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Preparação de contingente para a Operação Acolhida

Publicado: Segunda, 23 de Agosto de 2021, 09h00 | Última atualização em Terça, 24 de Agosto de 2021, 10h55 | Acessos: 849

André Vicente Scafutto de Menezes

Mestre em Ciências Militares

 

1. Introdução

A Operação Acolhida foi a resposta dada pelo governo brasileiro a fim de conter, dentro do território nacional, os efeitos da crise humanitária que atingia intensamente o estado de Roraima, mais diretamente a sua capital, Boa Vista, com o grande fluxo migratório oriundo da Venezuela. Para tanto, montou um gabinete interministerial e designou um oficial general como coordenador operacional e comandante de uma Força Tarefa Logística Humanitária. A missão inicial buscava evitar o colapso econômico-social e urbano daquela região afetada, coordenar os esforços humanitários e buscar soluções. Constitucionalmente, o Brasil não traz restrições ao acesso de migrantes e, por diversos tratados, ratifica sua condição de recepção de estrangeiros e de apoio aos mais necessitados. Assim, desde o início de 2018, mais de 10 (dez) contingentes militares foram formados, cada um oriundo de um ou mais Comandos Militares de Áreas (Cmdo Mil A) que, trabalhando em conjunto com as agências da Organização das Nações Unidas (ONU), vão cumprindo suas missões.

Este autor integrou o 7º Contingente, operando do final de novembro de 2019 a início de abril de 2020. O Exército, maior efetivo, foi oriundo do Comando Militar do Leste (CML - cuja área geográfica é grande parte do sudeste brasileiro, cujas exceções são o Estado de São Paulo e o Triângulo Mineiro). Em linhas gerais, a quase totalidade dos militares veio dos quarteis dessa região brasileira, mas houve exceções, perfazendo um total que ultrapassou 600 (seiscentos) homens e mulheres. A função do autor foi a coordenadoria da célula Manaus, contando com 50 (cinquenta) militares. Este artigo é de opinião e fruto da vivência do autor e a metodologia está assim calcada dessa forma, visando fazer algumas considerações sobre a preparação dos contingentes para essa missão a partir dessa experiência.

2. Seleção de pessoal

O mais importante para o cumprimento dessa tarefa, além da definição de que se deve fazer, é a seleção de pessoal. O Coordenador Operacional e o Subcoordenador Operacional já são definidos pelo Alto Comando, após consulta junto ao Departamento Geral do Pessoal (DGP) e ao Comando de Operações Terrestres (COTER). Existe a participação do Ministério da Defesa e da comissão interministerial que tem a chancela nesse processo. Resta o contingente da Força Tarefa Logística Humanitária propriamente dita, com um Chefe do Estado-Maior (CHEM) e as células e funções específicas dentro de um Quadro de Organização estabelecido, que orienta quem ocupará cada cargo, sendo todos militares das três Forças Armadas.

O Comandante Militar de Área designado para o período (meses antes do início da missão) define o nome do militar que será o CHEM (sempre do Exército) e, a partir daí, são compostos os diversos cargos. Em linha geral, esse CHEM escolhe o seu Estado-Maior e suas principais chefias, se do Exército, enquanto monitora a complementação dos claros. Esse trabalho é sensível e complexo, pois envolve, por vezes, um trabalho de convencimento e negociação junto as diversas chefias, após o aceite de determinado militar. Mais do que isso, cada militar precisa ser voluntário, estar apto nos exames de saúde, físico e psicológico. Fora isso, há a questão relacionada às qualificações e especialidades – sejam na área da saúde, do direito, da assistência social e outras tantas – muitas das quais não estão presentes na região brasileira buscada. Desse modo, é muito comum a existência de militares provenientes de outras regiões brasileiras.

Há, ainda, as questões diversas: o cuidado de se manter a questão da antiguidade militar em determinada célula e a busca de se ter pessoas que já tenham trabalhado juntas em algumas colocações para melhoria do desempenho da mesma. Fora isso, a procura por perfis que se enquadrem, em termos de sensibilidade da missão, que tenham a compreensão da complexidade da tarefa, da necessidade de coordenação de esforços com os diversos atores envolvidos e nas possíveis repercussões em termos dos problemas que são comuns nessa situação, muitos dos quais podendo ter repercussão fora das Forças Armadas ou fora do País, dependendo da gravidade dos mesmos.

