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Comparação do processo de planejamento da força conjunta de operações especiais: Brasil x Otan

Publicado: Quarta, 12 de Março de 2025, 01h01 | Acessos: 279

 

Josias Marcos de Resende Silva
Major do Exército Brasileiro, Doutor em Ciências Militares pela Escola de Comando
e Estado-Maior do Exército (ECEME), Mestre em Relações Internacionais e
Resolução de Conflitos pela American Military University e Mestre em
Segurança e Defesa pela Universidad Antonio de Nebrija.
Atualmente é professor da Escola Superior das Forças Armadas da Espanha.

1. Introdução

Nas principais Forças Armadas do mundo, as Forças de Operações Especiais (FOpEsp) são consideradas capacidades de extrema relevância no contexto dos conflitos armados contemporâneos. Nesse sentido, as FOpEsp são capazes de contribuir não somente para o atingimento de objetivos táticos, mas sobretudo para os objetivos operacionais e estratégicos de uma campanha militar (MCRAVEN, 1993).

Por esta razão, e também pela especificidade de seu emprego, que normalmente exige o uso de meios, recursos e mentalidade não convencional, as FOpEsp passaram a compor uma das forças componentes (F Cte) de comandos operacionais ativados. Dessa forma, ao invés de estarem enquadradas dentro de forças singulares componentes, as FOpEsp orgânicas de cada força singular (FS) são normalmente reunidas em uma força conjunta componente, denominada Força Conjunta de Operações Especiais (FCjOpEsp).

Figura 1 – Organograma de um comando operacional fictício

O_Planejamento_da_Força_Conjunta_de_Operações_Especiais_Brasil_x_OTAN_1.jpg

Fonte: O AUTOR.

No Brasil, apesar de a FCjOpEsp estar consolidada como uma das F Cte nos distintos comandos operacionais ativados, existe uma defasagem em termos doutrinários. Isso ocorre porque, atualmente, a doutrina de Operações Especiais conjuntas é tratada somente no MD30-M-01 e de forma superficial, constituindo apenas um capítulo do 1º volume deste manual de Doutrina de Operações Conjuntas (BRASIL, 2020). Nesse contexto, até pouco tempo atrás, não havia um consenso sobre o processo de planejamento a ser utilizado pela FCjOpEsp.

Dessa forma, no ano de 2022, por ocasião do Adestramento Conjunto de Planejamento de Operações Especiais, realizado no Comando de Operações Especiais (COpEsp), em Goiânia-GO, oficiais de Estado-Maior das três FS estudaram e identificaram os aspectos do PPC que necessitavam de ajustes para atender ao planejamento da FCjOpEsp. Esta proposta, consolidada no relatório deste adestramento (BRASIL, 2022), seguiu para a apreciação das Escolas de Estado-Maior das três FS, através da Comissão Interescolar de Doutrina de Operações Conjuntas (CIDOC), dirigida pela Escola Superior de Guerra (ESG).

Como resultado, no ano de 2023, a CIDOC publicou a Nota Escolar nº 13 O Planejamento Conjunto de Operações Especiais (BRASIL, 2023). Nesse documento, encontra-se detalhado o processo de planejamento conjunto de Operações Especiais (PPC Op Esp), que representa a adaptação realizada no PPC para sua utilização pela FCjOpEsp. Desde sua publicação, o PPC Op Esp tem sido o método utilizado nos planejamentos das FCjOpEsp estabelecidas.

No âmbito da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), mais maduro e consolidado do que o PPC Op Esp, o processo de planejamento do Special Operations Component Command (SOCC) ou SOCC Planning Process encontra-se descrito no SOCC Planning Handbook (OTAN, 2019). Assim como o PPC Op Esp é uma adaptação do PPC para a FCjOpEsp, o SOCC Planning Process constitui uma adaptação do Operational Level Planning Process (OLPP), contido na Comprehensive Operations Planning Directive (COPD) (OTAN, 2023), para o planejamento do SOCC.[1]

Considerando este contexto, quais seriam as principais similaridades e diferenças entre ambos os processos? Para responder a esta pergunta, será realizada uma comparação de seis pontos específicos que caracterizam o SOCC Planning Process e o PPC Op Esp. Ao término desta comparação, será realizada uma síntese sobre as principais ideias envolvendo ambos os processos, com o intuito de verificar possíveis possibilidades de ajuste no PPC Op Esp.

