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A logística militar em tempos de crise: Covid-19

Publicado: Segunda, 09 de Agosto de 2021, 10h00 | Última atualização em Segunda, 09 de Agosto de 2021, 11h43 | Acessos: 1090

Jonathas da Costa Jardim

Instrutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

 

 A evolução dos cenários nacional e internacional exige ao planejador logístico uma continuada avaliação das demandas e das capacidades necessárias para que suas atividades sejam cumpridas. No que tange à Força Terrestre, é necessário que a logística seja capaz de ajustar-se ao dinamismo das ações, além da diversidade de situações de emprego, com suas particularidades e especificidades, o que se denomina “logística na medida certa” (BRASIL, 2018):

 “A ‘logística na medida certa’ consiste em configurar o apoio logístico, de acordo com cada situação. Assim, a amplitude do Espaço de Batalha, bem como a necessidade de apoio às forças localizadas em outros espaços”. (BRASIL, 2018).

 A logística integra o conjunto de atividades, tarefas e sistemas inter-relacionados para proporcionar apoio e serviços, tomando por base a reunião, sob uma única designação, de um conjunto de atividades afins, correlatas ou de mesma natureza, as chamadas Funções Logísticas, que se dividem em: suprimento, manutenção, transporte, engenharia, recursos humanos, saúde e salvamento (BRASIL, 2016, p.23).

 Em tempos de crise, os processos de planejamento e de execução das atividades voltadas à gestão da cadeia logística, requerem rápidas e pontuais adaptações, a fim de proporcionar a continuidade ao acesso, por parte do usuário, de produtos e serviços, impactando em todo o ciclo logístico. Dessa maneira, militares de diversas Organizações Militares (OM) dos Comandos Militares da Amazônia, do Norte e Oeste foram empregados para conter as queimadas na floresta Amazônica e no Pantanal, nas Operações Verde Brasil I e II e Pantanal (BRASIL, 2020a), as quais exigiram um forte esforço nas Funções Logísticas Recursos Humanos, Suprimento, Manutenção e Transporte, entre os anos de 2019 e 2020.

 Ainda em 2020, as ações do Comando Militar do Leste, que somou esforços com a Defesa Civil, Corpo de Bombeiros e demais órgãos dos governos dos estados do Espírito Santo e de Minas Gerais foram fundamentais para mitigar os danos causados pelas fortes chuvas que atingiram àquelas regiões (BRASIL, 2020b), proporcionando alento às famílias afetadas e na conscientização dos moradores para desocuparem as residências em áreas de risco, demonstrando a importância da aquisição de capacidades relativas às Funções Logísticas Salvamento e Engenharia, particularmente no tocante a controle de danos, conservação e gestão ambiental.

 No atual cenário pandêmico, marcado pela disseminação do vírus da COVID-19, o mundo vive uma crise globalizada, cujos muitos serviços foram paralisados e diferentes setores precisaram suspender ou reduzir drasticamente suas atividades. Entretanto, algumas áreas tiveram que aumentar suas demandas para evitar um colapso geral e ajudar a manter os serviços essenciais. Nesse ínterim, a logística foi eixo fundamental.

 O emprego de novos Equipamentos de Proteção Individual (EPI), passando pelas modificações nas cadeias de produção o aparecimento de novas demandas, até a adoção de esquemas de trabalho home office e/ou híbrido (BRIDI, 2020, p. 151) foram desafios superados, para que as "operações" não fossem descontinuadas.

 A crise do SARS-COV-2 tornou a Função Logística Saúde o carro chefe no enfrentamento a crise, pois ocorreu um aumento considerável da sua demanda, seja por profissionais ou de instalações e meios de saúde. A necessidade de complementar o plano operacional dos entes que, rotineiramente, executariam tais atividades foi crescente, acentuando a importância da dessa função logística, com a adoção de medidas sanitárias de prevenção e de recuperação e atendimento, por pessoal militar, das medidas estabelecidas pelo então Ministro da Defesa, o General-de-Exército Fernando Azevedo e Silva, emitidas meio da Portaria Nr 1.232/GM-MD, de 18 de março de 2020, em que foi regulado o emprego das Forças Armadas para apoio às medidas deliberadas pelo Governo Federal voltadas para a mitigação das consequências da pandemia COVID-19 (BRASIL, 2020c).

 Ainda, ressalta-se a expertise do pessoal especializado do 1º Batalhão de Defesa Química Biológica Radiológica e Nuclear (1º B DQBRN), que contribuiu para a disseminação do conhecimento relativo à descontaminação de instalações públicas e de OM, o que permitiu que outras contribuíssem para realizar tal tarefa em todo o País, resultando em uma ampliação dessa capacidade.

 A função logística Suprimento também teve sua vez, ao passo que, além de pessoal, material militar de diversas Classes foram aprovisionadas em diversas cidades brasileiras, a fim de atenuar a crise. Hospitais de Campanha, montados nas cidades do Rio de Janeiro, Manaus, Boa Vista e Porto Alegre, proporcionaram agilidade ao atendimento e a ampliação no número de leitos disponíveis, desafogando hospitais exauridos pela repentina demanda.