Importante salientar a questão dos benefícios ou limitações da missão. Além da satisfação pessoal, profissional ou particular, por ser um integrante da operação, desempenhando um papel importante, perante a instituição Exército (Forças Armadas, pode-se dizer), a Nação Brasileira e a todos os envolvidos, tem o sentimento de humanidade, boas ações e tudo o que remonta quando se participa de algo desse tipo. Ajudar pessoas comuns, estrangeiros, muitos com histórias interessantes (muitas crianças) e ver isso funcionar é uma motivação bem grande. Além disso, são dispostas outras questões, sejam boas ou ruins. Por outro lado, o afastamento do militar em relação a sua família, o permanente estado de prontidão, com uma carga maior de trabalho (expediente muito mais estendido, com muito menos tempo de descanso) e uma responsabilidade aumentada e intangível pela grande responsabilidade, quando se avalia os problemas que poderão advir, permite dizer que a missão como um todo é sacrificante, não é simples e tem que ter um firme propósito para se voluntariar.

Como foi visto, há muito o que se fazer para se montar um efetivo para cumprir uma missão desse tipo. Dessa forma, acredita-se que o grande desafio seja a composição de um contingente de qualidade com todas as capacidades requeridas. Já se sabe que a vocação militar é testada – muitos não voltam os mesmos. A mudança comportamental, a análise de suas prioridades pessoais e o impacto das experiências atuam naqueles que vivenciam a operação e é um dado a ser levado em consideração.

3. Atividades de preparação

Para uma tarefa como essa, há que se ter muita coordenação, a partir das reuniões com a nova equipe. Muitos contatos são firmados para se entender a missão, receber novas tarefas, agregar as funções chaves e negociar com todos os envolvidos para se dar o suporte requerido. Há também o reconhecimento, extremamente necessário para se ver no local as atividades futuras e reorientar a preparação. Por fim e não menos importante, a concentração dos efetivos e as diversas atividades preparatórias completam esse trabalho preparatório, agora não somente dos principais chefes, mas de todos envolvidos.

3.1 Reuniões de preparação

Não há como se planejar algo sem a devida coordenação. Mais ainda, só é possível entender o que se fazer quando todas as ideias então recebidas pelo CHEM, coordenador da montagem do contingente, tenham sido repassadas. É também a oportunidade de que todos os envolvidos em cargos de chefia possam se conhecer. Dessa maneira, ocorrem as reuniões. Serve como oportunidade para se repassar algumas necessidades ainda pendentes, como as funções não completadas, marcação de vacinação ou demais exames de saúde necessários, dentre tantas outras carências administrativas, como os meios disponíveis, necessidade de recursos e informações de pessoal, por exemplo.

Devido a impossibilidade de comparecimento físico de alguns de seus integrantes, as reuniões eram híbridas, com a participação de membros ausentes através de videoconferência, o que deve ser normal na maioria dos planejamentos por razões diversas. Criou-se, a partir dali, um hábito que iria prosseguir ao longo de toda a operação, principalmente quando havia sedes diferentes envolvidas (Boa Vista e Pacaraima em Roraima e Manaus no Amazonas). Não há como dispor dessa ferramenta de coordenação para uma missão tão complexa e distinta. Isso posto se deve a necessidade de se ter meios de Tecnologia da Informação disponíveis desde o início.

3.2 Reconhecimento

Para qualquer operação, ainda mais desse tipo, quer seja pelo ineditismo, complexidade ou necessidade de informações atuais e oportunas, há que se ter um reconhecimento. Neste caso, com a falta de procedimentos estruturados em manuais e sem memórias anteriores e com a mudança de rotinas a cada nova situação encontrada, um bom planejamento tem que ser antecedido por essa etapa. Além de melhor entender a situação local, favorece o início do estabelecimento das diversas ligações que serão necessárias para o desencadear das ações.

