, 2020.


Referências:

ACNUR. Anuarios estadísticos. Disponível em: https://www.acnur.org/datos-basicos.html Acesso em: 19 abr 2020.

BRASIL. LEI No 13.684, DE 21 DE JUNHO DE 2018.

BRASIL, Governo Federal. Operação Acolhida: Plano Emergencial de Contingenciamento para COVID-19. Disponível em: http://www.eb.mil.br/documents/10138/11093495/PLANO+EMERGENCIAL+DE+CONTINGENCIAMENTO+PARA+COVID-19_compressed.pdf/35a27f3a-3756-058f-c0e0-18bbecbf84cd Acesso em: 14 abr 2020.

COHEN, Sandra. Pandemia exacerba a tragédia de refugiados. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/blog/sandra-cohen/post/2020/04/13/pandemia-exacerba-a-tragedia-de-refugiados.ghtml Acesso em: 14 abr 2020.

DRAY, William. Filosofia da História. 2a Edição ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.

FRANCHI, Tássio. Operação Acolhida: A Atuação das Forças Armadas Brasileiras no Suporte aos Deslocados Venezuelanos. Military Review, v. [on line], n. janeiro, p. 1–13, 2019. Disponível em: https://www.armyupress.army.mil/Portals/7/military-review/Archives/Portuguese/Online%20Exclusives/Franchi-operacao-acholhida-a-atuacao-das-forcas-armadas-brasileiras-no-suporte-aos-deslocados-venezuelanos-Jan-2019-1.pdf

MCAULIFFE, Marie; BAULOZ, Céline. The coronavirus pandemic could be devastating for the world’s migrants. Disponível em: https://www.weforum.org/agenda/2020/04/the-coronavirus-pandemic-could-be-devastating-for-the-worlds-refugees/ Acesso em: 14 abr 2020.

UN. Venezuela Situation. Disponível em: https://data2.unhcr.org/en/situations/vensit Acesso em: 17 abr 2020.



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