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O uso da defesa antiaérea como meio de dissuasão à superioridade aérea oponente

Publicado: Quarta, 26 de Abril de 2023, 01h01 | Última atualização em Domingo, 05 de Mai de 2024, 13h53 | Acessos: 7585

 

 

Felipe de Castro Faustino
 3º Sargento da Marinha do Brasil

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Introdução

O primeiro relato do emprego de armas utilizadas contra aeronaves data de 1870, durante a Guerra Franco-Prussiana, quando a então empresa alemã Krupp AG, antecessora da atual ThyssenKrupp AG desenvolveu o “ballonkanone”, um canhão de 32 mm para abater os balões que tentavam reabastecer as tropas francesas sitiadas em Paris, sendo esta reconhecida como a primeira arma antiaérea da história, como relata Thiago Vinholes (2016).

Desde então, em meados de 1914, no decorrer da Primeira Guerra Mundial, quando as aeronaves passaram a ser empregadas no campo de batalha devido a seu valor estratégico, notou-se a necessidade de uma contramedida eficaz, diante da nova ameaça que vinha do céu, de modo que essa contramedida dissuadisse a investida de aeronaves inimigas.

Para o general italiano e teórico do poder aéreo Giulio Douhet, quem dominasse o céu dominaria o mundo. Essa teoria se mostra válida quando observamos os principais conflitos militares decorridos durante a segunda metade do século XX e início do século XXI. O país que alcança a supremacia aérea tem a capacidade de ditar os rumos do conflito. Howard (1996) afirmou que para exercer o poder aéreo em sua plenitude, era necessário que as capacidades inimigas de interferir fossem destruídas, assim, o poder aéreo atacante alcançaria a supremacia aérea no espaço aéreo inimigo. Desse modo, as forças de defesa não teriam como se opor ao poder aéreo atacante. Como afirma Schramm (2019), antes de o poder aéreo ou naval poder efetivamente ser usado contra o inimigo, ele terá de enfrentar o seu concorrente.

Um poder aéreo atacante, ao invadir o espaço aéreo inimigo não é confrontado apenas por outro poder aéreo, pelo contrário, ele se expõe e pode ser repelido ou neutralizado por baterias antiaéreas. A mera desconfiança da presença de artilharia antiaérea pode ser algo tão perigoso para o invasor quanto o próprio poder aéreo adversário. Nos conflitos contemporâneos, as defesas antiaéreas representam uma ameaça significativa a qualquer força aérea atacante que esteja sobrevoando o território adversário.

Diferentemente dos aviões e helicópteros, em que pode haver a previsibilidade de seu ponto de partida (aeroportos, heliportos e porta-aviões) para confrontar o invasor, a artilharia antiaérea na maioria dos casos é móvel, podendo ser posicionada furtivamente em qualquer ponto do terreno, aproveitando das características do ambiente como camuflagem ou uma proteção natural contra investidas do inimigo. Essa mobilidade característica da artilharia antiaérea torna sua aplicabilidade no campo de batalha muito versátil.

Independentemente de suas capacidades numéricas ou tecnológicas, uma força aérea jamais deve negligenciar uma ameaça antiaérea, que se for bem empregada pode causar severos danos em qualquer poder aéreo atacante e interferir significativamente no desenrolar de um conflito. Um exemplo disso foi o elevado número de aeronaves abatidas da então Força Aérea Soviética, durante a Guerra Afegão-Soviética de 1979, quando os mujahedins utilizaram artilharia antiaérea de curto alcance, como os mísseis portáteis stingers, para abater as aeronaves soviéticas que faziam passagens a baixas altitudes e negligenciavam as capacidades de contramedidas por parte dos rebeldes.

Durante a Segunda Guerra Mundial, o líder alemão Adolf Hitler também tinha consciência do quão preocupante era a ameaça antiaérea britânica para a luftwaffe. O caso mais emblemático dessa preocupação transcorreu durante o planejamento da Operação Leão Marinho, que tinha como objetivo a destruição da capacidade aérea britânica, ocasião em que Adolf Hitler também determinou a destruição das indústrias que produziam equipamentos e artefatos de defesas antiaéreas (OLIVEIRA, 2015).

