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O sistema de defesa antimísseis israelense, uma transformacão na política estratégica israelense?

Publicado: Segunda, 19 de Julho de 2021, 09h00 | Última atualização em Segunda, 04 de Março de 2024, 15h35 | Acessos: 781

Marco Túlio Delgobbo Freitas

Doutorando (PPGCM), Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

 

 A proposta deste texto é analisar como a política estratégica israelense articulou a ameaça proporcionada por seus antagonistas de ser atacado por mísseis e foguetes desde a sua origem nos anos 60 até os dias atuais, o advento do sistema antimísseis e seus impactos para a tradicional dissuasão israelense e, por fim, discutiremos a performance de tal instrumento.

 Inicialmente, é necessário informar ao leitor que a ameaça de ser atacado por foguetes e mísseis sempre permeou o pensamento estratégico israelense como uma ameaça crescente e crível à integridade israelense. Desde os anos 60, com o programa egípcio de mísseis e foguetes, a ameaça proporcionada por estes instrumentos tem pressionado Israel a evitar a possibilidade de seus antagonistas conquistarem a capacidade de desenvolverem foguetes que poderiam entregar desde ogivas convencionais a armas de destruição em massa. Seja a partir da atuação de seus serviços de inteligência ou da atuação de suas forças armadas, o governo israelense deu a devida atenção à tentativa de anular possíveis ganhos tecnológicos que poderiam desequilibrar, mais ainda, a complexa relação entre os israelenses e seus possíveis antagonistas.

 Durante a década de 80, ao lançar o Sistema de Defesa Estratégica, mais comumente chamado de Star Wars, o presidente norte-americano, Ronald Reagan, convidou cientistas israelenses para esta empreitada. Entretanto, devido à própria dinâmica do programa e à limitação tecnológica da época, os israelenses continuaram a trilhar o seu próprio caminho. Assim, durante a Operação Tempestade no Deserto, o que era hipotético, transformou-se em realidade: forças iraquianas dispararam contra Israel 91 foguetes Scuds em direção à Tel Aviv e Haifa e as baterias Patriots – disponibilizadas pelos Estados Unidos – não foram capazes de defender a população israelense. Assim, o programa endógeno de constituição de um sistema antimísseis ganhou impulso.

 Desse modo, ao passo que se tornou significativa a ameaça de atores estatais e não-estatais próximos as suas fronteiras, segundo Duarte (2012), os israelenses elencaram como prioridade a capacidade de lidar com conflitos assimétricos em áreas que não apenas circunscrevem o seu território, por meio do incremento da mobilidade e treinamento de unidades terrestres e no desenvolvimento de aparatos de reconhecimento e, sobretudo, em um sistema antimísseis (LIBEL, 2016). A resposta para tal cenário foi construir um sistema antimísseis multicamadas, composto por dois sistemas interligados: um, capaz de interceptar misseis balísticos de curto e médio alcance, além de 200 km, e o outro, direcionado para interceptar e destruir foguetes e projéteis de artilharia disparados a partir de 4 km a 70 km (KATZ; BOHBOT, 2017).

 O primeiro sistema foi chamado de Arrow e tornou-se operacional a partir de 1990, sendo sua última versão lançada em 2017, o Arrow 3. O segundo sistema, voltado para foguetes e projéteis de artilharia, provém de 2012: o Iron Dome (KATZ; BOHBOT, 2017). Entre os dias 14 e 21 de novembro de 2012, a organização terrorista Hamas lançou cerca de 700 foguetes em direção á Israel como uma resposta a morte de Ahmed Jabari, chefe do braço militar de tal organização. O que seria mais um conflito na recente história entre palestinos e israelenses em torno da Faixa de Gaza, este evento se destaca pela atuação de um inédito protagonista: a bateria antimísseis Iron Dome. Após isso, algumas operações militares israelenses se desdobraram em torno da região de Gaza e tendo em vista a resposta do Hamas, o sistema de defesa foi testado e ampliado. Devido a introdução deste novo elemento, é importante analisarmos a relação do Iron Dome com a politica estratégica israelense.

