O conflito russo-ucraniano e seus impactos no setor de economia e defesa dos principais atores desse conflito
Rómulo M. Borja Santillán
Major do Exército Equatoriano
Tiago Abrão Vilinga
Aluno do curso de Mestrado na ECEME
1. Introdução
O Kremlin, desde cedo, demonstrou interesse pela Ucrânia, pautando essa postura nos seguintes elementos: em primeiro lugar, os russos sempre tiveram ambição pela ocupação do espaço territorial ucraniano; em segundo lugar, a história russa é repleta de fatos em que houve a apropriação do espaço e das pessoas; e em terceiro lugar, os russos sempre optaram pela desestruturação e pela manutenção do domínio absoluto das localidades ucranianas (BORNIO, 2023).
Bornio (2023) vai além e destaca que a Rússia sempre teve uma visão estratégica baseada no proveito da Ucrânia. Além do sentimento de pertencimento sobre o território, há também outros fatores que motivaram a invasão russa ao território ucraniano, tais como: a questão civilizatória, a história compartilhada e os aspectos culturais em comum que os ligam diretamente. Para Aparecido e Aguilar (2022), o ataque russo nesses territórios possibilitou que a Ucrânia agisse de forma agressiva, visando a proteção de sua soberania. Tais autores entendem ainda que, atualmente, os russos têm olhado para esses territórios, que outrora estavam sob o seu domínio, com o objetivo de voltar a conquistá-los e torná-los dependentes de seu governo.
Sob uma outra lente, entende-se que a invasão russa ao território ucraniano pode ser considerada como sendo uma parte importante da geopolítica e estratégia da Rússia. Afinal, desde 2000, a Rússia tem desenvolvido uma parceria estratégica com a China. Dito isso, acredita-se que os principais impactos no setores de economia e de defesa dos países beligerantes são decorrentes do embate geopolítico travado entre a Organização para a Cooperação de Xangai (SCO) de um lado, e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) do outro. Se a OTAN, liderada pelos Estados Unidos da América, representa o esforço ocidental no tabuleiro geopolítico que envolve a guerra russo-ucraniana, a SCO, liderada pela China, simboliza o esforço de boa parte dos países asiáticos nesse mesmo tabuleiro geopolítico. De acordo com Da Silva (2022), devido ao conflito russo-ucraniano, as duas organizações se comprometeram e, efetivamente, foram agentes causadores de sanções políticas e econômicas aos países beligerantes e apoiadores.
Diante dessas considerações e entendendo a importância dessa temática, este artigo busca compreender o conflito entre a Rússia e Ucrânia de forma sintética, destacando os principais impactos nos setores de economia e de defesa dos principais atores desse conflito.
2. Os Principais Impactos na Rússia
Não restam dúvidas de que os russos foram os primeiros a enfrentar severas sanções oriundas de potências extrarregionais, notadamente dos países ocidentais. Inicialmente, os norte-americanos restringiram as trocas comerciais com a Rússia. Depois, a União Europeia e outros países como o Canadá e Reino Unido aderiram a postura norte-americana e também passaram a impor sanções aos russos. Posteriormente, diversos países ocidentais seguiram esse comportamento e também impuseram sanções aos russos.
O relatório da União Europeia destacou que essas medidas aplicadas contra o Estado russo, tiveram como principal objetivo conter os russos na aquisição de meios bélicos que pudessem ser utilizados contra a Ucrânia (UNIÃO EUROPEIA, 2023). E como consequência, vários acordos econômicos como a rede swit, foram cancelados. Nessa perspectiva, não restam dúvidas de que o setor financeiro foi o mais afetado, obrigando a Rússia utilizar suas próprias reservas monetárias como forma de dar continuidade às suas importações, oriundas de diferentes países.
3. Os Principais Impactos na União Europeia
Acredita-se que se a Ucrânia tivesse aderido à OTAN, teria seu poder financeiro aumentado deliberadamente, fato este que, obviamente, provocaria uma resposta mais incisiva, levando a Rússia a atuar com mais peso na esfera militar, não descartando a possibilidade, remota que seja, do uso de armas de guerra mais potentes, como as ogivas nucleares.
Nota-se que a Rússia tem atuado de forma deliberada e tem bloqueado o fornecimento de gás natural aos países da Europa, causando efeitos colaterais na economia regional, uma vez que a Rússia é o país com as maiores reservas de gás natural no mundo e um dos principais fornecedores desse combustível para o “Velho Continente”. A diminuição drástica do fornecimento de gás natural, provocada pela guerra, fez com que os países pertencentes à União Europeia procurassem outros parceiros para suprirem suas demandas desse combustível. Segundo o Conselho Europeu, o fornecimento de gás natural oriundo da Rússia diminuiu 40% em 2021 e 8% em 2023. A decisão do Conselho Europeu para resolver esta necessidade foi importar gás natural dos Estados Unidos da América, da Noruega e de alguns países do Norte da África, que ajudaram a resolver esta necessidade, como o Qatar.
