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Consciência situacional e a inteligência militar

Publicado: Terça, 05 de Junho de 2018, 08h01 | Última atualização em Quinta, 06 de Janeiro de 2022, 13h46 | Acessos: 3614

Tenente-Coronel Dick Estevam Luconi Marques

O presente artigo tem por finalidade introduzir ao leitor o conceito de Consciência Situacional e algumas interações deste fundamento com a Inteligência Militar. Para tal, iniciamos utilizando o conceito de Consciência Situacional (Situational Awareness – SA), desenvolvido pelos estudos do Dr. Mica R. Endsley em seus artigos Toward a Theory of Situation Awareness in Dynamic Systems (Rumo a teoria da consciência situacional em sistemas dinâmicos) e Measurement of Situation Awareness in Dynamic Systems (Medição da consciência situacional em sistemas dinâmicos).

Em sua obra, Endsley estrutura um modelo teórico e uma medição empírica da consciência situacional baseados em seu papel na tomada de decisão humana, uma das referências de Consciência Situacional utilizados na Doutrina Militar Terrestre e na Inteligência Militar Terrestre do Exército Brasileiro. De acordo com o autor, Consciência Situacional (SA) é definida como “a percepção dos elementos do ambiente, a compreensão do seu significado e a projeção de seu estado no futuro próximo” (Endsley, 2005).

Historicamente, as pesquisas em Situational Awareness – SA, desenvolveram-se muito próximas ao setor aeronáutico – tanto o civil quanto o militar – uma vez que os pilotos necessitam manter alto grau de interação com o meio onde operam, pois utilizam um sistema que, se falhar, pode ter graves consequências. Nota-se já no início da formação conceitual de Situational Awareness, a profunda interdependência desta com os meios tecnológicos e o encadeamento da percepção do indivíduo.

O termo "consciência da situação(al)" (SA) foi adotado para descrever os processos de atenção, percepção e tomada de decisão, que juntos formam um modelo mental do piloto (Adams, Tenney e Pew, 1995). Hoje, SA é um dos tópicos de pesquisa mais proeminentes nos mais diversos campos, desde a inicial aviação até os meios empresariais e militares.

A Consciência Situacional fornece "a base primária para a tomada de decisão e para o desempenho subsequente na operação de sistemas complexos e dinâmicos". No seu nível mais baixo, o operador precisa perceber informações relevantes (no ambiente, sistema, capacidades, etc.), a fim de integrar os dados em conjunto com os objetivos da tarefa e, em seu nível mais alto, prever eventos futuros do sistema com base nesse entendimento (Endsley, 1995).

Percebe-se então, a necessidade de se prover a necessária informação do ambiente, das capacidades e das tarefas em execução ou futuras, para a perfeita compreensão do momento. Claramente, a Consciência Situacional é um rótulo apropriadamente descritivo para um fenômeno comportamental real e importante. A principal causa do erro humano, é a perda da SA (Flach e Warren, 1995).

Endsley (1995) afirma que há uma série de fatores que têm demonstrado influenciar o processo de aquisição e manutenção de SA. Em primeiro lugar, os indivíduos podem variar em sua capacidade de adquirir SA em função de suas habilidades cognitivas, o que por sua vez pode ser influenciado por habilidades inatas, experiência e treinamento. Além disso, os indivíduos podem possuir certos preconceitos e objetivos que podem influenciar sua percepção e interpretação de seu ambiente. Outras características influenciam também, como estresse, carga de trabalho, complexidade do sistema e assim por diante. Cabe destacar que todos os fatores supra mencionados, são mencionados no manual de Inteligência Militar Terrestre, mesmo que com outra linguagem

A Consciência Situacional exige que um operador "detecte, integre e interprete rapidamente os dados recolhidos do ambiente. Em muitas condições do mundo real, a consciência situacional é dificultada por dois fatores. Primeiro, os dados podem ser espalhados por todo o campo visual. Em segundo lugar, os dados são freqüentemente ruidosos" (Green, Odom, e Yates, 1995). E neste ponto destaca-se como é primordial a análise do dado, no caso das atividades militares, da atuação eficiente da Função de Combate Inteligência. O Sistema de Inteligência tem a primordial missão de dar confiabilidade ao dado e de prepará-lo para o perfeito entendimento de seu cliente, neste caso em estudo, do comandante militar.

