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Operação Acolhida: um balanço do executado até 2019

Publicado: Quinta, 28 de Mai de 2020, 08h01 | Última atualização em Quinta, 06 de Janeiro de 2022, 13h59 | Acessos: 541

Luciano Correia Simões
Doutorando do PPGCM da ECEME
Tássio Franchi
Professor do PPGCM da ECEME

INTRODUÇÃO1

O objetivo deste texto é trazer um balanço das ações e resultados da Operação Acolhida até dezembro de 2019. O texto não aborda a questão da pandemia de Covid-19, mas exatamente ao apresentar os números de antes da chegada do vírus à Roraima e aos abrigos servirá para possíveis comparações no futuro. Sobre o convid-19 na Operação Acolhida já existem planos de controle, dados publicitados e análises produzidas no Observatório Militar da Praia Vermelha e em outros locais.

O CONTEXTO INTERNACIONAL E REGIONAL

Atualmente no mundo existem 70,3 milhões de indivíduos deslocados de maneira forçada. pessoas ao redor do mundo em situação de migração forçada, dos quais cerca de 20,4 milhões cruzaram as fronteiras de seus países e são consideradas refugiadas (ACNUR, 2020). A América do Sul a Venezuela tem sido um dos países que tem prduzido uma serie de refugiados para todo o mundo. Nesse sentido, segundo a ACNUR, estima-se que mais de 4 milhões de venezuelanos já deixaram o país nos últimos meses, em busca de melhores condições de segurança e de vida2.

De acordo com o Fund for peace3, a situação na Venezuela tem se apresentado cada vez mais complexa. A crise econômica (hiperinflação e queda do PIB), a renovada crise política, a deterioração dos serviços básicos (setor estatal beira o colapso) com cortes de eletricidade, universidades deterioradas, hospitais quase sem medicamentos e os altos índices de violência, têm gerado inúmeras manifestações populares, que por sua vez têm sido reprimidas com muita violência. Algumas das questões de abastecimento no país são problemas estruturais ligadas as consequências de uma economia petroleira e incapacidade nas últimas décadas de estrutura outros setores produtivos (ESPINOZA, 2002; 2009). A população, sem muitas opções, cada vez mais tem optado por abandonar o país e seguir para algum país vizinho, ampliando o movimento migratório.

As a result of the increasing hunger and disease along with the broader economic collapse – GDP has fallen by more than 15% each of the last three years and inflation has surpassed a million percent, with prices on average doubling every 19 days – and breakdown of public services, millions of Venezuelans have fled the country, reflected in the sharp worsening in the Refugees & IDPs indicator in the 2019 FSI. According to the UNHCR, the number of refugees and migrants from Venezuela reached 3 million in November 2018. The UN has estimated that 2 million more could be added to that total in 2019 (Fund for Peace, 2020).

No contexto regional sul-americano, os destinos mais procurados pelos migrantes são a Colômbia, o Peru e o Equador. Os impactos desde o início foram diferentes em cada país e trouxeram diferentes instabilidades (ELLIS, 2017. VAZ, 2017). Sem embargo, o Brasil figura entre os receptores (existem em torno de 260 mil venezuelanos vivendo no país, segundo dados da Organização Internacional para Migrações)4. Para que se tenha uma ideia do impacto migratório, no ano de 2019, uma média de 252 (duzentos e cinquenta e dois) migrantes por dia, manifestaram interesse em permanecer no Brasil, seja como residentes temporários, seja como refugiados (Operação Acolhida, 2019). Ou seja, mais de 90 mil pessoas solicitaram diferentes tipos de estadia no país somente em 2019. A maior parte deste afluxo de pessoas chegou ao Brasil por via terrestre, cruzando a fronteira entre os estados de Roraima e Bolívar.