 Tradicionalmente, a política de dissuasão israelense está ancorada naquilo que Rid (2009) chamou de “excepcionalismo israelense”. De forma sucinta, este termo é composto por meio da relação entre o conceito de sobrevivência, o cenário doméstico do campo de batalha e a profundidade estratégica provocada pela extensão do país (RID; HECKER, 2009).

 O excepcionalismo israelense é responsável pela forma com que Israel direciona as suas capacidades militares. Inicialmente, suas ações são alvo de maior cobertura de mídia internacional, o que resulta que suas ações sejam alvo de propaganda da mídia árabe. O público israelense, em nome da sobrevivência, tolera o uso de força desproporcional contra atores não estatais; além disto, também há uma tolerância quanto ao uso de assassinatos seletivos e bombardeamentos precisos.

 Ademais, o resultado da longa duração de conflitos contra seus vizinhos árabes dificulta qualquer operação que tenha o objetivo de apelar para as emoções dos adversários. Segundo Rid; Hecker, (2009), a imagem internacional de Israel perante seus adversários já é negativa, tornando-se difícil buscar qualquer alteração deste contexto alguma mudança. A dissuasão serve para Israel como um modo de influenciar o comportamento de seus oponentes todas as vezes que estes tentam alterar o status quo.

 A ideia de adicionar uma defesa antimíssil, como parte de uma estratégia nacional, é ancorada nas propostas do pensador norte-americano Bernard Brodie. Nelas, o autor demonstrou que a defesa de uma nação é composta de elementos de defesa ativa - com mecanismos que reduzem o número de armas inimigas usadas - e também de defesa passiva, com ações que absorvem o impacto das armas inimigas (BRODIE, 1959). O sistema de defesa antimísseis se encaixa na ideia de defesa ativa preconizada por Brodie, promovendo a redução dos mísseis inimigos aterrissando em solo israelense.

 O autor norte-americano também afirmou que “the real value of one’s active defense lies, as we have suggested, in what if anything they contribute to deterring an attack” (BRODIE, 1959; p.181). O sistema de defesa antimísseis israelense, baseado em multicamadas e sua capacidade de interceptar desde foguetes Qssams e BM-21 à mísseis balísticos, encaixa-se perfeitamente como um verdadeiro sistema de defesa ativa defendido pelo autor.

 Como Bunn (2004. p.02) afirma, utilizando os Estados Unidos como exemplo, defesas antimísseis ajudam na estratégia de dissuasão aplicada por atores estatais. “U.S. missile defenses may help to dissuade nations that don't yet have ballistic missiles from acquiring them. But what about nations that already have some missiles, such as North Korea and Iran? U.S. deployments may dissuade them from building more, from throwing good money after bad”. Assim, podemos perceber que a ação do sistema de defesa antimísseis dentro do pensamento estratégico israelense é mostrar que ao ser atacado por foguetes, mesmo sendo estes interceptados pelo sistema antimísseis é que os custos para tal ação é grande, já que, se o foguete for direcionado para centros urbanos, será interceptado.

 Além disto, sua opinião pública é que suas forças armadas estão procurando defender seu território de todas as maneiras possíveis, tendo em vista as operações militares realizadas no passado recente - A Segunda Guerra do Libano (2006) e a Chumbo Fundido (2008). Desse modo, a opção de entrar em território inimigo poderia se transformar em um pesadelo devido ao número de baixas. Entretanto, esta escolha não é descartada.

