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A falência do estado do Rio de Janeiro

Publicado: Terça, 10 de Abril de 2018, 08h01 | Última atualização em Quinta, 06 de Janeiro de 2022, 13h45 | Acessos: 1500

Major Anselmo de Oliveira Rodrigues

O TÉRMINO DA GUERRA FRIA E OS REFLEXOS PARA O BRASIL

O período que se descortinou no final da Guerra Fria trouxe consigo uma realidade complexa no mundo. Notou-se a emergência de diversos atores não estatais no Sistema Internacional possuindo “status” de Estados, ao mesmo tempo em que a dissolução da ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (ex-URSS) fazia surgir novos Estados independentes, todos sendo reconhecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU). Em meio a essa realidade, veio o Consenso de Washington e a globalização, fenômenos políticos que restringem o papel do Estado, direcionando algumas de suas prerrogativas para outros aparatos institucionais. Adiciona-se também a crescente importância a partir de 1990, de temas na agenda internacional como terrorismo, meio ambiente, tráfico de drogas, crescimento econômico, refugiados, dentre outros.
Como resultado dos aspectos citados, verifica-se uma mudança sistêmica da bipolaridade para a multipolaridade. Assim, a suposta estabilidade proporcionada pela Guerra Fria deu lugar a uma instabilidade multifacetada na qual uma miríade de atores, estatais e não estatais, passaram a interagir como jamais visto anteriormente e a leitura do cenário tornou-se uma tarefa por demais complexa.

O Brasil não ficou imune a essas transformações e reagiu a sua maneira diante da realidade que ora se apresentava. A promulgação da constituição brasileira em 1988, focando muito mais no cidadão do que no Estado; a adesão às diretrizes do Consenso de Washington e os efeitos na economia, provocando uma onda de privatizações em empresas e indústrias brasileiras que até então eram estatais e consideradas estratégicas para o país; a eleição para Presidente da República de Fernando Collor de Mello e seu consequente impeachment em 1992, produzindo efeitos imediatos na política nacional, são alguns dos fatos que marcaram o país na década de 1990.

Foi nessa época que a falência estatal do Estado do Rio de Janeiro ganhou impulso e novos contornos. O Estado passou a receber ajuda federal em eventos sensíveis de envergadura mundial, tais como a ECO 92 e a visita do Papa João Paulo II, em 1997. Durante essas ocasiões, as Forças Armadas cumpriram missões inerentes aos Órgãos de Segurança Pública. No caso da ECO 92, o aparato de segurança montado pelo Exército Brasileiro foi o grande responsável pelo aumento da percepção de segurança na cidade do Rio de Janeiro. Segundo estatísticas da Polícia Militar do Rio de Janeiro, durante esse período as reduções nos índices de criminalidade variaram entre 12,4% e 16,2% dependendo do local da cidade.

Mas o que era para ser uma ação episódica com a finalidade precípua em garantir a segurança e a execução de tais eventos, com o decorrer dos anos, a esfera federal passou a receber recorrentes solicitações do governo carioca para apoiar na área da segurança pública estadual.
Mas o que isso tem a ver com a falência estatal vivenciada pelo Rio de Janeiro?

O RETRATO DA FALÊNCIA ESTATAL DA CAPITAL FLUMINENSE

Relembrando as funções de um Estado, o que se espera do mesmo é que ele promova cinco valores basilares para a sociedade: segurança, liberdade, ordem, justiça e bem-estar. Um Estado pode ser considerado falido quando não consegue garantir esses valores, sendo que o mais importante de todos é a capacidade que o mesmo tem em proteger seus cidadãos e garantir adequada segurança para os indivíduos (MILLIKEN; KRAUSE, 2002).

Trinta anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Rio de Janeiro apresenta um cenário típico de falência estatal. Durante esse período, diversos atores operaram, erodindo gradativamente as instituições e minando a autoridade do Estado, gerando um cenário atual caracterizado pela estagnação econômica, pela infraestrutura precária, pela polarização da sociedade, pela corrupção dos agentes de governo em todos os níveis, pelo colapso das instituições de segurança estadual, por ações terroristas propagadas pelas facções criminosas em vários locais na cidade, dentre inúmeras outras.

