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No conflito com o Hamas, Israel tem opções limitadas

Publicado: Segunda, 05 de Julho de 2021, 09h30 | Última atualização em Sexta, 02 de Julho de 2021, 07h53 | Acessos: 1807

Rafael Augusto da Cunha Bonato

Mestrando do PPGCM da ECEME

 

 O presente artigo tratará do conflito mais recente entre Israel e Hamas, que durou de 10 a 20 de maio e causou 242 mortes, sendo 230 do lado palestino e 12 do lado israelense. O conflito foi oficialmente encerrado no dia 20 de maio, por meio de um cessarfogo, mediado pelo Egito. O texto será dividido em três partes. Na primeira parte, será apresentado um histórico recente do conflito, com a finalidade de contextualizar o leitor. Na segunda parte, serão analisados aspectos políticos e estratégicos do conflito. Na última parte, serão analisados os aspectos táticos, seguidos de uma conclusão.

Histórico recente do conflito

 O último conflito entre Israel e Hamas se iniciou no dia 10 de maio e representa uma tendência de aumento das tensões entre as duas partes, que se acentuou a partir de 2005, após a saída de Israel da Faixa de Gaza. Naquele momento, iniciou-se uma disputa entre forças políticas palestinas pelo controle da área, envolvendo principalmente o Fatah e o Hamas. Em 2007, o Hamas assumiu unilateralmente o controle da Faixa de Gaza, expulsando o Fatah e causando uma cisão na Autoridade Palestina. Desde então, houve quatro conflitos entre Israel e Hamas na região: em 2008, 2010, 2014 e o mais recente, em 2021.

O Hamas tem incrementado sua capacidade de infligir danos a Israel. Os primeiros ataques ocorreram em 2001, com uso morteiros e se limitaram bater alvos que estavam a poucos quilômetros da fronteira. A partir de 2005, o Hamas iniciaria a “industrialização” do conflito, com uso massivo de foguetes (LAJST, 2021). Em 2012, o Hamas já conseguiria atingir Tel Aviv com foguetes.

 A respeito do conflito recente, o jornal francês Le Monde publicou uma reportagem em que são divulgados vídeos de tropas do Hamas (Brigadas AlQassam) e de grupos aliados, como a Jihad Islâmica da Palestina (Brigadas Al-Quds), mostrando lançadores de mísseis S-40, A-120 - capaz de atingir Tel Aviv - e Ayyash-250k, cujo raio de atuação é de 250km, o que engloba a totalidade do território de Israel.

 Com o poder de fogo demonstrado pelo Hamas nas imagens divulgadas pelo Le Monde, alguns questionamentos surgem a respeito do conflito: como os mísseis entraram na Faixa de Gaza? O Hamas pode aumentar a precisão de seus mísseis e, assim, causar mais mortes? Israel pode interceptar esses mísseis? Como a inteligência de Israel não identificou a existência desses misseis e falhou ao prever o ataque do Hamas? Há mísseis desse tipo na Síria ou no Líbano? Como os países da região, especialmente os árabes, irão se comportar? Essas questões evidenciam a gravidade da situação, especialmente para Israel, cujos objetivos e estratégias analisaremos a seguir.

Aspectos políticos e estratégicos do conflito

 A posição dos palestinos é clara: aquela é a terra que eles ocupavam quando colonizadores estrangeiros a tomaram deles e nela instituíram um governo (FRIEDMAN, 2021). Para tentar resolver a questão, Israel estabeleceu dois objetivos nacionais. O primeiro, de ser reconhecido internacionalmente como um Estado, principalmente pelos países árabes vizinhos. O segundo é resolver a questão territorial com os palestinos, principalmente no que concerne à Faixa de Gaza e à Cisjordânia. Pode-se afirmar que, para atingir esses dois objetivos, Israel “lança mão” de uma estratégia que se divide, resumidamente, em três partes.

 A primeira parte refere-se ao que fazer nos momentos entre conflitos. Nestes momentos, Israel tenta, por meio de manobras políticas junto à Autoridade Palestina, evitar que as tensões se elevem a níveis extremos. Quanto mais tempo a situação for administrada, maiores serão os intervalos entre os conflitos, beneficiando Israel e dando-lhe tempo para obter avanços na segunda parte de sua estratégia.

 A segunda parte da estratégia refere-se à política exterior. Visando ser reconhecido pelo maior número de países, especialmente por seus vizinhos árabes, Israel tem tentado estabelecer relações de cooperação e aliança. No caso dos vizinhos árabes, cuja relação tende a apresentar momentos de grande hostilidade, Israel conseguiu obter reconhecimento - e estabelecer relações diplomáticas - com o Egito, em 1979, após o Acordo de Camp David; com a Jordânia, em 1994, após o Acordo de Oslo (LOWE, 2011) e com os Emirados Árabes e Bahrein, em 2020, após os Acordo de Abraão. Para obter uma paz estável e duradoura, Israel precisa construir, no âmbito regional, uma rede de relações minimamente densa e eficiente. Ocorre que, quando Israel se torna responsável pela morte de palestinos inocentes, essa rede se enfraquece e se torna instável, dificultando a execução da segunda parte de sua estratégia. Para que consiga executar de maneira eficiente sua política externa, é preciso observar a condução das operações militares, terceira parte da estratégia.