O Estado de Roraima tem cerca de 1.922 quilômetros de fronteiras internacionais, das quais: 958 quilômetros com a Guiana; e 964 quilômetros com a Venezuela. A fronteira Brasil-Venezuela é dominada por uma vegetação do tipo cerrado e tem como principais pontos de ocupação humana as cidades de Santa Elena de Uairén – 30 mil habitantes (Venezuela) e Pacaraima – 12 mil habitantes (Brasil). Na Venezuela, a Ruta 10 liga a região ao Caribe e a capital Caracas. No Brasil, a BR-174 liga a fronteira à Manaus (Amazonas), passando pela capital do estado de Roraima, Boa Vista (cerca de 200 quilômetros) (FRANCHI, 2019) (ver anexo I).

Como outros estados da Amazônia Legal, Roraima é um estado com baixa densidade demográfica, devido a relação da pequena população (cerca de 500 mil habitantes) em relação ao seu Território. Uma das implicações desta pequena população é que em 2016 e 2017, quando começam a chegar os imigrantes venezuelanos, o planejamento do estado e suas infraestruturas estavam dimensionadas para atender apenas sua população (CERÁVOLO, 2019). Desde 2016, os migrantes, até então sem apoio oficial, contavam com a atuação decentralizadas e não coordenada de entidades religiosas, do município e do estado (SIMÕES, 2017). Na época já havia insistentes pedidos do governo estadual à administração federal, inclusive com decretos de calamidade pública em Saúde (RORAIMA, 2016). Ao final do ano de 2017 o fluxo de migrantes aumentou, colocando em risco de colapso o sistema de saúde.

A Operação Acolhida, criada em 2018, está voltada para atender a este fluxo de pessoas. Nosso objetivo com este texto é apresentar os dados e fazer um balanço das ações realizadas durante o ano de 2019.

A OPERAÇÃO ACOLHIDA

Frente ao quadro enfrentado pelo Estado de Roraima e pelos venezuelanos que adentravam o país em situação de vulnerabilidade, o governo federal editou três decretos iniciais e uma lei. O Decreto nº 9.285, de 15 de fevereiro de 2018, que reconhece a situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária na República Bolivariana da Venezuela. O Decreto nº 9.286, de 15 de fevereiro de 2018, que define a composição, as competências e as normas de funcionamento do Comitê Federal de Assistência Emergencial para acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária. A Lei nº 13684, de 21 de junho de 2018, que dispõe sobre medidas de assistência emergencial para acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária; e dá outras providências. Por fim, no ano seguinte, foi editado o Decreto nº 9.970, de 14 de agosto de 2019, que atualiza e dispõe sobre o Comitê Federal de Assistência Emergencial.

Os trabalhos tiveram início em março de 2018, norteados por três tarefas essenciais: Ordenamento da Fronteira, Abrigamento e Interiorização. Nesse sentido, um novo decreto foi editado em agosto de 2019, visando reestruturar e definir papéis para os ministérios, conforme o desenhado no seu Art. 6º da lei supra.

Art. 6º O Comitê Federal de Assistência Emergencial contará com os seguintes Subcomitês Federais:

I - Subcomitê Federal para Recepção, Identificação e Triagem dos Imigrantes (coordenação MJSP);

II - Subcomitê Federal para Acolhimento aos Imigrantes em Situação de Vulnerabilidade (coordenação Min Cidadania);

III - Subcomitê Federal para Interiorização (coordenação Min Cidadania); e

IV - Subcomitê Federal para Ações de Saúde aos Imigrantes (coordenação Min Saúde).5

Dessa forma, o Comitê Federal de Assistência Emergencial, presidido pela Casa Civil, foi organizado em subcomitês, para atuar no atendimento emergencial do fluxo migratório venezuelano nas três vertentes já citadas. O Ministério da Defesa é o responsável pela coordenação operacional dos trabalhos, por meio da Força-Tarefa Logística Humanitária. Com o desenvolvimento da operação, vários órgãos foram agregados. Coube ao Exército Brasileiro uma parcela substancial do esforço na Força Tarefa Logística Humanitária, devido à sua presença em toda Amazônia Brasileira, em especial na faixa de fronteira de Roraima (FRANCHI et al., 2011)

A Tabela Nr 1 traz um breve inventário das agências participantes, atualmente em vigor na Operação Acolhida. Trata-se de um conjunto de órgãos governamentais, não governamentais, agências internacionais e outros parceiros que trabalham em perfeita integração.

