Considerações sobre o orçamento de defesa no Brasil
Alexandre Ataíde De Lima
Major do Exército Brasileiro.
Atualmente está realizando o curso de Mestrado na ECEME.
Introdução
O desenvolvimento econômico de uma nação oferece os recursos financeiros essenciais à modernização e ao incremento da operacionalidade das suas Forças Armadas. Aliado a esse fator econômico, cabe ressaltar que o apoio popular é outro componente crucial para o incremento dos investimentos em defesa de um país. Uma população próspera tende a concordar com o direcionamento de fundos públicos para a Defesa Nacional (Matos, 2018). Essa assertiva mostrou-se ainda mais notória a partir do término da Guerra Fria, que elevou a consciência nacional acerca da dicotomia entre o material de emprego militar e o bem-estar social. Portanto, diante de orçamentos limitados e custos militares ascendentes, decisões difíceis precisam ser tomadas pelos planejadores de políticas de defesa (Sandler; Hartley, 2007).
O crescimento econômico permite a promoção de investimentos em pesquisa, gerando inovações tecnológicas fundamentais para a modernização das Forças Armadas (Matos, 2018; Stubbs, 1999). Ele também possibilita a mobilização de recursos financeiros para conduzir operações militares. Ainda cabe destacar que Estados com economias robustas possuem maior autonomia para implementar políticas de defesa, sem a necessidade de depender de participação externa (Stubbs, 1999).
O governo é o maior vetor de demandas para as indústrias de defesa, quer seja por meio das suas forças armadas ou de suas agências governamentais. Por isso, os investimentos estatais assumem destacado papel no fomento à produção de material de defesa. Nesse contexto, ressalta-se, ainda, que, no setor de defesa, a aquisição de tecnologia é orientada pela demanda e pelo usuário, o que contribui para inovações significativas e comercialmente valiosas (Weiss, 2014).
Este artigo objetiva realizar uma breve análise da situação do orçamento de defesa brasileiro.
A relação entre a indústria de defesa e o orçamento público
A complexa indústria de defesa é definida de várias maneiras. Ela pode ser compreendida como o conjunto de toda a produção do país destinada às Forças Armadas nacionais ou à exportação de material militar, incluindo empresas sob controle nacional ou estrangeiro. Algumas dessas empresas podem ser fornecedoras de produtos exclusivos para as forças armados, enquanto outras podem fornecer seus produtos para outras instituições. Devido à ampla variedade de produtos fabricados que não necessariamente são usados para fins estritamente militares, a caracterização da indústria de defesa como um setor específico é dificultada. Esta ambiguidade representa um desafio para a formulação, a implementação e o monitoramento de políticas públicas no setor de defesa (Ambros, 2017).
A partir de uma perspectiva realista, considerando as características do sistema internacional e a necessidade de cooperação, a autonomia é determinada, em parte, pela capacidade de um Estado dominar os processos de produção e a inovação militar. Embora armas não sejam vendidas como a maioria dos produtos, sua fabricação requer muitos recursos materiais, suporte governamental e a existência de um mercado estável. Assim, a longo prazo, o sucesso ou fracasso da produção de armas depende tanto desses fatores, senão mais, do que quaisquer outras forças que possam ter impulsionado o desenvolvimento da indústria de defesa (Ambros, 2017).
No contexto geopolítico atual, a venda de armamentos e de materiais produzidos pelas indústrias de defesa é, na maioria das vezes, controlada pelos Estados. Além disso, a venda de armamento de um Estado para outro faz a relação comercial ser um meio de criação de dependência tecnológica e de progressão de poder. A produção e comercialização de armamentos não são apenas motivadas pelo ganho financeiro, mas também pela busca pelo poder (Ambros, 2017).
