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Operação Acolhida: uma ação essencial em Roraima

Publicado: Quarta, 03 de Julho de 2019, 08h01 | Última atualização em Quinta, 06 de Janeiro de 2022, 13h50 | Acessos: 1380

Tássio Franchi1

Pouco conhecida da maioria dos brasileiros, a Operação Acolhida é uma ação fundamental para o estado de Roraima, para o Brasil e para dezenas de milhares de pessoas desassistidas que chegam às nossas fronteiras, e que já somam mais de 200 mil nos últimos anos. A mais notória onda migratória que o Brasil recebe advém da Venezuela, dado o contexto político social daquele país. Recordemos que, ao final do século XX, Hugo Chaves chegou ao poder na Venezuela. Falecendo em 2013, deixou o poder para seu indicado ao cargo, Nicolás Maduro, atual presidente. Devido a uma série de questões conjunturais, o país vem passando por dificuldades que têm levado milhões de venezuelanos a deixar o país em busca de novas oportunidades.

A Venezuela possui aproximadamente 2.199 Km de fronteira com o Brasil (12,2% das fronteiras terrestres brasileiras), além de limites com a Colômbia e a Guiana. O Estado venezuelano de Bolívar faz fronteira com os estados do Amazonas e Roraima. Roraima é o estado mais setentrional do Brasil e tem características peculiares: está isolado da rede elétrica nacional, o que limita a instalação de indústrias; possui grandes áreas demarcadas como Terras Indígenas; dispõe de uma oferta limitada de postos de trabalho; e tem uma baixa densidade demográfica, que se converte em um planejamento estatal de infraestrutura de saúde, segurança e educação dimensionada para a população existente, cerca de meio milhão de pessoas.

Em todo o Amazonas e parte de Roraima, a fronteira é dominada pela floresta amazônica, criando uma região de difícil acesso. Todavia, foi no estado de Roraima, mais especificamente na cidade de Pacaraima (distante 200km da capital Boa Vista), que se estabeleceu a porta de entrada da maioria dos venezuelanos que chega ao Brasil. Isso ocorre pois parte da fronteira entre os países é no lavrado roraimense, uma região com vegetação e relevo semelhantes ao cerrado, que possibilita o trânsito mais fácil de pessoas. Além disso, é nesta região que se encontram as rodovias que ligam os dois países, a BR-174 e a Ruta 10.

Desde 2016, o volume de venezuelanos que cruzaram a fronteira aumentou gradativamente. As limitações da capacidade do estado de Roraima ficaram evidentes em 2017. Desta forma, em fevereiro de 2018, o governo federal editou a Medida Provisória (MP) 820, dando início a uma operação interministerial voltada ao ordenamento da fronteira e ao acolhimento aos deslocados, a Operação Acolhida. A MP 820 foi transformada na Lei nº 13.648, de 21 de junho de 2018, ganhando, assim, um caráter mais permanente. Além do governo federal, o poder estadual, municípios de Roraima, grupos da sociedade civil organizada, a Igreja, organizações não-governamentais (ONG’s) e entidades internacionais têm cooperado no acolhimento aos venezuelanos. As Forças Armadas, em especial o Exército Brasileiro e a Força Aérea Brasileira, têm sido peças fundamentais neste processo.

As ações estão estruturadas sobre três pilares: ordenamento da fronteira, abrigamento e interiorização. Nessas ações, a 1ª Brigada de Infantaria de Selva, sediada em Boa Vista, intensificou as atividades na Faixa de Fronteira (150 km) e nas principais vias de acesso, garantindo o ordenamento territorial e encaminhando os deslocados para as estruturas da Operação Acolhida.

Com relação aos deslocados que adentram o território nacional, foram visualizadas soluções duráveis que garantissem amplas opções, em conformidade com a legislação nacional e internacional, para os venezuelanos. Destacam-se entre essas ações o repatriamento voluntário ao seu país de origem; a passagem segura pelo território nacional em busca de outro destino, algo que tem se mostrado a opção de um grande número de venezuelanos; a integração no local de chegada com o acolhimento jurídico, social e econômico do migrante pela sociedade local; e, por fim, a interiorização ou reinstalação, que garanta melhores chances de inserção social dos deslocados.

Mais da metade dos venezuelanos que chegaram ao Brasil desde 2018 já deixou o país. Parte retornando à Venezuela, em um movimento pendular típico das regiões de fronteira, e outros rumo a outros países da América do Sul. Atualmente, a Colômbia é o país que mais recebe os deslocados venezuelanos, com mais de um milhão de solicitações de entrada no país.

Neste ínterim, a Operação Acolhida tem gerenciado uma série de infraestruturas críticas ao sucesso da missão. Pode-se mencionar os postos de recepção, triagem, atendimento médico e abrigos para indígenas e não indígenas, que estão montados em Pacaraima, na linha de fronteira. Em Boa Vista, são mais 11 abrigos que atendem a mais de 6 mil pessoas simultaneamente. Por ali já passaram centenas de venezuelanos que deixaram os abrigos, porque já conseguiram empregos, porque retornaram à Venezuela, ou ainda porque parte deles foi deslocada para outros estados da federação no processo de interiorização voluntária.

A interiorização já atendeu mais de 11 mil venezuelanos, levando-os para outros estados em parcerias com ONG’s e com a sociedade civil. Existe uma dupla importância neste processo. Primeiro, aliviar a pressão sobre as infraestruturas do estado de Roraima e dos municípios diretamente afetados pelo fluxo migratório. Segundo, propiciar melhores chances de integração para os deslocados venezuelanos em regiões onde possam ser aproveitados no mercado de trabalho. A interiorização é uma parte essencial da Operação Acolhida e tem conseguido redistribuir cerca de 500 venezuelanos por mês com o apoio da Força Aérea Brasileira, de companhias de aviação que doam assentos em voos comerciais e de entidades da sociedade civil que custeiam passagens por meio de suas redes de solidariedade.

A história nos mostra que crises migratórias em algum momento estabilizam-se e depois retrocedem. Observou-se esse movimento com os refugiados Haitianos, que após um período de intensa chegada, reduziram o fluxo de entrada no Brasil nos anos recentes. Entretanto, se a situação econômica e social na Venezuela não melhorar, o fluxo de pessoas buscando melhores condições deve se manter. Mesmo que aconteçam oscilações nos números totais de entradas de venezuelanos em determinados períodos, será preciso manter uma estrutura com flexibilidade e capacidade de atender às demandas futuras. Isto implica a necessária manutenção da assistência aos deslocados, ainda que no curto e médio prazo.

Com certeza, o Exército Brasileiro estará presente, contribuindo na construção de soluções que o país postular. Entretanto, as Forças Armadas têm como atividade-fim a defesa da Pátria (art. 142 Cf. 1988) e será preciso pensar o que é melhor para o país. Continuar a empregar as FFAA neste tipo de ação ou estruturar e capacitar outras instituições públicas federais ou estaduais para gerirem a assistência aos deslocados? Será que não é o momento de o governo federal começar a planejar uma saída das Forças Armadas como protagonistas desta ação? Ou, caso a decisão seja pela continuidade delas na missão, como fazer para que isso não prejudique sua missão principal de vigilância de nossas fronteiras em todo o território nacional?


1Pesquisador e professor no Programa de Pós-graduação em Ciências Militares do Instituto Meira Mattos, na Escola de Comando do Estado-Maior do Exército (RJ). Coordenador do projeto Faixa de Fronteira e Ameaças Emergentes.

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