 Assim, podemos destacar a questão sobre á eficácia do sistema de defesa. De acordo com Armstrong (2018) o sistema de defesa antimísseis não colaborou isoladamente com o número decrescente de fatalidades em território israelense. O Iron Dome, auxiliado por um sistema de defesa civil eficiente, que alerta e protege seus cidadãos o número de fatalidades tem diminuído a cada iniciativa oriunda do Hamas ou outras organizações terroristas. Com taxas de interceptação entre 89,6% e 91,99%, o Iron Dome foi capaz de destruir no ar os foguetes e as ogivas, evitando que estes caiam em áreas povoadas e atinjam pessoas e as propriedades. Isso pode ser comprovado a partir da queda do número de reclamações de seguros provenientes de danos ao patrimônio, de 26.653 reclamações em 2012 para 3.450 em 2014 (ARMSTRONG, 2018).

 Como podemos observar, com a implantação deste sistema antimísseis, Israel irá articular uma forte postura defensiva contra o lançamento de foguetes de seus inimigos - atores estatais ou não – com um perfil ofensivo propiciado por características resultantes da falta de uma profundidade estratégica natural e com longas fronteiras vulneráveis. Há a escolha de que os conflitos devam ser travados em território inimigo prioritariamente a partir da relação intrínseca entre seu corpo blindado e a força área ou somente a última (COHEN; EISENSTADT; BACEVICH, 1998).

 Por fim, à luz da teoria de guerra clausewitiziana, podemos considerar que em vez de consolidar uma postura defensiva que possa fazer com que Israel perca sua iniciativa, o sistema antimísseis contribui para aumentar os custos de seus inimigos para romper o status quo de modo que suas capacidades dissuasórias – tradicionalmente na perspectiva de ataque – deverão serem mantidas.

 

 Rio de Janeiro - RJ, 19 de Julho de 2021.


Como citar este documento:
FREITAS, Marco Túlio Delgobbo. O sistema de defesa israelense, uma transformação na política estratégica israelense?. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2021.

 

Referência:

  1. ARMSTRONG, Michael. “The Effectiveness of Rocket Attacks and Defenses in Israel” In: Journal of Global Security Studies, vol. 3, nº3, 2018.
  2. BRODIE, Bernard. Strategy in the Missile Age. The Rand Corporation: New Jersey, Princeton U.P, 1959.
  3. BRASIL. Exército. Estado-Maior. EB20-MF-03.106: Estratégia. 5. ed. Brasília, 2020.
  4. BUNN, M. Elaine. “Force Posture and Dissuasion”. Strategic Insights, Vol III. Disponível em: < http://www.comw.org/qdr/fulltext/0410bunn.pdf > Acesso em: 24 mai. de 2021.
  5. CLAUSEWITZ, Carl Von. On War. Princeton: Princeton University Press, 1989.
  6. CLAUSEWITZ, Carl Von. On War. Princeton: Princeton University Press, 1989.
  7. DAILY MAIL. “Iran 'makes fourth attempt to launch new ballistic missile' since signing historic nuclear accord last year as weapon based on North Korean technology fails. ” Disponível em : <http://www.dailymail.co.uk/news/article-3693349/Iran-makes-fourth-attempt-launch-new-ballistic-missile-signing-historic-nuclear-accord-year-weapon-based-North-Korean-technology-fails.html > Acesso em: 22 mai. de 2021.
  8. DUARTE, Érico Esteves. “A conduta da guerra na era digital”. In: FILHO, Edilson Benetido da Silva; MORAES, Rodrigo Fracalossi de. Defesa Nacional para o século XXI: política internacional, estratégia e tecnologia militar. Rio de Janeiro, IPEA, 2012.
  9. LIBEL, Tamir. “Explaining the security paradigm shift: strategic culture, epistemic communities, and Israel’s changing national security policy” In: Defense Studies, vol. 16, no 2, 2016.
  10. KATZ, Yakoov; BOHBOT, Amir.The Weapon Wizards: How Israel Became a High- Tech Military Superpower. New York: St. Martins Press, 2017.
  11. RID, Thomas; HECKER, Mark. War 2.0.Westport: Praeger, 2009.

 

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