Por outro lado, a indústria de defesa é restritiva ao repasse de tecnologias sensíveis. Durante muitos anos, cada nação dependia de sua própria capacidade industrial para fornecer os próprios sistemas de defesa, evitando a participação estrangeira. Contudo, a necessidade dos Estados de incorporarem tecnologias, que não são por eles produzidas, e a procura de alternativas de financiamento para pesquisa e desenvolvimento, devido às restrições orçamentárias, têm diminuído a relevância desse modelo de autarquia industrial de defesa. Diante dessas circunstâncias, as empresas precisam alterar sua abordagem em relação aos contratos de defesa, buscando maior eficiência e reposicionando-se no sistema de inovação dos países (Mesa, 2020).
Assim, a estratégia de defesa de um país necessita estar intimamente ligada à sua política industrial. A consistência e a previsibilidade dos orçamentos públicos são fundamentais para que as empresas possam atender às expectativas das Forças Armadas, assegurando a eficácia do desenvolvimento, da produção e do fornecimento dos sistemas de emprego militar. Desse modo, os governos precisam utilizar todos os recursos disponíveis, como legislações e investimentos, para preservar a capacidade de suas Forças Armadas (Mesa, 2020).
A economista Mariana Mazzucato (2014) desmistifica a percepção de que a riqueza é gerada exclusivamente pelo setor privado. A autora argumenta, por exemplo, que os Estados Unidos cumpriram um papel significativo ao assumir riscos e fomentar a inovação tecnológica. Assim, o país não apenas possui uma sociedade empreendedora, mas também propicia um ambiente onde o Estado incentiva a expansão do mercado. Segundo Mazzucato (2014), o Estado intervém investindo onde há escassez de capital de risco e contrata o setor privado para atividades inovadoras, as quais não seriam viáveis sem políticas públicas bem estruturadas, corroborando com a ideia de que somente uma economia forte é capaz de sustentar a base industrial de defesa.
O surgimento de novas tecnologias e as limitações orçamentárias têm acirrado a competição internacional, bem como a busca por maior eficiência. Simultaneamente, a dinâmica da produção e do comércio de material de emprego militar (MEM) é influenciada pela busca de poder dos países. Portanto, sob uma ótica realista, pode-se considerar que a capacidade material e financeira de um país é fator primordial para o governo desenvolver a sua estrutura de Defesa, desde que esta esteja alinhada com uma estratégia nacional.
O cenário do orçamento de defesa brasileiro
O setor de Defesa do Brasil tem buscado expandir seus recursos em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), contudo, enfrenta contínuas oscilações orçamentárias. Entre os anos de 2003 a 2013, observou-se um aumento expressivo nos recursos financeiros do orçamento público, destinados à defesa. Entretanto, este incremento nominal não foi proporcional ao avanço do PIB, permanecendo inferior a 1,5%. Tal porcentagem é considerada insuficiente, especialmente porque o Brasil está entre as dez maiores economias globais (Ambros, 2017; Matos; Fingolo; Schneider, 2017).
Em termos gerais, o orçamento destinado à defesa nacional é dividido em três categorias fundamentais: pessoal; pesquisa, desenvolvimento e compra de equipamentos militares; e treinamento, exercícios, operações e manutenção.
Os países que integram a OTAN estabeleceram dois objetivos principais. O primeiro visa alocar 2% do PIB para a defesa nacional, demonstrando a vontade política em contribuir para os esforços dessa organização. O segundo objetivo é destinar, no mínimo, 20% do cômputo de defesa para equipamentos. Isso se deve ao fato de que, quando os gastos não atingem a meta de 20%, o risco de que os armamentos se tornem obsoletos aumenta, ampliando as lacunas de capacidade e interoperabilidade entre os aliados e enfraquecendo a base industrial e tecnológica de defesa europeia. Destaca-se que os países membros da OTAN têm, em média, destinado 50% de seu orçamento militar ao pessoal (Silva; Júnior, 2021).