Para as ações de Ordenamento da Fronteira foi necessário desdobrar uma série de estruturas administrativas para dar agilidade de atendimento aos imigrantes, uma vez que as existentes colapsaram completamente. Assim, em Pacaraima, a cidade da fronteira, Boa Vista e por fim Manaus, foram aplicadas instalações específicas para lidar com o fluxo de venezuelanos. Nessas instalações é possível obter os protocolos de refúgio ou residência temporária, CPF, vacinação, carteira de trabalho digital e iniciar, em boas condições, os processos de interiorização, tratados mais a frente.

O tratamento aos venezuelanos é feito de maneira a respeitar a condição de cada individuo que passa pela sessão de triagem, sendo que: são considerados refugiados os que assim se declaram, por sentirem-se perseguidos em virtude de orientação política, convicção religiosa, e demais formas previstas em lei; e migrantes os residentes temporários os que assim se declaram. Ainda existem o caso de turistas que passam pala fronteira com vistos de temporários com período temporário menor. Moradores da faixa de fronteira, por vezes tem familiares em ambos os lados da fronteira e transitam utilizando visto de turistas, quando não tem dupla cidadania.

Para as ações de Ordenamento da Fronteira foi necessário desdobrar uma série de estruturas administrativas para dar agilidade de atendimento aos imigrantes, uma vez que as existentes colapsaram completamente. Assim, em Pacaraima, a cidade da fronteira, Boa Vista e por fim Manaus, foram aplicadas instalações específicas para lidar com o fluxo de venezuelanos. Nessas instalações é possível obter os protocolos de refúgio ou residência temporária, CPF, vacinação, carteira de trabalho digital e iniciar, em boas condições, os processos de interiorização, tratados mais a frente.

O tratamento aos venezuelanos é feito de maneira a respeitar a condição de cada individuo que passa pela sessão de triagem, sendo que: são considerados refugiados os que assim se declaram, por sentirem-se perseguidos em virtude de orientação política, convicção religiosa, e demais formas previstas em lei; e migrantes os residentes temporários os que assim se declaram. Ainda existem o caso de turistas que passam pala fronteira com vistos de temporários com período temporário menor. Moradores da faixa de fronteira, por vezes tem familiares em ambos os lados da fronteira e transitam utilizando visto de turistas, quando não tem dupla cidadania.

Tabela Nr 1 – Resumo das instituições envolvidas na Operação Acolhida
tabelaopacolhidaFonte: Sumário diário de situação – FT Log Hum, de 31 de março de 2020.

 

Foto 1 – Posicionamento das Instalações desdobradas em Pacaraima.
maparelevoFonte:Operação Acolhida.

 Uma vez o fluxo migratório organizado, foi necessário dar dignidade às pessoas que estavam espalhadas pelas ruas e praças do Estado de Roraima. Nesse sentido, foram organizados abrigos, em parceria com o ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados), para receberem os migrantes venezuelanos. Atualmente são onze abrigos oficiais em Boa Vista, onde as pessoas possuem um abrigo, comida e o tratamento médico-sanitário adequado. Além dessas instalações, outras também foram organizadas para atenderem os migrantes que porventura não tiveram acesso ao abrigamento. É o caso das estruturas organizadas na rodoviária de Boa Vista, um dos locais mais afetados pelo caos urbano.

Foto 2 – Desdobramento dos Abrigos em Boa Vista.
abrigoopacolhidaFonte:Operação Acolhida.