No decorrer da história contemporânea, mais precisamente nas guerras ocorridas na segunda metade do século XX, percebe-se que os principais atores envolvidos nos conflitos, na maioria dos casos, prezaram por eliminar primeiramente as ameaças ao poder aéreo atacante. Nas invasões ao Afeganistão, Iraque e Kosovo, esses países sofreram pesados ataques aéreos da força aérea norte-americana, que tinha como objetivo, destruir as já debilitadas forças aéreas e defesas antiaéreas afegãs, iraquianas e kosovares, de modo a minimizar os riscos de uma contraposição às forças atacantes. 

A Doutrina Brasileira de Defesa Antiaérea

No Brasil, a atribuição de defesa aeroespacial é combinada com os três ramos das Forças Armadas, porém a competência precípua é da Força Aérea Brasileira que atua por meio do Sistema de Defesa Aeroespacial Brasileiro (SISDABRA), órgão diretamente subordinado ao Comando de Operações Espaciais, que é um comando operacional conjunto, e em tempos de paz é subordinado ao Comando da Aeronáutica, e em caso de conflito, fica subordinado ao Comando Supremo (BRASIL, 2020). Esse sistema conjunto é de suma importância na integração e no compartilhamento de informações entre os três ramos das Forças Armadas para a defesa da soberania no espaço aéreo nacional.

 As defesas antiaéreas são compostas por unidades operacionais, que dispõe de equipamentos de contramedidas em caso de hostilidades ou ameaças aéreas ao território defendido. Essas unidades são amplamente empregadas diante de ameaças aéreas como: aviões, helicópteros, drones e mísseis, que vez ou outra realizam atos hostis contra a soberania do território nacional (BRASIL, 2017a), conforme consta no manual de Defesa Antiaérea do Exército Brasileiro;

“A Artilharia Antiaérea participa ativamente da obtenção e da manutenção da Superioridade Aérea, por meio da Defesa Antiaérea desses objetivos, anulando ou reduzindo o ataque do inimigo aéreo, em conjunto com as aeronaves que realizam as missões de interceptação” (BRASIL, 2017a, p 14).           

Como ensina o manual de doutrina antiaérea da Força Aérea Brasileira, as defesas antiaéreas têm por atribuição realizar a tarefa básica prevista com o propósito de dominar o espaço aéreo e o espacial de interesse e de impedir que o inimigo faça o mesmo (BRASIL, 2017b). A doutrina de defesa antiaérea também é fundamentada na Estratégia Nacional de Defesa (END), que define claramente os objetivos de uma defesa antiaérea. Na END, a missão da defesa antiaérea brasileira é dissuadir a concentração de forças hostis nas fronteiras terrestres e nos limites das águas jurisdicionais brasileiras, e impedir-lhes o uso do espaço aéreo nacional (BRASIL, 2020).

A doutrina brasileira de defesa antiaérea adota um conceito de defesa antiaérea de responsabilidade conjunta, com os três ramos das Forças Armadas, cada uma delas atuando de modo coordenado e combinando técnicas de combate no teatro de operações. Todo esse esboço que compõe a defesa do espaço aéreo brasileiro fica subordinado diretamente a um comando militar centralizado em tempos de guerra. A atuação conjunta das Forças Armadas maximiza a capacidade de combater um oponente de modo eficaz, e reduz os riscos de sofrer fogo amigo, evitando também a interferência mútua (BRASIL, 2020).

As defesas antiaéreas são de modo geral compostas em três diferentes níveis de defesa: curto, médio e longo alcance, cada um com um nível estratégico, cujo objetivo é neutralizar potenciais ameaças aéreas que estejam a uma determinada distância. Cada um dos níveis de defesa é acionado conforme o tipo, tempo e a distância a qual a ameaça antiaérea for identificada. Desse modo, a contramedida mais adequada é acionada para interceptar a ameaça, permanecendo as demais camadas de defesa antiaérea em determinados níveis de prontidão, e caso seja necessário o emprego das demais camadas, essas podem ser acionadas em pouco tempo. 