No contexto da execução orçamentária da defesa brasileira, mais de um terço dos fundos é alocado para despesas de pessoal, destacando-se os gastos com pessoal inativo. Apenas cerca de 10% são dedicados aos investimentos. Esse é um orçamento com poucas opções de realocação, já que a redução dos custos com pessoal é impraticável na maioria das situações. Tal modelo de execução orçamentária impõe sérias dificuldades ao reequipamento das Forças Armadas brasileiras, resultando em restrições anuais crescentes para manter os contingentes em adequado estado de prontidão (Ambros, 2017; Matos; Fingolo; Schneider, 2017; Silva; Júnior, 2021).
A variação das condições macroeconômicas do Brasil desde o final de 2013 obrigou o Governo Federal a fazer múltiplos ajustes orçamentários, afetando enormemente a defesa. Em 2016, por exemplo, o orçamento do Ministério da Defesa foi aproximadamente metade do seu valor nominal em comparação com 2014. Embora esses cortes não tenham encerrado os projetos estratégicos de modernização em andamento, eles foram desacelerados, e muitos outros foram suspensos (Ambros, 2017). Os projetos mais significativos de aquisição militar do Brasil demandam mais de R$ 83 bilhões até 2041. Nesse contexto, a configuração atual do orçamento das Forças Armadas brasileiras apresentará um grande desafio à política de defesa nacional nos próximos anos (Silva; Júnior, 2021).
Propostas para ampliar os recursos destinados aos investimentos em Defesa no Brasil
O cenário do orçamento público destinado à defesa no Brasil afeta diretamente a base industrial de defesa, comprometendo sobremaneira a capacidade produtiva das empresas que integram o setor. Apesar delas terem a capacidade de atender as necessidades específicas do setor militar, sua sustentabilidade não está garantida.
Como solução a essa problemática, essas empresas adotam uma postura dual, com ênfase no mercado comercial. Essa característica surge da baixa e instável procura por produtos de defesa no Brasil (Leske; Santos, 2020).
O governo brasileiro tem se empenhado em promover a ciência, a tecnologia e a inovação (CT&I) como meio de fortalecer a defesa nacional. No entanto, o fenômeno da desnacionalização pode colocar em risco todos esses esforços, se não for devidamente tratado (Andrade; Franco, 2016).
No contexto econômico-político, a desnacionalização refere-se à entrada significativa de capital estrangeiro em empresas de um país, a ponto de criar uma forma de controle econômico ou uma ameaça perceptível a tal controle. Essa definição destaca uma questão preocupante para muitos países, incluindo aqueles com os maiores orçamentos e as indústrias de defesa mais sofisticadas e consolidadas do mundo (Andrade; Franco, 2016).
Para evitar a desnacionalização no setor de defesa, pode-se adotar duas medidas principais. A primeira é a dualização das tecnologias de defesa, que pode ocorrer por meio de processos de spin-off ― adaptando inovações militares para uso civil ― e spin-in, isto é, adaptando recursos externos para uso militar. Isso permite que os significativos investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento sejam utilizados de forma mais eficiente, melhorando a viabilidade econômica e assegurando que as tecnologias desenvolvidas internamente permaneçam no país. A segunda medida é a internacionalização das empresas nacionais do setor de Defesa, pois a exploração de novos mercados será essencial (Andrade; Franco, 2016).
Além disso, uma estratégia a ser considerada para otimizar o fornecimento de produtos e sistemas nacionais no setor de defesa é o estabelecimento de colaborações entre empresas nacionais e internacionais. Essas colaborações podem ser ilustradas em programas como o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB). A transferência de tecnologia que acontece ao longo desses programas é importante para assegurar que as Forças Armadas estejam equipadas com armamentos modernos para executarem suas tarefas, simultaneamente possibilitando a absorção e o desenvolvimento de novas tecnologias (Andrade; Franco, 2016).
