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Como entender a relação civil militar em operações militares

Publicado: Terça, 10 de Abril de 2018, 08h01 | Última atualização em Quinta, 06 de Janeiro de 2022, 13h45 | Acessos: 2041

Leonardo de Andrade Alves

Resumo: O presente artigo apresenta conceitos sobre a relação civil militar em operações de situação de guerra e não guerra. Os ambientes modernos e a complexidade dos diversos tipos de operações militares elencam novos atores, estatais ou não estatais, que estão cada vez mais presentes no emprego do Exército Brasileiro, que seja em território estrangeiro, seja nacional. É um artigo que se justifica pela sua relevância nos dias atuais, no qual se busca ampliar os estudos de segurança e defesa à sociedade, e pretende fornecer subsídios para futuras pesquisas científicas sobre a relação civil-militar.

Palavras-chaves: operações militares; relação civil-militar; Exército Brasileiro.

INTRODUÇÃO

As operações militares, nos dias atuais, apresentam-se em ambiente complexo, incerto e multidimensional, no qual diversos atores destacam-se, influenciando, diretamente ou indiretamente, no processo decisório dos comandantes militares, acrescentando novas especificidades nos ambientes operacionais, como a seguir: Na Era do Conhecimento, tornou-se comum a inserção de novos atores no Espaço de Batalha, inclusive de atores não estatais com elevado poder de influenciar opiniões e defender interesses de seus patrocinadores. São exemplos as organizações governamentais e não governamentais, as agências supranacionais de organismos internacionais e as já mencionadas mídias tradicionais e sociais. Muitos desses atores utilizam o denominado “espaço humanitário”, parte indissociável das áreas conflagradas(BRASIL, 2014, p. 4–6).

Segundo o manual EB70-MC-10.223 , do Exército Brasileiro, as operações militares se desenvolvem em todo o espectro dos conflitos, que varia, segundo o nível de engajamento, desde a prevenção de ameaças à solução dos conflitos armados, passando ou não pelo gerenciamento de crises. Neste sentido, as operações ocorrerão em situação de guerra, com predomínio da expressão militar, ou de não guerra.

Segundo Franke (2006), a cooperação entre civis e militares envolve a integração das capacidades militares tradicionais em uma resposta coletiva às necessidades humanas. No início, os atores civis e militares compartilham o objetivo de longo prazo de promover a segurança humana e desenvolver as condições para que as sociedades marcadas pelo conflito regressem às estruturas pacíficas e estáveis. Em resposta à crescente complexidade dos requisitos operacionais a estas demandas, os Estados reconhecem cada vez mais a intensificação da relação de trabalho entre atores militares e civis e tem desenvolvido suas próprias doutrinas especificando a natureza da cooperação civil-militar.

Aliado a este entendimento, no Brasil, os atores civis, estatais ou não, estão cada vez mais envolvidos com as atividades militares haja vista os mais variados empregos do Exército Brasileiro, em território nacional ou no exterior, como as operações de garantia da lei e da ordem, as ações subsidiárias em proveito do desenvolvimento nacional, as operações de segurança dos grandes eventos, as atividades de garantia da votação e apuração, o apoio aos desastres naturais, as operações de paz, dentre outras.

A fim de aclarar os conhecimentos, que possam ser difundidos junto à sociedade brasileira, este artigo, em uma perspectiva descritiva, está dividido em capítulos que abordam conceitos relacionados à relação civil militar para subsidiar o entendimento da seguinte questão do artigo: como é a relação civil militar, conceitualmente, em operações militares?

CONHECENDO A RELAÇÃO CIVIL MILITAR EM OUTROS PAÍSES

Segundo Olson e Gregorian (2007), a cooperação civil-militar (CIMIC) é a terminologia empregada pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a maioria dos países da União Europeia e do Canadá, sendo que os Estados Unidos preferem as Operações Civis - Militares (CMO). A Organização das Nações Unidas (ONU), ainda, usa a sigla CIMIC quando se refere à "Coordenação Civil Militar" e seu braço humanitário como Coordenação Humanitária Civil-Militar (CMCoord). Estas diferenças conceituais estão nos fundamentos e na abordagem da interface civil militar para as atividades de construção da paz, pelo mundo.

A OTAN possui um Centro de Excelência de Cooperação Civil-Militar (CCOE), localizado em Haia na Holanda, e define a CIMIC como “a coordenação e cooperação, em apoio às missões, entre os Comandantes na OTAN e os atores civis, incluindo a população nacional e as autoridades locais, e também as agências e as organizações nacionais, internacionais e não governamentais” (NATO, 2003, p. 1–1).

A ONU elenca que a CIMIC é a coordenação civil-militar da ONU (UN-CM Coord ou CIMIC) a qual se refere à função humanitária de coordenação civil-militar que fornece a interface necessária entre atores humanitários e militares para proteger e promover os princípios humanitários e alcançar os objetivos humanitários em emergências complexas e situações de desastres naturais (UNITED NATIONS, 2010, p.2)

O Exército de Terra da Espanha define CIMIC como uma função conjunta que abrange um conjunto integral de capacidades para apoiar a consecução dos objetivos da missão e possibilitar às organizações militares da OTAN sua participação efetiva em um amplo espectro de atividades de Interação Civil-Militar (CMI) com diferentes atores não militares. Este, ainda, possui o seguinte conceito para a CMI: é um grupo de atividades, baseadas na comunicação, no planejamento e na coordenação, que todas as estruturas militares da OTAN compartilham e conduzem com atores civis não militares internacionais e locais, tanto durante as operações militares quanto na preparação delas.