 

Foto 3 – Instalações de apoio na Rodoviária em Boa Vista.
mapaopacolhidaFonte:Operação Acolhida, 2020.

 

Uma vez estabilizadas as ações anteriores, a tarefa mais importante na Operação Acolhida no presente momento é a interiorização dos imigrantes. É este processo que está promovendo a inserção social dos refugiados em outras partes do Brasil.

ACOLHIDA EM NÚMEROS

Para que se tenha uma ideia da dimensão das atividades desempenhadas, o balanço de suas tarefas essenciais, prognósticos e outros, a seguir, serão apresentados alguns dados produzidos pela Operação até o final do mês de março deste ano. Esses dados compõem um relatório interno que é o Sumário Diário de Situação – FT Log Hum. Os dados que apresentamos aqui são referentes a dados do dia 31 de dezembro e de 2019 e 31 de março de 2020.

O primeiro dado apresentado é o fluxo de venezuelanos que entra e sai por Pacaraima, a cidade brasileira localizada na fronteira com a Venezuela. De acordo com o Gráfico Nr 1, tanto em 2018, quanto em 2019, o mês de agosto apresentou um pico, muito provavelmente por se tratar de férias escolares naquele país. Por outro lado, no mês de março (em 2018, foi o início do registro) de 2019, houve uma queda acentuada no número de entradas devido aos protestos generalizados liderados por Juan Guaidó, para derrubar o regime de Maduro, paralisando consideravelmente a movimentação interna de pessoas naquele país. Vale salientar que o ano de 2020 deverá apresentar números bem distintos, uma vez que, pela primeira vez, desde o início da operação, a fronteira do lado brasileiro foi fechada, paralisando quase que totalmente as ações relativas ao ordenamento e controle de fluxo na fronteira. Com o fechamento da fronteira, houve um receio inicial de que o movimento migratório prosseguisse, como aconteceu em 2018, quando do fechamento da mesma por iniciativa da Venezuela, mas, a uma primeira vista, a paralisia na circulação de pessoas, em virtude das ações excepcionais de combate ao COVID-19, tem refutado essa expectativa.

O Gráfico Nr 1, a seguir, apresenta o movimento de entrada e saída por Pacaraima-RR, desde o início da Operação até o final do mês de março de 2020.

As Tabelas Nr 2 e 3 apresentam o esforço de abrigamento nas diversas instalações da Operação Acolhida.

Um dado que as tabelas não mostram é que além dos abrigos diferenciados para os indígenas, existem também abrigos específicos para famílias, indivíduos solteiros (diferenciados por sexos) e público LGBT. Essa diferenciação promove uma maior segurança dos indivíduos.

Gráfico Nr 1: Média Mensal de Entrada e Saída por Pacaraima.
graficofluxomigratorioFonte:Sumário diário de situação – FT Log Hum, de 31 de março de 2020.

 

Tabela Nr 2 – Imigrantes acolhidos em abrigos.
sumarioopacolhida1Fonte:Sumário diário de situação – FT Log Hum, de 31 de março de 2020.

 

Tabela Nr 3 – Imigrantes acolhidos em Alojamentos de Trânsito
sumarioopacolhida2Fonte:Sumário diário de situação – FT Log Hum, de 31 de março de 2020.

 

No que tange ao abrigamento dos migrantes, em torno de 6000 pessoas foram beneficiadas mensalmente pela FT Log Hum (Boa Vista, Pacaraima e Manaus). É importante ressaltar que os alojamentos de Pacaraima e Manaus são de passagem e visam o encaminhamento dos migrantes para a interiorização. Hoje, o maior desafio é o convencimento dos venezuelanos que estão abrigados para participarem do processo de interiorização. Em entrevistas com eles, tem-se percebido que os beneficiários não querem se afastar de Boa Vista, pois preferem permanecer perto de seu país para retornarem tão logo a situação melhore.