2. Desenvolvimento

  Antes de iniciar a análise desses seis pontos, é imprescindível entender a diferença estrutural de ambos os processos, os quais se baseiam nas respectivas metodologias de planejamento operacional de cada doutrina. Assim, enquanto o SOCC Planning Process está constituído por seis fases, conforme o OLPP, o PPC Op Esp encontra-se organizado em três etapas, sendo que sua 1ª etapa (Exame de Situação de Operações Especiais) se subdivide em seis fases. Em termos gerais, essa diferença estrutural afeta principalmente a ordem dos passos e dos produtos em cada processo, os quais estão distribuídos de forma diferente nas distintas fases/etapas previstas.

Figura 2 – Fases e etapas do SOCC Planning Process e do PPC Op Esp

O_Planejamento_da_Força_Conjunta_de_Operações_Especiais_Brasil_x_OTAN_2.jpg

Fonte: O AUTOR, adaptado de OTAN (2023) e Brasil (2023).

2.1 Estado Final Desejado

Uma vez compreendida a diferença estrutural que condiciona a ordem dos passos e produtos de planejamento, é possível passar aos seis pontos selecionados para a comparação. O primeiro deles diz respeito à definição do Estado Final Desejado (EFD), que representa um conjunto de condições a serem alcançadas para que a missão seja considerada cumprida (BRASIL, 2020). Neste caso, existe uma diferença marcante entre o SOCC Planning Process e o PPC Op Esp, que é reflexo das diferentes doutrinas. Para a OTAN, há um único EFD definido pelo nível político e utilizado por todos os níveis de planejamento (OTAN, 2023). Logo, em seu processo de planejamento, o SOCC utiliza o EFD político. Já no Brasil, existe a liberdade para que cada nível considerado defina seu EFD, o qual deverá estar alinhado, contribuindo com o EFD do nível superior. Nesse sentido, o PPC Op Esp prevê que, em seu planejamento, a FCjOpEsp pode utilizar o EFD operacional ou adaptá-lo ao nível tático (BRASIL, 2023).

2.2 Enunciado da Missão e Objetivos do SOCC/FCjOpEsp

Prosseguindo, o segundo ponto de comparação corresponde ao enunciado da missão e objetivos do SOCC/FCjOpEsp. Novamente, como no ponto anterior, existe uma diferença significativa entre as doutrinas da OTAN e a brasileira, o que afeta ambos os processos. Na OTAN, o nível imediatamente superior define a missão e os objetivos para o nível considerado (OTAN, 2023). Dessa forma, o SOCC já recebe esses produtos de planejamento impostos do comando operacional. Ao contrário, no Brasil, a FCjOpEsp tem a liberdade de estabelecer sua missão em conformidade com as tarefas impostas e deduzidas do planejamento operacional, bem como definir seus objetivos táticos de forma a contribuir com os objetivos operacionais (BRASIL, 2020).

2.3 Comparação de Poder de Combate

O terceiro ponto examinado é a Comparação de Poder de Combate (CPC), que consiste na análise comparativa das forças em oposição (BRASIL, 2020). Embora não exista um passo com essa nomenclatura no SOCC Planning Process, algo semelhante a esse estudo é realizado ao final da subfase Análise da Missão, no contexto do passo denominado Estimativa Inicial de Requerimento de Força/Capacidades e Comando e Controle (OTAN, 2019). No âmbito do PPC Op Esp, a CPC constitui um passo da Situação e sua Compreensão, que corresponde à segunda fase do Exame de Situação de Operações Especiais (BRASIL, 2023).

Com respeito a este aspecto, existe uma diferença substancial entre ambos os processos. No SOCC Planning Process, se comparam os meios de Operações Especiais disponíveis e suas vocações (marítimo, terrestre, guerra irregular, ação direta, etc.) com relação às ações extraídas do Desenho Operacional, que corresponde a uma representação gráfica da visão do comandante sobre como alcançar o EFD (BRASIL, 2020). Por outro lado, no caso do PPC Op Esp, se comparam os meios de Operações Especiais disponíveis e suas vocações com a análise/categorização dos alvos potenciais.

Contidos nesta análise/categorização estão as características do alvo, as forças inimigas, as possibilidades de infiltração, a exfiltração e o ressuprimento, o comando e controle, etc. Ao se definirem esses alvos potenciais, já é possível obter uma ideia incipiente das futuras Áreas de Operações Especiais (AOpEsp), Áreas Operacionais de Guerra Irregular (AOGI) e Áreas Operacionais de Forças Especiais (AOFEsp). A figura abaixo exemplifica essa diferença na CPC, também chamada de Dimensionamento do Poder de Combate.