Dissuasão Antiaérea

As armas antiaéreas também são constantemente empregadas como meios de dissuasão a possíveis investidas de um oponente com capacidades aéreas ofensivas superiores e quando o poder aéreo defensor não possui a capacidade necessária para manter a superioridade aérea dentro de seu espaço aéreo, as defesas antiaéreas são essenciais para complementar parte dessa lacuna. Os dois principais exemplos nesse contexto são o Irã e a Coréia do Norte, ambos têm sido alvos de pesadas sanções econômicas e diplomáticas, o que tem acarretado dificuldades aos países citados em adquirir equipamentos mais modernos e peças de reposição para seus equipamentos militares.

Contudo, tanto o Irã quanto a Coréia do Norte, ao longo dos anos, desenvolveram capacidades defensivas e dissuasórias consideráveis, principalmente mísseis avançados antiaéreos e anti navios. As capacidades de mísseis do Irã são a peça-chave de suas proezas militares, dada a relativa falta de poder aéreo em comparação com rivais como Israel e Arábia Saudita (BBC, 2020). O Irã opera aviões claramente obsoletos em relação a seus principais adversários da região (Israel e Arábia Saudita), porém, a sua capacidade de repelir uma possível ameaça aérea por meio de sua força de mísseis, composto por vetores de diferentes modelos e alcance, tem sido essencial na capacidade dissuasória iraniana.

Assim como o Irã, a Coréia do Norte também possui uma força aérea bastante obsoleta e incapaz de manter a superioridade aérea dentro do seu próprio território, mas sua força de artilharia, tanto a convencional, quanto a antiaérea, possuem numerosas peças de artilharia capaz de causar danos significativos a qualquer força invasora. Essa dissuasão adotada por esses países tem evitado quaisquer investidas por parte de seus adversários, mesmo eles possuindo um poder aéreo superior, e por vezes uma superioridade tecnológica.

“Para compensar sua inferioridade em matéria aérea (frente a adversários como Israel e Arábia Saudita, por exemplo), o Irã cultivou um notável programa de mísseis que o situa na primeira fila na região nesse campo. Apesar das sanções norte-americanas, nas últimas três décadas Teerã conseguiu desenvolver sua própria tecnologia militar” (FALAHI, 2020).

Esses países (Irã e Coreia do Norte) foram capazes de dissuadirem uma possível investida norte-americana em seus territórios, simplesmente por possuírem capacidades defensivas eficazes e em quantidades suficiente para dissuadir o oponente, e causar severos danos a um possível invasor.

Diferentemente da Coréia do Norte e Irã, a Síria não possui Forças Armadas com a capacidade necessária para dissuadir seus oponentes, sendo a Rússia a responsável por realizar a defesa do espaço aéreo sírio. Apesar disso, no dia 14 de abril de 2018, as defesas antiaéreas sírias foram capazes de interceptar 71 mísseis disparados pela coalizão liderada pelos Estados Unidos da América (DA SILVA, 2018, p 43).

Tal ataque tinha por objetivo destruir instalações estratégicas em território sírio. Nesse ataque, foram disparados um total de 103 mísseis contra o território sírio e, mesmo com suas forças de defesa debilitadas, o governo sírio foi capaz de interceptar 71 mísseis com a ajuda dos sistemas de defesa antiaérea russa 9K37-Buk e o sistema Pantsir S-1 (DA SILVA, 2018).

O Brasil, apesar de possuir empresas de tecnologia militar estratégicas, como a AVIBRAS e a EMBRAER, que são algumas das principais fabricantes de tecnologia militar do mundo, ainda possui meios dissuasivos antiaéreos muito discretos, tanto pela sua importância internacional, quanto pela suas dimensões continentais. Todavia, nos últimos anos, o Brasil vem desenvolvendo sistemas de defesa antiaérea interessantes e estratégicos, como as plataformas ASTROS 2020, ASTROS AFC e ASTROS III, além de mísseis e foguetes.