Para atender às demandas de alimentação da população migrante, a Operação Acolhida se encarrega da distribuição de refeições, conforme a Tabela Nr 4, a seguir. As etapas de alimentação consistem em café da manhã, almoço e jantar.

O Gráfico Nr 2, a seguir, traz um inventário das ocupações irregulares na cidade de Boa Vista. Estas ocupações espontâneas ocorrem desde o início da chegada dos venezuelanos em Roraima, sendo uma constante preocupação ao poder público.

Tabela Nr 4 - Fornecimento de alimentação
sumarioopacolhida3

 

Gráfico Nr 2: Inventário das ocupações espontâneas.
graficoopacolhida1Fonte:Sumário diário de situação – FT Log Hum, de 31 de março de 2020.

 

A capacidade/velocidade de interiorização é menor que o fluxo que adentrava o Brasil, sem contar o passivo existente desde antes de março de 2018 (início dos trabalhos). Isso tem provocado uma série de problemas na capital Roraimense: sobrecarga do sistema de saúde e educação; invasões às propriedades ociosas, tanto públicas como privadas; além de que existe um número reduzido de migrantes desabrigados e outros abrigados precariamente (FRANCHI, 2019; OIM, 2019). Estima-se que mais de 3 (três) mil pessoas vivam nessa situação, ou seja, em condições sanitárias precárias. No entanto, a FT Log Hum tem envidado esforços para mitigar esta situação. Foi criada uma equipe que está dedicada a acompanhar a situação dessas pessoas, fornecendo donativos, cadastrando-os para a interiorização, entre outras coisas. Além disso, foi elaborado um plano, em cooperação com as demais agências, a fim de por termo às ocupações, removendo os imigrantes para os abrigos oficiais ou enviando-os para a interiorização. Para regular esta ação foi criado o Plano Emergencial para Ocupações Espontâneas, (FT Log Hum, 2019).

O Gráfico Nr 3, mostra o a variação do fluxo de interiorização desde seu início em 2018.

Gráfico Nr 3: Processos de Interiorização por Modalidade.
graficoopacolhida2Fonte:Sumário diário de situação – FT Log Hum, de 31 de março de 2020.

 

Ao cabo de dois anos da operação, a tarefa mais importante é a interiorização. Trata-se do movimento ordenado dos migrantes em direção ao interior do Brasil, de modo a desafogar o estado de Roraima, principalmente em seus serviços básicos. Ao transferir os migrantes em números pequenos para estados mais populosos e com melhor infraestrutura, a inserção destes migrantes é facilitada. É, sem dúvida, a tarefa mais complexa da Acolhida, uma vez que há um sem número de atores envolvidos (interdependentes), que dependem de um esforço logístico multimodal bastante dispendioso para o país.

A seguir, o Gráfico Nr 4 mostra a distribuição dos interiorizados por regiões do país.

Gráfico Nr 4: Processos de Interiorização por Região
graficoopacolhida3Fonte:Sumário diário de situação – FT Log Hum, de 31 de março de 2020.

 

Para levar a efeito esta tarefa, foram desenvolvidos alguns processos, de acordo com a situação individual de cada imigrante, das disponibilidades do Estado e/ou da sociedade como um todo. Nesse sentido, no ano de 2019, quase 26 mil migrantes venezuelanos foram interiorizados para diversas cidades brasileiras, por meio das cinco modalidades existentes: 1) Reunificação Familiar - o migrante e refugiados tem a oportunidade de encontrar um familiar (desde que tenha vínculo comprovado por documento), que já se encontra na cidade de destino; 2) Reunião Social - o migrante e refugiado encontra na cidade de destino um amigo, ou algum outro receptor que esteja apto a recebê-lo voluntariamente; 3) Proposta de Vaga de Emprego Sinalizado (PVES) - por meio de contato prévio com empresas e seleção dentro do banco de competências, o migrante e refugiado tem a oportunidade de ser interiorizado com um emprego e uma bolsa financeira para se manter até receber seu primeiro salário; 4) Institucional - por intermédio da Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), o migrante e refugiado deixa os abrigos de Boa Vista ou Pacaraima e se instala em abrigos de outras cidades; e 5) Sociedade Civil - Instituições civis organizadas realizam a transferência de migrantes, utilizando sua capilaridade no território nacional (Igrejas, ONG, etc).