A consciência situacional também é o conhecimento da disposição atual e de curto prazo, das forças amigas e inimigas, dentro da área de operações (Hamilton, 1987). Outros autores destilam quatro dimensões da Consciência Situacional a partir de uma coleção de definições: onde, o quê, quando e quem. Onde se refere à consciência espacial, o que caracteriza a consciência de identidade, quem está associado com responsabilidade, e quando significa consciência temporal (Harwood, Barnett e Wickens, 1988).

No Processo de Condução das Operações Terrestres (PCOT), estas mesmas perguntas surgem no levantamento das possibilidades do inimigo, demonstrando assim a relação existente da busca da SA no exame de situação do comandante militar. Esta missão é do Oficial de Inteligência do seu Estado Maior, integrado as demais funções de combate por meio de células funcionais ou células de integração

Com base nestas 4 dimensões, a consciência da situação baseia-se na integração de conhecimentos resultantes de avaliações recorrentes da situação (Sarter e Woods, 1991), ou seja, deve ser constantemente atualizada. Sendo assim, a SA é uma consciência adaptativa, dirigida externamente, que tem como seus produtos o conhecimento sobre um ambiente de tarefas dinâmico e ação dirigida dentro desse ambiente (Smith e Hancock, 1995). Neste caminho, a consciência situacional é provavelmente o estado pré-requisito do conhecimento para tomar decisões adaptativas em situações envolvendo incerteza. Já para Taylor (1990) a SA é o conhecimento, cognição e antecipação de eventos, fatores e variáveis que afetam a conduta segura, eficiente e eficaz da missão

É importante destacar que Consciência Situacional não é a tomada de decisão. Por exemplo, é possível ter SA elevado e mau desempenho, e ter SA baixo e bom desempenho. Assim, a Consciência Situacional conduz as decisões e respostas que constituem o desempenho, porém muitos outros fatores já citados, por exemplo, vieses emocionais, risco, carga de trabalho, influenciam esta mesma decisão. SA não é conhecimento implícito.

Para expandir esta definição, os autores descrevem as três fases hierárquicas de SA: percepção, compreensão e projeção:

Nível 1 de Consciência Situacional - Percepção dos elementos no ambiente: "O primeiro passo para alcançar SA envolve a percepção do status, atributos e dinâmicas de elementos relevantes no ambiente” (Endsley et al, 1998). Transportando para o meio militar, o Cmt deve saber qual sua força, quais meios estão disponíveis, bem como a atualização do tempo, os aspectos legais e outros pertinentes.

Por conseguinte, o nível 2 de Consciência Situacional - Compreensão da situação atual: “Vai além de simplesmente estar ciente dos elementos que estão presentes, para incluir uma compreensão da importância desses elementos à luz dos objetivos” (Endsley et al, 1998). Aqui pode-se juntar a importância dos eventos e o grau de prioridade de cada elemento presente na situação, como por exemplo, a legalidade, a imagem da força, a integridade fisica da tropa.

Por fim, o nível 3 de Consciência Situacional - Projeção de status futuro: "É a capacidade de projetar as ações futuras dos elementos no ambiente, pelo menos no curto prazo” (Endsley et al, 1998). Assim o Comandante pode melhor determinar a ação imediata da tropa e projetar sua ação futura, acessorado pelas demais funções de combate. Aqui então é o produto final do processo, esta capacidade forma o mais alto nível de Conhecimento da Situação, é a compreensão total da conjuntura.

Dominguez et al (1994) argumenta que a Consciência Situacional envolve a extração de informações do ambiente e a integração dessas informações com o conhecimento interno relevante para criar uma imagem mental da situação atual, ou seja, é um processo de aquisição e manutenção, é ativo e cíclico. A figura abaixo, representa esse processo cíclico e ativo.