 Com relação a Função Logística Manutenção, a parceria do Ministério da Defesa (MD) com a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e empresas proporcionou a realização de atividades de manutenção preventiva e preditiva em mais de 200 respiradores (Defesanet, 2020). A ação logística ofereceu um incremento na disponibilidade de meios, pois fez com que o material retornasse a sua melhor condição para emprego. A ação foi promovida pelo MD por meio da Secretaria de Produtos de Defesa (SEPROD) e da Chefia de Logística (CHELOG), sendo gerenciada pelo Centro de Coordenação de Logística e Mobilização (CCLM).

 Além disso, OM logísticas passaram a agregar novas capacidades operativas, para mitigar iminente necessidade, em tempo exíguo e em locais diversos. O Parque Regional de Manutenção da 3ª Região Militar do Exército, localizado na cidade de Santa Maria (RS), produziu milhares de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) (BRASIL, 2020d), entre eles máscaras de tecido, toucas e aventais descartáveis. O Parque Regional de Manutenção da 5ª Região Militar do Exército, localizado na cidade de Curitiba (PR), adaptou sua linha de produção de coletes balísticos para a produção de máscaras de proteção descartáveis (BRASIL, 2020e), por conta da inicial dificuldade da indústria nacional em adaptar-se as novas demandas de produção.

 Ademais, no contexto da COVID-19, a logística militar, mais uma vez, reinventou-se, fazendo com que a imunização fosse uma realidade em todos os rincões do País, na maior brevidade possível, seja nos grandes centros, como nos postos de vacinação montados junto ao Palácio Duque de Caxias, na região central da cidade do Rio de Janeiro (BRASIL, 2020f), ou nas comunidades indígenas Ywyrareta, Mukuru e Aruwaity, nos municípios de Laranjal do Jarí e Pedra Branca do Amapari, no interior do Amapá (BRASIL, 2021g).

 Com relação ao apoio a vacinação contra a COVID-19, a Função Logística Transporte ganhou grande importância. A necessidade da intermodalidade se mostrou como fator crucial para agilizar e diminuir os custos de distribuição, mesmo considerando o modal aéreo como a chave para o sucesso dessa missão, de abrangência mundial. A expertise brasileira em distribuir 19 tipos de vacinas diferentes pelo SUS anualmente (QUINTELLA; SUCENA, 2020, p.1-2), em todo o País foi muito importante e contou com o incremento do transporte em helicópteros, entre outros, do 3º Batalhão de Aviação do Exército. Nessa conjuntura, a agilidade proporcionada pelo vetor aéreo foi relevante para o planejamento da distribuição do imunizante contra a COVID-19.

 Em entrevista à revista TIME, o General americano Gustave Perna (HENNIGAN, 2021), diretor de operações do projeto Operação Warp Speed do Departamento de Defesa Americano, comparou o dia de entrega da vacina à invasão dos Aliados da Normandia durante a Segunda Guerra Mundial, evento comumente conhecido como “Dia D”. É interessante lembrar, que o Brasil, assim como países como os Estados Unidos da América e a Itália utilizaram bases militares para a distribuição das vacinas (SVAN, 2021, p.2), tendo em vista a capilaridade única das Forças Armadas, o que trouxe novas demandas para a logística militar terrestre.

 Em um país de extensões continentais como o Brasil, os desafios logísticos são relevantes. A manutenção da cadeia de suprimento, a inviolabilidade dos lotes e manutenção das condições exigidas pelo fabricante, com relação à temperatura e aos locais de armazenamento devem ser minimizados com o estudo pormenorizado dos padrões de qualidade do produto e os métodos para manter a confiabilidade exigida, permitindo, assim, que esteja em hora, local e condições próprias para o “consumidor final”, cumprindo a missão logística estabelecida. Tudo isso, levando em consideração a racionalidade dos recursos, prontidão operacional e atendendo às demandas de “compliance” e “accountability”.

 Assim, cada demanda gera uma série de novas necessidades. Por exemplo: as condições de armazenagem exigem baixas temperaturas. Logo, fazse necessário, entre outras coisas, a contratação de caminhões frigoríficos, equipes de manutenção de prontidão para resolver demandas e evitar perdas, frascos especiais de transporte, geradores e gelo seco (UNICEF, 2021, p.3).

 Concluindo, observa-se que a solução de crises passa por uma gestão logística inteligente. Nesse contexto, Nathaniel Green (NAVSUP, 1926, p.1), General logístico do Exército Americano na Guerra de Independência dos Estados Unidos, afirmou: “Logística é aquela coisa que se você não tiver o suficiente, sua guerra não será vencida tão breve quanto poderia”.