Devido ao conflito russo-ucraniano, percebe-se claramente que a economia na União Europeia tem experimentado forte inflação, uma vez que boa parte das indústrias europeias são dependentes do gás natural. Como se não bastasse, boa parte das residências europeias utilizam o gás natural como forma de realizar o aquecimento durante o inverno.
Outro setor fortemente afetado na Europa, foi o setor da indústria de defesa, que é uma peça fundamental para os países europeus, principalmente para aqueles que compõem a OTAN, pois seus respectivos PIB devem destinar cerca de 2,2% do orçamento para o setor de defesa, números que se tornam ainda mais importantes em tempos de guerra.
Na área da defesa, percebe-se que alguns países europeus passaram a priorizar suas agendas no reforço da segurança. Não por acaso, vários países europeus realizaram diversas ações no sentido de se protegerem da ameaça russa, tais como a priorização na mobilização de recursos humanos, a aplicação da obrigatoriedade e do cumprimento do serviço militar e a implementação de iniciativas conjuntas voltadas para o investimento nas Forças Armadas dos países membros da OTAN, resultando em cifras que giraram em torno de U$S 380 bilhões em 2023 (AUGUSTO, 2024).
4. Conclusão
Motivado pelo sentimento de pertencimento sobre as terras ucranianas e procurando se antecipar a uma possível tentativa de adesão da Ucrânia na OTAN, a Rússia decidiu empregar seu poder militar em território ucraniano, postura que gerou efeitos colaterais em vários campos do poder, em ambos os contendores, conforme descritos anteriormente.
Acredita-se que esse conflito, além de trazer impactos aos setores de economia e defesa, também trouxe consequências para o setor humano. Como exemplo, há o comportamento de vários Estados europeus em manter o serviço militar obrigatório para o pessoal masculino, o que permite que as nações europeias estejam preparadas para futuros incertos, cenário comum em tempos de guerra. Pode-se dizer que esse conflito também tem gerado ensinamentos, os quais têm auxiliado vários Estados a pensarem em medidas protecionistas e estratégias de segurança que devem ser adotadas num mundo em constante transformação e altamente difuso.
É óbvio que os términos da 1ª Guerra Mundial, da 2ª Guerra Mundial e da Guerra Fria, moldaram a forma de pensar o mundo, mas os fatos ocorridos nesse breve século XXI, em especial o conflito russo-ucraniano, têm despertado debates e gerado reflexões sobre a nova maneira pela qual devemos pensar o mundo atual, caracterizado pela volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade.
Referências Bibliográficas:
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APARECIDO, Julia Mori; AGUILAR, Sérgio Luiz Cruz. A Guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Observatório de Conflitos Internacionais - Série Conflitos Internacionais, Vol. 9, n° 1, p. 1-19, 2022.
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AUGUSTO, Thaís. Europa discute obrigatoriedade do serviço militar após guerra na Ucrânia. UOL, 2024. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticia s/2024/06/09/servico-militar-obrigatorio-na-europa.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em: 19 de junho de 2024.
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BORNIO, Jakub. A guerra entre a Rússia e a Ucrânia Uma visão a partir do flanco oriental da nato. Relações Internacionais, nº 77, p. 11-23, 2023.
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DA SILVA, Brito Natália OTAN: Uma análise realista enquanto Organização Internacional. Academia.Edu, 2022. Disponível em: https://www.academia.edu/106628252/ OTAN_Uma_an%C3%A1lise_realista_enquanto_Organiza%C3%A7%C3%A3o_Internacion al?uc-sb-sw=246731 09. Acesso em: 20 de junho de 2024.
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UNIÃO EUROPEIA. Impacto das sanções na economia da Rússia. UE, 2023. Disponivel em: https://www.consilium.europa.eu/pt/infographics/impact-sanctions-russian-econom y/#:~: text=As%20san%C3%A7%C3%B5es%20impostas%20pela%20UE,montante%20est%C3%A 3o%20bloqueados%20na%20UE). Acesso em: 25 de junho de. 2024.
Rio de Janeiro - RJ, 28 de outubro 2024.
Como citar este documento:
Santillán, Rómulo M. Borja; Vilinga, Tiago Abrão. O conflito russo-ucraniano e seus impactos no setor de economia e defesa dos principais atores desse conflito. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2024.
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