CONSIDERAÇÕES

Com base nos dados apresentados nas páginas anteriores traçamos algumas observações.

A primeira etapa do texto apresentou as dimensões da estrutura montada em Roraima (Boa Vista e Pacaraima) e Amazonas (Manaus) e das ações que permitem o abrigamento dos deslocados venezuelanos e a prestação de serviços de suporte como a alimentação. Não foram abordados a vacinação, os atendimentos médicos-odontológicos, serviços de provedor de internet e os serviços de lavanderias por entendermos que são complementares ao abrigamento e objetos de trabalho posterior. É importante ressaltar aqui a decisão da Operação em criar diversos abrigos menores ao invés de adotar o modelo de Campo de Refugiados concentrados. Embora, este modelo exija uma coordenação mais complexa com as mais de 100 agências e entidades que colaboram com a manutenção dos abrigos, por outro lado, possibilita criar abrigos mais familiares, abrigos para indígenas, abrigos para solteiros(as) e para outros segmentos de populações, proporcionando mais segurança ao promover a separação de públicos distintos.

A partir do Gráfico 1, fica claro que a entrada de venezuelanos nos abrigos da Operação Acolhida aumentou em relação à 2018. Somente em novembro e dezembro observamos uma retração. Historicamente em 2018 e 2019 houve uma diminuição da procura por vagas em abrigos. Os dados de 2020 (também disponíveis) parecem seguir os anos anteriores. Os processos de atração e repulsão que conduzem à estas dinâmicas precisam ser mais bem compreendidos. Uma especulação é o retorno de parte da população abrigada para a Venezuela em busca de congregar-se com familiares no período natalino e de férias escolares. As saídas dos abrigos são menores que as entradas, mostrando tanto a permanência quanto um ligeiro aumento na população abrigada. Esse aumento fica ainda mais claro se observamos os dados do Gráfico 3 com os dados da Interiorização dos Venezuelanos. No Gráfico 3 é possível observar que entre abril de 2019 a janeiro de 2020 o número total de venezuelanos interiorizadas passa da casa das centenas para a casa dos milhares. Culminando com 3.319 interiorizados nos meses finais de 2019, que contribuíram para os 25.973 venezuelanos interiorizados até dezembro de 2019 (gráfico 4). Estes números espelham os resultados de dois dos eixos de atuação da Operação Acolhida desde sua criação em 2018, os eixos de Abrigamento e Interiorização. É a dimensão humana da Operação Acolhida que vem dando suporte a milhares de venezuelanos em situação de vulnerabilidade que chegam ao território brasileiro.

Em março de 2020, a Operação Acolhida completou 2 (dois) anos de efetivo serviço, tentando mitigar o impacto do surto migratório de venezuelanos (e de cubanos e haitianos, em menor escala) no Estado de Roraima. Neste momento, o foco das operações é o combate ao Corona vírus (SARS-2 COVID ou Covid-19). A fronteira Brasil-Venezuela está fechada desde o dia 17 de março, a fim de diminuir as possibilidades de transmissão. Em que pese o fechamento da fronteira em virtude do combate ao Corona vírus, as tarefas principais da Operação Acolhida permanecem. As ações de ordenamento da fronteira estão congeladas, dedicando seu tempo às tarefas burocráticas de legalização de documentos, principalmente para a interiorização. Os abrigos oficiais da Operação continuam recebendo imigrantes, bem como provendo teto e alimentação aos vulneráveis, que estavam nas ocupações espontâneas, à medida que os processos de interiorização avançam (mais lentos, claro) e novas vagas vão surgindo nos abrigos. Ainda é cedo para se avaliar os impactos que o fechamento da fronteira e a diminuição do ritmo de interiorização causarão no ordenamento urbano do Estado de Roraima, e principalmente na cidade de Boa Vista. Inibir fluxo irregular de migrantes que ocorriam nos anos anteriores foi uma das causas para a ativação da Operação Acolhida. A possibilidade de entrar regularmente e ser abrigado atraíram os venezuelanos necessitados. O fim desta possibilidade de entrada regular, sem a melhora de condições básicas na Venezuela pode acarretar um novo fluxo de entrada irregular ao qual é preciso estar atento.