 Por fim, em tempos de crise, observa-se que o emprego da “logística na medida certa” é um instrumento valioso para a Força Terrestre, pois é facilitadora na resolução de problemas complexos, que exigem eficiência e eficácia para seu desfecho, em meio a um turbilhão de novas demandas. Assim, o profissional militar especialista em logística deve dominar o uso das funções logísticas, para que tais ferramentas possam auxiliá-lo no emprego das capacidades necessárias para assegurar a amplitude do alcance operativo exigido em cada situação, em particular para auxiliar o país em meio à crise pandêmica que assola todo o mundo.

 

 Rio de Janeiro - RJ, 09 de agosto de 2021.


Como citar este documento:
Jardim, Jonathas da Costa. A Logística Militar em Tempos de Crise: COVID-19. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2021.

 

Referência:

  1. BRASIL. Exército Brasileiro. Manual de Campanha EB70-MC-10.238 Logística Militar Terrestre, 1ª Edição, 2018.PORTARIA Nº 131-COTER, DE 08 DE NOVEMBRO DE 2018. 2018. p. 1-1.
  2. ______. Exército Brasileiro. Comando Militar do Leste. Posto de Vacinação contra a Covid-19 próximo à Central do Brasil. Disponível em: http://www.cml.eb.mil.br/ultimas-noticias/2544-comando-conjunto-leste-inaugura-novo-posto-de-vacina%C3%A7%C3%A3o-contra-a-covid-19-na-regi%C3%A3o-da-central-do-brasil.html. 2020f. Acesso em 15 Jun 21.
  3.  ______. Exército Brasileiro. Exército garante vacinação de comunidades indígenas no Amapá. Disponível em: http://www.eb.mil.br/web/noticias/noticiario-doexercito/asset_publisher/MjaG93KcunQI/content/id/12816131. 2020g. Acesso em 15 Jun 2021.
  4.  ______. Exército Brasileiro. Fabricação de máscaras de proteção. Disponível em: https://www.eb.mil.br/web/noticias/noticiario-doexercito//asset_publisher/MjaG93KcunQI/content/id/11319215. 2020e. Acesso em 15 Jun 2021.
  5.  ______. Ministério da Defesa. Portaria Normativa Nr 40/MD, de 23 de junho de 2016: Aprova a Doutrina de Logística Militar - MD42-M-02 (3ª Edição/2016). 2016. p.23.
  6. ______. Ministério da Defesa. Operações Verde Brasil. Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/noticias/meio-ambiente-e-clima/operacao-verde-brasil. 2020a. Acesso em 15 Jun 2021.
  7.  ______. Ministério da Defesa. Enchentes no Sudeste. Disponível em: http://www.cml.eb.mil.br/ultimas-noticias/1989-enchentes-no-sudeste.html. 2020b. Acesso em 15 Jun 2021.
  8.  ______. Ministério da Defesa. Militares produzem máscaras de tecido e de TNT para prevenção contra o coronavírus. Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/noticias/saude-e-vigilancia-sanitaria/2020/04/militares-confeccionam-mascaras-de-tecido-e-de-tnt-para-prevencao-contra-o-coronavirus. 2020d. Acesso em 15 Jun 2021.
  9.  ______. Portaria Nr 1.232/GM-MD, de 18 de março de 2020: regula o emprego das Forças Armadas em todo o território nacional para apoio às medidas deliberadas pelo Governo Federal voltadas para a mitigação das consequências da pandemia COVID-19. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-1.232/gm-md-de-18-de-marco-de-2020-248808643. 2020c. Acesso em 15 Jun 21.
  10.  BRIDI, Maria Aparecida. A pandemia Covid-19: crise e deterioração do mercado de trabalho no Brasil. Revista Estudos Avançados Nr 100. USP. SP. 2020. p. 151.
  11.  DEFESANET. Pandemic War: operação envolvendo Ministério da Defesa, CNI e montadoras recupera 201 respiradores. Disponível em: https://www.defesanet.com.br/pw/noticia/36500/Operacao-envolvendo-Ministerio-da-Defesa--CNI-e-montadoras-recupera-201-respiradores/. 2020. Acesso em 15 Jun 21.
  12.  HENNIGAN, W.J. First Batches Of COVID-19 Vaccine Are Arriving in All 50 States. Meet The Army General Behind Distribution. Revista TIME. 2020. Disponível em: https://time.com/5919956/covid-19-vaccine-distribution-d-day/. Acesso em 15 Jun 2021.
  13.  NAVAL SUPPLY SYSTEMS COMMAND (NAVSUP). Logistics Quotations. Naval War College, Circa 1926. EUA. p.1.
  14.  QUINTELLA, Marcus; SUCENA, Marcelo. Logística para a futura vacina Anti-Covid-19: necessidade de planejamento imediato. FGV Transportes. 2021. p. 1-2. Acesso em 15 Jun 2021.
  15.  SVAN, Jennifer H. Vaccine eligibility open at US bases in Europe, but appointments scarce for some. Stars and Stripes. 2021. p.2.
  16.  UNITED NATIONS CHILDREN’S FUND (UNICEF). COVID-19 vaccination: supply and logistics guidance. Interim Guidance. EUA. 2021. p.3.

 

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