Tendo em vista essa realidade e a incapacidade do governo fluminense em lidar com essas questões e administrar efetivamente o Estado, o Presidente da República Michel Temer nomeou em fevereiro de 2018, por meio de um decreto, o General-de-Exército Braga Netto como interventor federal voltado exclusivamente para as ações relativas à segurança no Estado do Rio de Janeiro até o final de 2018. Esse, por sua vez, nomeou o General-de-Divisão Sinott como Chefe de Gabinete da Intervenção e o General-de-Divisão Richard, como Secretário de Segurança Pública do Estado. Esse fato foi inédito na história recente do país. Convém lembrar que desde a constituição de 1988 o governo federal não havia atuado tão incisivamente e delegado tantos poderes para os militares. Como consequência direta, setores da sociedade se manifestaram a favor e outros setores contra essa medida, sob as mais diversas alegações e embasamentos.

A nova cúpula da segurança do Rio de Janeiro propôs e sinalizou medidas estruturantes que devem ser tomadas com o propósito de deixar um legado para a sociedade fluminense. Em discursos e entrevistas, os militares mencionaram que pretendem desenvolver ações que envolvam todos os atores envolvidos na segurança. Em outras palavras, os mesmos desejam diminuir o nível de falência estatal que o Rio de Janeiro possui atualmente.

A medida tomada pelo presidente da República, possivelmente, não deverá surtir o efeito desejado, pois o limitado período da intervenção federal (11 meses), não é minimamente adequado para a concretização das ações estruturantes mencionadas pelos militares. A história é recheada de casos históricos que justificam essa assertiva, mas particularmente o emprego das tropas brasileiras no Haiti; e o histórico da ONU em operações de paz, proporcionado pelo registro de mais de 55 missões dessa natureza, que foram realizadas a partir da década de 1990, são dois dos fatos mais emblemáticos. Não raro, verificou-se que as operações de paz necessitaram de um alargado período de tempo para, efetivamente, estabilizar os locais em conflito e criar as condições necessárias para que outras instituições pudessem promover o crescimento equilibrado e diminuir os níveis de falência estatal. E o que há no caso fluminense guarda semelhança, em muitos pontos, com o cenário vivenciado pela ONU nos locais em conflito, senão vejamos:

Primeiro, a falência estatal é oriunda de um quadro de degradação que erodiu a maior parte das instituições. Não obstante, também alcançou vários setores da sociedade, em particular os agentes públicos, as figuras políticas, a população de baixa renda, as universidades e os setores de comunicação. Ou seja, o problema não está centrado somente nas instituições de segurança. Para diminuir os níveis de falência estatal do Estado do Rio de Janeiro, há que se ter um entendimento de que se deve reconstruir grande parte das instituições, com destaque para as instituições de segurança e às voltadas para o sistema de educação.

Segundo, o Estado do Rio de Janeiro vive uma crise sem precedentes na história recente e que ganhou impulso e novas formas, há pelo menos 30 anos, e não será em 11 meses que o problema será equacionado. Não se interroga aqui os benefícios imediatos de tal medida, mas reconstruir, efetivamente, um Estado é algo que demanda tempo e envolvimento de todos, necessitando de uma série de ações governamentais, com foco na educação familiar e escolar (do fundamental à pós-graduação). Em suma, entende-se que uma reconstrução robusta e eficaz deveria durar por um alargado período de tempo (anos), pois se admite ser um tempo razoável para que ocorra uma reformulação no quadro político, uma renovação nas instituições, uma reforma no sistema de educação e, principalmente, a reconstrução dos valores elementares da sociedade.

Por fim, diante da crise que vem assolando de forma gradativa o Rio de Janeiro, um Estado que já foi a capital federal do país e goza o prestígio de ser a única cidade sul-americana que sediou os jogos olímpicos, é fundamental que haja um envolvimento de todos os setores da sociedade na formulação de ideias, ações e envolvimento para a resolução dessa crise, sob a pena de vermos o Estado e a sociedade se tornarem reféns de alguns atores não estatais.

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