Entretanto, os governos brasileiros, historicamente, têm pecado na formulação e aplicação de políticas coordenadas nas áreas de inteligência, defesa nacional e segurança pública, falhando em criar uma política de segurança nacional integrada. Apesar do modelo de gestão de defesa do Brasil proporcionar muita autonomia e espaço para negociação entre Exército, Marinha e Aeronáutica, experiências internacionais mostram que um padrão focado nas Forças é menos eficaz. Ainda assim, a bem-sucedida implementação da metodologia de Planejamento Baseado em Capacidades (PBC) pelo Ministério da Defesa mostra-se capaz de remediar essa situação (Silva; Júnior, 2021).
Segundo Silva e Júnior (2011), uma primeira medida possível para lidar com esses desafios poderia ser a implementação no Brasil de ações similares ao Goldwater Nichols Act dos Estados Unidos. Isso incluiria o fortalecimento do papel do Chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, permitindo que ele ofereça assessoramento militar, objetivo e independente ao Ministro da Defesa e ao Presidente. Além disso, a criação do cargo de Vice-Chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas deveria ser considerada. Adicionalmente, seria importante reforçar a interoperabilidade, especialmente no que se refere às carreiras dos oficiais superiores. Isso exigiria que eles adquirissem experiência profissional fora de suas forças específicas para avançar em suas carreiras.
Outras opções envolvem a procura por um equilíbrio mais adequado entre o efetivo das Forças Armadas e os gastos com investimentos, garantindo a implementação eficaz do Planejamento Baseado em Capacidades. Contudo, sem um envolvimento mais proativo da sociedade civil nas discussões sobre segurança nacional e uma política de defesa mais assertiva, o tradicional isolamento burocrático dos militares pode continuar dificultando as reformas indispensáveis para a modernização das Forças Armadas do Brasil (Silva; Júnior, 2021).
Conclusão
Diante dos desafios orçamentários que o setor de defesa no Brasil enfrenta, é imperativo que o país adote uma abordagem bem articulada para maximizar os recursos disponíveis e garantir a modernização das Forças Armadas brasileiras. A implementação de medidas como a dualização das tecnologias de defesa, a internacionalização das empresas nacionais e a promoção de colaborações internacionais são passos importantes para fortalecer a base industrial e tecnológica do país. Adicionalmente, a adoção de políticas inspiradas em casos bem-sucedidos, que estimulem a interoperabilidade e a eficiência na administração dos recursos, pode contribuir significativamente para superar as limitações atuais. Apenas por meio de uma perspectiva e um planejamento de longo prazo, o Brasil estará equipado para enfrentar os desafios de segurança futuros.
Referências
AMBROS, Christiano Cruz. Base Industrial de Defesa e Arranjos Institucionais: África do Sul, Austrália e Brasil em perspectiva comparada. 2017. 454 f. Tese de Doutorado - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Porto Alegre, RS, 2017. Disponível em: http://hdl.handle.net/10183/157043. Acesso em: 12 out. 2024.
ANDRADE, Israel de Oliveira; FRANCO, Luiz Gustavo Aversa. Desnacionalização da Indústria de Defesa no Brasil: Implicações em Aspectos de Autonomia Científico-Tecnológica e Soluções a Partir da Experiência Internacional. Texto para discussão / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2016.
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STUBBS, Richard. War and Economic Development: Export-Oriented Industrialization in East and Southeast Asia. Comparative Politics, v. 31, n. 3, p. 337, 1999.
WEISS, Linda. America inc.?: innovation and enterprise in the national security state. Ithaca, Estados Unidos da América: Cornell University Press, 2014. (Cornell studies in political economy).
Rio de Janeiro - RJ, 09 de abril 2025.
Como citar este documento:
ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO (ECEME). OBSERVATÓRIO MILITAR DA PRAIA VERMELHA (OMPV). Considerações sobre o orçamento de defesa no Brasil. Rio de Janeiro, 2025. Disponível em: https://ompv.eceme.eb.mil.br/dqbrn/desastres-e-mudancas-climaticas/desastres-e-mudancas-climaticas-seminarios/69-geopolitica-e-defesa/766-consideracoes-sobre-o-orcamento-de-defesa-no-brasil
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