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Evitando a falência do estado brasileiro na segurança pública

Publicado: Terça, 22 de Mai de 2018, 08h01 | Última atualização em Quinta, 06 de Janeiro de 2022, 13h46 | Acessos: 1377

Major Maurício Aparecido França1

A NOÇÃO DE FALÊNCIA ESTATAL

O conceito de “estado falido” é útil a designar os países que vivem sob tensão permanente em virtude da incapacidade estatal em conter a violência interna proveniente de questões política, étnica, religiosa ou resultado do crime organizado. É um termo baseado em doze parâmetros que, integrados, fornecem uma visão clara da capacidade do poder público para lidar com a violência.

A organização americana, Founds for Peace, divulga anualmente um ranking dos países agrupados pelo seu nível de alerta que varia de “Very High Alert”, para países como Somália e a República Democrática do Congo, à “Very Sustaineble” que compreende países modelos em segurança como a Suécia e a Finlândia. Nessa escala de onze grupos, o Brasil está numa posição intermediaria sob a rubrica “Warning”, atrás da Argentina e do Chile, ambos reconhecidos como “More Stable” e do Uruguay, “Very Stable” segundo o estudo.

um primeiro momento, observam-se os indicadores socioeconômicos que englobam a pressão demográfica, a existência de refugiados/deslocados, os níveis de desigualdades econômicas, as tensões sociais, a emigração e a redução da pobreza. Na sequência, indicadores politico-militares são analisados tais como a legitimidade do poder do estado, os níveis dos serviços públicos, o respeito aos direitos humanos, o aparato de segurança pública, a atuação do Poder politico somente em prol de minorias e a influência estrangeira.

O CASO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

No contexto de intervenção federal no segurança publica do Estado do Rio de Janeiro, é interessante observar os parâmetros considerados para o setor com vistas a concluir sobre os desafios que a sociedade brasileira se depara nesse momento.

Não seria preciso estudar profundamente a problemática para se verificar a ocorrência dos alguns dos aspectos em negrito, notoriamente os relacionados ao Crime Organizado (CO). A situação atual compromete a ordem pública tal como ela é compreendida pelas Forças Armadas no glossário de termos militares:

“Conjunto de regras formais que emanam do ordenamento jurídico da nação, tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis do interesse público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo poder de polícia e constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem comum”.

Nesse contexto, o decreto presidencial determinou a intervenção federal face “ao grave comprometimento da ordem pública”. Ou seja, o poder federal reconhece que o Estado do Rio de Janeiro não possui condições para, neste momento, evitar o aumento da violência e, assim sendo, nomeou um militar para resolver o problema.

O General Braga Neto, Comandante Militar do Leste, estabeleceu dois grandes objetivos que representam o entendimento militar para a questão: “recuperar a capacidade operativa e baixar os índices de criminalidade”. Numa terminologia militar o que se busca é atingir um Estado Final Desejável (EFD) que seja compatível com a convivência harmoniosa e pacífica do cidadão, maior interessado em que a missão seja cumprida.

Seria ingênuo acreditar que somente a abordagem militar poderia por fim aos problemas de segurança no Rio de Janeiro no período de dez meses. Deve-se buscar uma solução ampla de modo a por fim ao “triângulo do ato criminoso”, conceito utilizado por Bauer e Soullez, no livro francês – “Commet Vivre au temps du Terrorisme – Vigilance, résilience, résitance”, 2017. Segundo os autores, o ato criminal acontece com base em três vértices: motivação, facilidade e impunidade.

Em uma simplificação, observemos o caso do tráfico de drogas: Os traficantes (Comando Vermelho, Amigos dos Amigos, Terceiro Comando Puro) são motivados a vender seus produtos à um mercado consumidor em franca expansão;

Para comercializar os seus produtos, as facilidades são muitas. Começam pela aceitação social do consumo, passam pela ineficácia dos Órgãos de Segurança Pública (OSP) em reprimir a venda e/ou o tráfico. Finalmente, parece que apenas as facções rivais se encarregam de dificultar uns aos outros; e

Todos esses fatores são potencializados pela sensação de impunidade que vigora atualmente. Com uma legislação processual lenta e permissiva, as consequências penais parecem não surtir o efeito desejado para o combate ao Crime Organizado (CO).

Seria razoável espelhar-se na estratégia adotada em Nova Iorque na década de 1990 quando a cidade era conhecida como “Capital do Crime”. Entre 1994 e 2002, o prefeito republicano Rudolph Giuliani implementou a “política da tolerância zero”, rompendo duas décadas de medidas liberais que haviam sido implementadas pelo partido conservador. Segundo o artigo de Patrick A. Langan, “ The Remarkable Drop in Crime in New York City”, 2004, o sucesso americano foi resultado das seguintes medidas:

Ampliação dos efetivos e reaparelhamento da polícia; Redirecionamento das patrulhas para o combate a desordem pública. Conhecido como “broken-windows policing”, o objetivo era coibir desde as simples infrações de vandalismo como forma de mudar o comportamento da população; Desenvolvimento de uma relação próxima com a comunidade – “community policing”;

Mudança na legislação penal com foco nos crimes com armas de fogo e nos crimes resultantes do tráfico de drogas; e “Tolerância Zero” pelas policias e pelo poder judiciário que finalmente gerou a mudança de atitude na população que também deixou de tolerar os pequenos delitos.

Sem dúvida a solução exigirá sacrifícios de todos para que o Estado do Rio de Janeiro e mesmo o Brasil não perca a guerra contra as organizações criminosas tornando-se um “estado falido” no setor. É valido lembrar as palavras de Churchil frente ao parlamento inglês em setembro de 1939: “ ... pode parecer paradoxal que uma guerra em nome da liberdade e do direito exija, durante sua execução, a restrição de um grande número de liberdades e de direitos os quais são caros a nos”.

Sem dúvida a solução exigirá sacrifícios de todos para que o Estado do Rio de Janeiro e mesmo o Brasil não perca a guerra contra as organizações criminosas tornando-se um “estado falido” no setor. É valido lembrar as palavras de Churchil frente ao parlamento inglês em setembro de 1939: “ ... pode parecer paradoxal que uma guerra em nome da liberdade e do direito exija, durante sua execução, a restrição de um grande número de liberdades e de direitos os quais são caros a nos”.


1- O autor é aluno do Curso de Estado-Maior da École de Guerre (Paris, França) e mestrando na École de Pratique de Hautes Études – Université Sorbonne. Maurício Aparecido França – Major do Exército Brasileiro École de Pratique de Hautes Études – Université Sorbonne (Paris/França)

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