Rio de Janeiro - RJ, 20 de maio de 2020.


1 Esse trabalho está inserido nas atividades do projeto Defesa Nacional, Fronteiras e Migrações: estudos sobre Ajuda Humanitária e Segurança Integrada (Edital PROCAD-Defesa 2019) com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do Ministério da Defesa.
2 https://www.acnur.org/portugues/venezuela. Acesso em 29 de abril de 2020.
3 https://fragilestatesindex.org/2019/04/06/the-sick-man-of-south-america. Acesso em 29 de abril de 2020.
4 https://r4v.info/en/situations/platform. Acesso em 29 de abril de 2020.
5 DECRETO Nº 9.970, DE 14 DE AGOSTO DE 2019 - Dispõe sobre o Comitê Federal de Assistência Emergencial.


Como Citar este documento:

SIMÕES, Luciano Correa; FRANCHI, Tássio. Observatório Militar da Praia Vermelha. Rio de Janeiro: ECEME, 2020.


Referências:

ACNUR. Anuarios estadísticos. Disponível em: https://www.acnur.org/datos-basicos.html. Acesso em: 27 abr 2020._______. Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/venezuela. Acesso em 29 de abril de 2020.

BRASIL. DECRETO Nº 9.285, DE 15 DE FEVEREIRO DE 2018 - reconhece a situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária na República Bolivariana da Venezuela.

________. DECRETO Nº 9.286, DE 15 DE FEVEREIRO DE 2018 - define a composição, as competências e as normas de funcionamento do Comitê Federal de Assistência Emergencial para acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária.

_________. LEI Nº 13684, DE 21 DE JUNHO DE 2018 - Dispõe sobre medidas de assistência emergencial para acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária; e dá outras providências.

BRASIL, Ministério da Defesa. Plano Operacional da Operação Acolhida – 2020 (Em atualização)

________. FT Log Hum. Plano de Reestruturação e Transição da Operação Acolhida - MOp 010-D3, de 25 JUN 19. (acesso restrito)

_________. FT Log Hum. Plano Operacional Nr 02 – Ativação da Base Manaus (MOp 011-D3 Intensificação nas ações de interiorização, de 25 JUN 19) (acesso restrito).

_________. FT Log Hum. Ordem Fragmentária Nr 01 – Interiorização (MOp 011-D3 Intensificação nas ações de interiorização, de 25 JUN 19). (acesso restrito)

_________. FT Log Hum. Plano Emergencial para Ocupações Espontâneas (em vigor a partir de MAR 20). (acesso restrito)

_________. FT Log Hum. Plano Emergencial de Contingenciamento para COVID-19 (Atualizado em 27 MAR 20). (acesso restrito)

CERÁVOLO, L. E. S. Respostas do Governo Brasileiro frente à migração de venezuelanos para Roraima (2015-2018). Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. Rio de janeiro. 2019.

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ANEXO I - Imagem da Caracterização da Rota terrestres que liga a Santa Helena (Venezuela) até Manaus (Brasil).

mapasateliteFonte: Franchi, 2019.




64498.005024/2020-45

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