Figura 1 - Modelo de SA de Endsley na tomada de decisão.

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Fonte - Measurement of situation awareness in dynamic systems. Human Factors.

Como já afirmado anteriormente, há uma série de fatores que têm demonstrado influenciar o processo de aquisição e manutenção de Consciência Situacional. Podemos aqui relembrar: habilidades cognitivas, habilidades inatas, experiência, treinamento, certos preconceitos e objetivos que podem influenciar sua percepção, estresse, carga de trabalho, complexidade do sistema e assim por diante.

Conclui-se então, que é um primordial aspecto para a aquisição da Consciência Situacional, o grau de confiabilidade que o processo de coleta e busca fornece as informações colhidas, bem como, no formato em que este conhecimento é apresentado.

Esta confiabilidade, agregrada a capacidade de compreender o cenário, gera a projeção futura e auxilia a tomada de decisão do comandante. Destaca-se que a principal característica da SA a ser perseguida pela Inteligência Militar é a manutenção desta confiabilidade e a sua atualização constante.

Por fim, após compreendermos o fundamento, notamos a perfeita sincronia da Inteligência Militar com a Consciência Situacional (Situational Awareness – SA). Ela proporcionará o grau de confiabilidade necessário ao dado obtido, empregará seus esforços na extração do conhecimento, manterá atualizada e, decidirá o melhor layout a ser utilizado na apresentação ao comandante, tudo isso de forma oportuna e eficaz.

BIBLIOGRAFIA

Adams, M. J., Tenney, Y. J., Pew, R. W. Situation awareness and the cognitive management of complex systems. Human Factors, 37, p. 85–104. 1995.

Brasil, Estado Maior do Exército. Processo de Planejamento e Condução das Operações Terrestres (PPCOT). EB20 – MC 10.211, 1ª Edição, Brasília. 2014.

______, Estado Maior do Exército. Inteligência. EB20 – MC 10.207, 1ª Edição, Brasília. 2015

______, Estado Maior do Exército. Inteligência Militar Terrestre. EB20-MF-10.107, 2ª Edição, Brasília. 2015.

Endsley, M. R. Situation awareness global assessment technique (SAGAT). Paper presented at the National Aerospace and Electronic Conference (NAECON). Dayton, OH. 1988.

____________. Measurement of situation awareness in dynamic systems. Human Factors. 1995.

Endsley, M. R. et al. A comparative analysis of SAGAT and SART for evaluations of Situational Awareness. Human Factors and Ergonomics Society 42nd Annual Meeting, 1998.

Flach, J. M. Situation awareness: Proceed with caution. Human Factors, 37, p. 149-157.1995.

Green, M., Odom, J. V., Yates, J. T. Measuring situational awareness with the “Ideal Observer”. Proceedings of the International Conference on Experimental Analysis and Measurement of Situation Awareness, Embry-Riddle Aeronautical University Press, 1995.

Hamilton, W. L. Situation Awareness Metrics Program. SAE Technical Paper Series No. 871767. Warrendale, PA: Society of Automotive Engineers, 1987.

Harwood, K., Barnett, B., Wickens, C.D. Situational awareness: A conceptual and methodological framework. In F.E. McIntire (Ed.) Proceedings of the 11th Biennial Psychology in the Department of Defense Symposium (pp. 23-7). Colorado Springs, CO: U.S. Air Force Academy. 1988.

Sarter, N. B., Woods, D. D. Situation awareness: A critical but ill-defined phenomenon. International Journal of Aviation Psychology, 1, p. 45-57, 1991.

Smith, K., Hancock, P. A. Situation Awareness Is Adaptive, Externally Directed Consciousness. Human Factors, 37 (1), p.137-148, 1995.

Taylor, R. M. Situational awareness: Aircrew constructs for subjective estimation (IAM Report 670). Famborough, Hampshire, England: Royal Air Force Institute of Aviation Medicine, 1990.

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