Os Estados Unidos, por meio do manual JP 3-57 , define as CMO como as atividades de um comandante executadas por elementos de assuntos civis designados ou outras forças militares que estabeleçam, mantenham, influenciem ou explorem relações entre forças militares, população e outras instituições, apoiando diretamente a conquista de objetivos relacionados ao restabelecimento ou à manutenção da estabilidade dentro de uma região ou país anfitrião. Cabe destacar que o Exército Americano possui um Centro de Estudos de CMO na Academia de West Point.

A RELAÇÃO CIVIL MILITAR NO EXÉRCITO BRASILEIRO

Pereira (2016) afirma que, no Exército Brasileiro, a doutrina de assuntos civis estava preconizada inicialmente no manual C 41-6 Assuntos Civis (anteprojeto), datado de 1987. Em razão dos conceitos surgidos com a Guerra do Golfo, houve a necessidade de atualização e revisão com o surgimento e a ampliação dos assuntos civis, além da participação do Brasil em missões de paz sob a égide da Organização das Nações Unidas (ONU).

Doutrinariamente, o Ministério da Defesa e o Exército, na última década, apresentaram conceitos básicos de Cooperação Civil Militar, em situação de guerra e de não guerra, por meio dos seguintes manuais: o MD34-M-02, Operações de Paz, em 2013, o MD30-M-12, Operações Interagências, em 2012, e EB20-MC-10.201, Operações em ambiente interagências, em 2013, para evidenciar a evolução do tema.

No que se refere à CIMIC em operações sob a égide de organismos internacionais, o Brasil, em especial o Exército Brasileiro, agregou muitos conhecimentos e capacidades com a participação das suas tropas na Missão das Nações Unidas de Estabilização do Haiti (MINUSTAH), no período de 2004 a 2017.

Inicialmente, para a preparação da tropa, o Exército Brasileiro, em 2005, criou o Centro de Instrução de Operações de Paz (CIOPaz) , que se transformou em Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB), em 2010, sob a tutela do Ministério da Defesa, o que reflete a sua importância para o país. Ao longo dos anos, a preparação das tropas brasileiras para missão de paz sempre foi conduzida por meio de cursos e estágios, destacando-se o de CIMIC , que eram baseados em Módulo Padrão de Treinamento da ONU (SGTM).

Em 2017, o Exército regulamentou o manual EB20-MF-10.221 o qual define que a cooperação civil-militar (CIMIC, sigla em inglês) caracteriza-se por atividades que buscam estabelecer, manter, influenciar ou explorar as relações entre as forças militares, as agências, as autoridades e a população em uma área operacional. Ela contribui para atingir os objetivos militares e garantir um ambiente seguro e estável, de acordo com a natureza da missão.

Além disto, o mesmo manual afirma que os Assuntos Civis são o conjunto de atividades referentes ao relacionamento do comandante e dos demais componentes de uma organização ou força militar com as autoridades civis e a população da área ou território, sob a responsabilidade ou jurisdição do comandante desta organização ou força. Este, ainda, regula todas as atividades na fase de planejamento e execução das atividades de CIMIC, em situação de guerra e não guerra.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A relação civil militar, quer seja por meio da Cooperação Ciivl Militar, ou pelos Assuntos Civis, nas suas formas conceituais diferentes, tem crescido de relevância nas operações militares por sua capacidade de favorecimento da consecução dos objetivos tanto na situação de guerra como não guerra.

Cabe ressaltar que, no Brasil e em outros países, de maneira conceitual, o foco desta relação é na contribuição dos melhores resultados para o relacionamento entre os atores civis e militares e o atendimento à população civil que necessita de uma assistência emergencial e/ou humanitária.

Por fim, entender o significado da relação civil militar, considerando coordenação ou cooperação, é de suma importância, nos dias atuais, haja vista as características dos ambientes operacionais e as especificidades das operações militares em território nacional ou no exterior, sob a égide da ONU, para a sinergia das ações que envolvem todos os atores.

REFERÊNCIAS

(NATO), NORTH ATLANTIC TREATY ORGANIZATION. AJP-9 NATO Civil-Military Cooperation (CIMIC) Doctrine. [S.l.]: 1 ed. , 2003

BRASIL .Exército. Estado-Maior. EB70-MC-10.221 Cooperação Civil-Militar. 1. ed. Brasília, DF, 2017a.

BRASIL .Exército. Estado-Maior. EB70-MC-10.223 Operações. . [S.l.]: 5.ed. Brasília, DF. , 2017b.

BRASIL. Exército. Estado-Maior. EB 20-MF-10.102 Doutrina Militar Terrestre. . [S.l.]: 1.ed. Brasília, DF. , 2014.

BRASIL. Ministério da Defesa. MD 33-M-12 Operações interagências. . [S.l.]: 1.ed. Brasília, DF. , 2012.

ESPANHA, EXÉRCITO DE TERRA. Interacción cívico-militar (cmi) y cooperación cívico-mlitar (cimic). . [S.l.]: Editora Granada. , 2016.

FRANKE, V. the Peacebuilding Dilemma: Civil-Military Cooperation in Stability Operations. International Peace Research Association (IPRA) International Journal of Peace Studies, v. 11, n. 2, p. 5–25, 2006.

OLSON, L.; GREGORIAN, H. Interagency and civil-military coordination: lessons from a survey of Afghanistan and Liberia. Journal of Military and Strategic Studies, v. 10, n. 1, p. 1–48, 2007.

PEREIRA, F. S. O ambiente interagências nas Operações de Pacificação do Complexo da Maré. 2016. Dissertação (Mestrado em Administração)- Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas. Rio de Janeiro, 2016.

UNITED NATIONS. Departament of Peacekeeping Operations. Civil-Military Coordination in UN Integrated Peacekeeping Missions (UN-CIMIC). New York, 2010.

USA. Joint Publication 3-57 Civil-Military Operations. . United States: [s.n.]. , 2013

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