Como as tarefas são complexas e variadas, quanto mais pessoas for possível se levar, melhor, obviamente se esbarrando nas boas práticas e no controle orçamentário que qualquer administrador público tem que ter. Além de particularizar cada nível de responsabilidade que se tem, melhor será a condição de execução futura. Assim, todas as chefias devem se fazer representar e cada um tem que já ter uma boa compreensão de suas tarefas para se ter condições de realizar seus esclarecimentos. Se possível, levar inclusive pessoal administrativo que corrobora com a missão, não presentes no contingente, mas que também teriam importância na busca de informações, pois abreviariam possíveis problemas iniciais e até porque também manteriam esse apoio logístico mesmo a distância.

3.3 Concentração e instruções

Uma atividade crítica se refere a concentração de todos os militares envolvidos na futura missão, antevendo o seu embarque. A primeira medida é a definição das Organizações Militares (OM) hospedeiras para receber os efetivos, mesmo aqueles de outras OM da guarnição definida. Depois disso, tem que se realizar as coordenações administrativas necessárias com todos os envolvidos, quer seja transferência de etapas, Pedidos de Cooperação de Instrução (PCI) para as atividades após a reunião, contratação de ônibus, alocação de recursos específicos, escolha e definição de alojamentos e áreas de instrução, calendário de inspeções, dentre tantas outras atividades de preparo.

Tudo isso, obviamente, com o aval de todos os comandantes militares envolvidos e após minucioso planejamento. Com a chegada dos efetivos, além das instruções planejadas, há muito o que se fazer em termos administrativos, tais como: exames de saúde complementares, substituições (acontece de haver militares com problemas sérios surgidos numa última hora, sendo a última possibilidade dessa conduta), recebimento de material (fardamento, kits diversos e outros) e demais atividades, principalmente ligadas ao pessoal.

Ao mesmo tempo em que essas ações administrativas vão sendo realizadas, seguem as instruções, aquelas de caráter geral ou mesmo particular para cada grupo em suas especialidades, testes físicos e psicológicos, conduta auto para todos os habilitados como uma adaptação aos veículos militares utilizados na missão, idiomas, desenvolvimento de liderança, patrulhamento, cuidados com os civis, por exemplo. Ressalta-se a presença de agências das Nações Unidas (UNPFA, ACNUR, OIM, UNICEF, dentre outras) nessa fase, repassando diversas informações e cuidados preventivos para se evitar problemas diversos. Militares de outras Forças Armadas não participam dessa etapa – fazem suas preparações dentro de cada instituição. Haveria um ganho se fosse possível uma reunião de todos os militares anteriormente, devido a relevância da operação.

A preocupação de se criar um espírito militar coletivo para se alinhar procedimentos também é muito importante e dar o máximo de informações possíveis para todos. Tudo isso, a fim de dar um alinhamento de intenções, pois muitas tarefas são muito descentralizadas e a presença das chefias nem sempre se fará possível, havendo a necessidade de condutas individuais. Por fim, o contingente fica aguardando o seu momento de embarque e início de operação, feito em várias levas a fim de se permitir uma substituição adequada e sem solução de continuidade.

4. Considerações Finais

Relatar toda essa sequência pode parecer simples, mas muito desgaste existe em cada pequena fase e neste artigo foram dispostos algumas dessas questões. Problemas pessoais surgem, mudanças no planejamento logístico ou questões diversas, como a atual pandemia e outras variáveis também. Tudo isso atua diretamente afetando os participantes ou o planejamento como um todo.

Em termos da Operação Acolhida, o Estado Brasileiro tem trabalhado bem nisso. As suas instituições, principalmente as militares no nível federal, têm sido fundamentais para o seu sucesso, cujo portifólio de êxito está caracterizado na indicação para recebimento de prêmio internacional. A capacidade de bem cumprir as diversas missões, especifico a instituição Exército, principal componente desse trabalho, dá mostras da qualidade do profissional fardado que consegue, com a sua “mão amiga”, dar sempre um algo a mais para o sucesso de suas ações.

Finalizando este artigo, é necessário destacar que, cada vez mais, os contingentes têm sido repetidos e muita experiência já foi agregada, mas, sem dúvida, a preparação adequada é tão, senão mais importante, que a execução da missão da Operação Acolhida.

 

 Rio de Janeiro - RJ, 23 de agosto de 2021.


Como citar este documento:
MENEZES, André Vicente Scafutto de. Preparação de contingente para a Operação Acolhida. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2021.

 

64498.010652/2021-23

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