Figura 3 – Diferenças na Comparação (ou Dimensionamento) de Poder de Combate

O_Planejamento_da_Força_Conjunta_de_Operações_Especiais_Brasil_x_OTAN_3.jpg

Fonte: O AUTOR, adaptado de Espanha (2024) e Brasil (2023).

2.4 Possibilidades do Inimigo

O quarto ponto de comparação diz respeito às Possibilidades do Inimigo, no qual também se observa uma diferença notável. No caso do SOCC Planning Process, realiza-se um procedimento semelhante ao previsto no nível operacional, elaborando-se as tarefas das Linhas de Ação do Inimigo por fases (estimadas) da operação (OTAN, 2019). Por vezes, se utiliza a própria Linha de Ação do Inimigo do nível operacional. Em contrapartida, no que tange ao PPC Op Esp, as Possibilidades do Inimigo são estruturadas tendo como referência os alvos utilizados para a CPC. Assim, são elaboradas as tarefas a serem executadas pelo inimigo levando-se em conta a delimitação das AOpEsp/AOGI/AOFEsp incipientes (BRASIL, 2023).

2.5 Elaboração das Linhas de Ação

Dando prosseguimento à análise, a Elaboração das Linhas de Ação constitui o quinto ponto de comparação. Assim como no ponto anterior, existe uma diferença remarcada entre ambos os processos. Com respeito a este aspecto, no SOCC Planning Process, as Linhas de Ação são elaboradas de forma semelhante ao OLPP, tendo como base as fases da operação e as tarefas a serem realizadas em cada uma delas (OTAN, 2019). Por outro lado, no caso do PPC Op Esp, as Linhas de Ação são elaboradas considerando as AOpEsp/AOGI/AOFEsp potenciais (BRASIL, 2023).

  As figuras seguintes apresentam exemplos de linhas de ação construídas de acordo com cada um dos processos. Embora ambas tenham alguns aspectos em comum, é possível notar claramente a diferença ressaltada anteriormente. Ademais, a doutrina da OTAN permite que sejam estruturadas Joint Special Operations Areas (JSOA) (ESPANHA, 2022), aos moldes das AOpEsp/AOGI/AOFEsp. Contudo, essas áreas não constituem a referência para a Elaboração das Linhas de Ação, como ocorre no PPC Op Esp.

Figura 4 – Linha de Ação do SOCC: Organização e Descrição

O_Planejamento_da_Força_Conjunta_de_Operações_Especiais_Brasil_x_OTAN_4.jpg

Fonte: O AUTOR, adaptado de Espanha (2024).

Figura 5 – Linha de Ação da FCjOpEsp

O_Planejamento_da_Força_Conjunta_de_Operações_Especiais_Brasil_x_OTAN_5.jpg

Fonte: O AUTOR, adaptado de Brasil (2023).

2.6 Utilização de Grupos-Tarefa

O último ponto de comparação refere-se à utilização dos Grupos-Tarefa de Operações Especiais (GTOpEsp). Embora no âmbito da OTAN o emprego dos Special Operations Task Group (SOTG) já esteja bastante consolidado (OTAN, 2019), essa não é a realidade no Brasil. Em termos gerais, os GTOpEsp são estruturados com base em um Estado-Maior de uma unidade de Operações Especiais. De forma modular, essa “cabeça” de unidade de Operações Especiais recebe destacamentos de Operações Especiais (DstOpEsp), normalmente orgânicos da mesma FS (isso não impede que sejam constituídos GTOpEsp conjuntos quando a situação exigir). Dessa forma, os GTOpEsp funcionam como um nível intermediário entre a FCjOpEsp e os DstOpEsp que operam nas distintas AOpEsp/AOGI/AOFEsp (BRASIL, 2022).

  A partir da publicação do PPC Op Esp, os GTOpEsp foram introduzidos na doutrina brasileira, tendo sido utilizados ao longo dos dois últimos anos em exercícios e operações reais. Portanto, é possível constatar que ambos os processos preveem a utilização dos GTOpEsp na constituição do SOCC/FCjOpEsp. Um outro detalhe interessante é a possibilidade da integração de dois ou mais GTOpEsp em FTOpEsp. Isso ocorre na doutrina da OTAN quando existe a necessidade de estabelecer coordenação e controle mais efetivos entre os GTOpEsp atuando numa mesma área de responsabilidade, (OTAN, 2022) (vide figura 4).