Conclusão

Com isso, nota-se a extrema importância no desenvolvimento, aquisição e na utilização em larga escala da artilharia antiaérea na defesa do espaço aéreo. Acredita-se que a posse de uma boa capacidade na dissuasão pode desencorajar a vontade de um possível agressor em atacar. Essa estratégia defensiva, baseada na aquisição e no desenvolvimento de meios, tem se mostrado muito eficaz, principalmente para países sancionados e que possuem dificuldades na aquisição de aeronaves e peças de reposição em suas frotas.     

Essas limitações tecnológicas no desenvolvimento de aviões não inibiram países com menores capacidades econômicas (Irã e Coreia do Norte) em desenvolver meios alternativos a essa lacuna. Pelo contrário, as dificuldades enfrentadas serviram para estimular a pesquisa nacional e impulsionar suas indústrias de defesa. Também nota-se o quanto a contraposição a um poder aéreo pode influenciar o desenrolar de um conflito bélico e o quanto ele pode prejudicar o decorrer do conflito se essa ameaça aérea não for repelida ou dissuadida de modo eficaz por unidades de artilharia antiaérea. Portanto, o uso da artilharia antiaérea é um pilar fundamental na defesa de um país.

 

 

 Referências Bibliográficas: 

  1. AVIBRAS. Mísseis e Foguetes. Disponível em: https://www.avibras.com.br/site/areas-de-atuacao/defesa/misseis-e-foguetes.html. Acesso em: 22 de abril de 2023.

  2. BBC NEWS. Qual o tamanho do poderio militar do Irã. BBC News, 2020. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-50988198. Acesso em: 26 de março de 2023.

  3. BRASIL. Ministério da Defesa. Exército Brasileiro. Defesa Antiaérea - Manual de Campanha. Brasília: Exército Brasileiro, 2017a.

  4. BRASIL. Ministério da Defesa. Comando da Aeronáutica. Defesa Antiaérea - Manual de Defesa Antiaérea. Brasília: Comando da Aeronáutica, 2017b.

  5. BRASIL. Congresso Nacional. Estratégia Nacional de Defesa. Brasília: Congresso Nacional, 2020.

  6. DA SILVA, Jonathan Carlos. A importância da diversificação do subsistema de armas de artilharia antiaérea à luz do cenário da Guerra na Síria. Trabalho de Conclusão de Curso na Escola de Artilharia de Costa e Antiaérea, 2018. Rio de Janeiro: EsACosAAe, 2018.

  7. FALAHI, Ali. A radiografia do poder militar do Irã. El País, 2020. Disponível em: ht tps://brasil.elpais.com/internacional/2020-01-08/a-radiografia-da-forca-militar-do-ira.ht ml. Acesso em: 02 de abril de 2023.

  8. HOWARD, M. E. O Conceito de Poder Aéreo: uma avaliação histórica. Air Space Power Journal em Português, 1996.

  9. OLIVEIRA, Dimas da Cruz. Grandes Batalhas. São Paulo: Hunter Books, 2015.

  10. SCHRAMM, João Francisco. O domínio do ar: surgimento, impacto e evolução do poder aéreo nas duas grandes guerras mundiais. Revista da UNIFA, Vol. 32, n°2, p. 37-46, 2019.

  11. VINHOLES, Thiago. “Ballon Kanone”, a primeira arma anti-aérea da história. Airway, 2016. Disponível em: https://www.airway.com.br/ballon-kanone-primeira-arma -anti-aerea/. Acesso em: 18 de março de 2023.

 

Rio de Janeiro - RJ, 26 de abril de 2023.


Como citar este documento:
Faustino, Felipe de Castro. O uso da defesa antiaérea como meio de dissuasão à superioridade aérea oponente. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2023.  

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