 

3. Conclusão

  Tendo finalizada a comparação baseada nos seis pontos específicos que caracterizam ambos os processos, é possível sintetizar algumas ideias principais. A primeira delas é que a maioria das divergências entre o SOCC Planning Process e o PPC Op Esp reflete as diferenças dos processos operacionais dos quais derivam: o OLPP e o PPC. Contudo, independentemente dessas diferenças, ambos os processos propiciam o planejamento no nível SOCC/FCjOpEsp em boas condições.

  Outra diferença significativa ocorre durante a confecção das Possibilidades do Inimigo e da Elaboração das Linhas de Ação, nas quais o PPC Op Esp leva em conta, respectivamente, os alvos potenciais e as futuras AOpEsp/AOGI/AOFEsp. Por induzir a um planejamento mais detalhado na área específica onde a FCjOpEsp será empregada, pode-se considerar que o método brasileiro possui vantagem com relação ao da OTAN.         

Com respeito à Comparação (ou Dimensionamento) do Poder de Combate, é conveniente um estudo mais aprofundado profundo sobre as vantagens de realizá-la baseada em ações extraídas do Desenho Operacional, como ocorre no SOCC Planning Process. No entanto, esta mudança exigiria alterar a ordem prevista no PPC Op Esp, afastando-o do PPC, uma vez que seria necessário ter em mãos o Desenho Operacional já detalhado com seus respectivos pontos decisivos, efeitos e ações. Na doutrina brasileira atual ocorre justamente o contrário. A CPC serve de subsídio para a confecção do Desenho Operacional.

            Uma última ideia-força é a necessidade da consolidação do uso dos GTOpEsp no âmbito da FCjOpEsp, como está previsto em ambos os processos. Essas estruturas proporcionam a inserção de um nível intermediário de planejamento e, durante a operação, de apoio logístico e de comando e controle. Nesse sentido, cabe a realização de um estudo detalhado sobre a doutrina referente aos SOTG (OTAN, 2015), a fim de buscar aspectos válidos para a aplicação na doutrina de Operações Especiais conjuntas brasileira.

            Por fim, é possível concluir que as vantagens do PPC Op Esp sobre SOCC Planning Process ocorrem devido às adaptações mais profundas e consistentes que foram feitas com relação ao método operacional de origem, as quais propiciam uma maior precisão para o planejamento da FCjOpEsp. Além disso, outras diferenças verificadas como a CPC exigiriam uma mudança estrutural com relação ao PPC, o que afastaria o PPC Op Esp da doutrina/método brasileiro de operações conjuntas. Logo, esta mudança só seria recomendável após um estudo prévio que realmente demonstrasse vantagens significativas da metodologia da OTAN. Portanto, baseado na comparação realizada, pode-se constatar que o PPC Op Esp não necessita de modificações a curto prazo ou enquanto não se atualize o PPC no nível operacional.

 

[1]Nomenclatura dada à FCjOpEsp pela OTAN.

 

Referências

 

BRASIL. Ministério da Defesa. MD30-M-01 - Doutrina de Operações Conjuntas. Brasília: Ministério da Defesa, 2020.

BRASIL. Exército Brasileiro. Comando de Operações Especiais. Relatório do Adestramento Conjunto de Planejamento de Operações Especiais. Goiânia: Comando de Operações Especiais (COpEsp), 2022.

BRASIL. Ministério da Defesa. Escola Superior de Guerra. Nota Escolar nº 13 - O Planejamento Conjunto de Operações Especiais. Rio de Janeiro: Comissão Interescolar de Doutrina de Operações Conjuntas (CIDOC), 2023.

ESPANHA. Ministerio de Defensa. PDC 3.5(A) Doctrina Conjunta para las Operaciones Especiales. Madri: Ministerio de Defensa, 2022.

______. Ministerio de Defensa. Escuela Superior de las Fuerzas Armadas. Special Operations Component Command (SOCC). In: Ejercicio de Planeamiento Operacional Certis. Madri: Escuela Superior de las Fuerzas Armadas, 2024.

MCRAVEN, William. The Theory of Special Operations. Monterrey: Naval Postgraduate School, 1993.

ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO ATLÂNTICO NORTE (OTAN). SOCC Planning Handbook. Bruxelas: NATO Special Operations School, 2019.

______. Special Operations Task Group (SOTG) manual. Bruxelas: NATO Special Operations School, 2015.

______. Comprehensive Operations Planning Directive. Bruxelas: Supreme Headquarters Allied Powers Europe, 2023.

 

 

 

 

 

Rio de Janeiro - RJ, 12 de março 2025.


Como citar este documento:

Silva, Josias Marcos de Resende. Comparação do processo de planejamento da força conjunta de operações especiais: Brasil x Otan. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2025.

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