 Assim, a última parte da estratégia israelense refere-se à condução dos conflitos. O modus operandi é bem claro: o conflito deverá terminar o mais rápido possível, empregando-se, para isso, uma forte ação de choque, desorganizando o inimigo e forçando-o a negociar um cessar-fogo. Olhando apenas pelo aspecto militar, esse modo de agir parece ter coerência. Contudo, ele traz consigo uma perigosa armadilha. Ao empregar uma forte ação de choque, Israel é, frequentemente, acusado de exercer seu direito de legítima defesa de maneira desproporcional, devido ao número de inocentes mortos. Para que se tenha uma ideia, dos 230 palestinos mortos pelos ataques aéreos israelenses, 39 eram mulheres e 64 eram crianças, representando 45% do total de mortos do lado palestino (PCHR, 2021). Esse modus operandi, portanto, tem o potencial de desgastar a imagem internacional de Israel, o que pode comprometer, de maneira decisiva, a execução da segunda parte da estratégia, explicada no parágrafo anterior, que é a execução de uma política externa que ajude Israel a resolver o conflito com os palestinos.

 Ao engajar-se militarmente contra as forças do Hamas na Faixa de Gaza, Israel enfrenta, a todo momento, um dilema perigoso, que envolve o grau de violência a ser empregado. Quando maior o grau, mais rápido termina o conflito, mas o número de inocentes palestinos mortos tende a ser grande. Na seção seguinte, analisaremos os aspectos táticos do conflito e as opções de Israel.

Aspectos táticos do conflito

 Em termos táticos, Israel tem três opções na Faixa de Gaza: bombardeio, ação terrestre direta ou uma combinação destes. O bombardeio é mais seguro para as tropas israelenses e abrevia o conflito, mas tende a causar a morte de muitos inocentes. A ação terrestre tende a ser mais efetiva enquanto estiver sendo executada, mas prolonga o conflito e é mais perigosa para as tropas de Israel. Não há uma solução simples para esse dilema. Em 2009 e em 2014, Israel combinou bombardeios com uma ampla ofensiva terrestre.

 Ao engendrar uma ofensiva terrestre, Israel desloca suas tropas por uma região urbanizada, com preponderância de população civil e profundamente conhecida pelo inimigo, que se desloca por uma rede túneis subterrâneos, favorecendo a ocorrência de emboscadas (Le Monde, 2021). O aspecto assimétrico do conflito aumenta o risco de baixas do lado israelense, fazendo com que o governo se desgaste politicamente no âmbito doméstico, o que pode culminar com uma retirada antecipada de tropas e um eventual fracasso militar por motivos políticos. Para se ter uma ideia do quão sensível é a questão, tomemos o exemplo do soldado Gilad Shalit, sequestrado na Faixa de Gaza em 2006. Ele só foi libertado em 2010, após Israel libertar 1080 prisioneiros palestinos. Isso demonstra o valor que a sociedade israelense atribui a seus nacionais. Uma ofensiva terrestre prolongada pode resultar em militares israelenses mortos, feridos ou capturados, algo que no âmbito doméstico pode não se sustentar politicamente. Isso faz com que Israel tenda a optar pelo bombardeio, que analisaremos a seguir.

 A opção pelo bombardeio, apesar de mais segura, apresenta o risco elevado de danos colaterais. Na ofensiva de 2008, por exemplo, denominada “Operação Chumbo Fundido”, dos 1419 palestinos mortos em Gaza - dos quais 429 eram mulheres ou crianças -, 94% morreram devido a bombardeios (RCHR, 2009). A realização de bombardeios pode ter um custo muito elevado na dimensão informacional do combate. Assim, avaliar e controlar danos colaterais é uma tarefa fundamental caso se deseje obter êxito em uma operação dessa natureza.

 Durante conflito de 2021, foram realizados bombardeios aéreos sobre instalações logísticas e de C2 do Hamas, utilizando, dentre outros armamentos, a GBU-31 JDAM e a GBU-39.

 A GBU-31 (figura 01) possui uma carga de explosivos de aproximadamente 900kg. É uma bomba guiada por GPS ou laser (GBU - Guided Bomb Unit). No momento de seu lançamento, se o GPS estiver disponível, opera-se com um desvio máximo de 5m. Em caso de indisponibilidade do GPS, o desvio é de 30 m (conforme informação da Força Aérea Norte Americana).

 Figura 01: GBU-31 em pleno lançamento sobre posições do Hamas na Faixa de Gaza

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Fonte: Le Monde.fr (2021)

 No caso da GBU-39 (figura 02), sua ogiva contém 93kg de explosivos e, assim como a GBU-31, também é orientada por GPS ou laser. A principal diferença entre a GBU-31 e a GBU-37 é que esta carrega praticamente dez vezes menos explosivos do que aquela (93kg versus 900kg). Com efeito, a fabricante da GBU-37 a descreve como uma bomba que causa efeitos colaterais ultra reduzidos (ultra-low collateral damage, conforme informação da Boeing, fabricante do armamento).

 Figura 02: GBU-39 em pleno lançamento sobre a Faixa de Gaza

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Fonte: Le Monde.fr (2021)

 Considerando o armamento utilizado, o que deve ser feito para que se obtenha êxito no bombardeio sobre Gaza? Conforme mencionamos anteriormente, além de uma vitória militar inconteste, deve-se obter uma situação favorável na dimensão informacional do combate.

 O sistema D3A de planejamento e coordenação de fogos, utilizado pela doutrina brasileira, pode nos ajudar a responder essa questão (BRASIL, 2017). Com efeito, devido ao tipo de armamento utilizado (bombas GBU 31 e 39) e a característica da área de operações (região edificada), a detecção e a avaliação de danos parecem exercer um papel fundamental. Apesar de apresentar um desvio padrão de apenas 5 metros com GPS, a GBU-31 possui uma carga de 900kg de explosivos, tornando-a capaz de causar pesados efeitos colaterais, caso ocorram erros ao detectar o alvo. Neste caso, cresce de importância a execução de ações de reconhecimento e aquisição de alvos (IRVA), para que se defina com precisão o alvo a ser batido. Por proporcionar menores danos colaterais, o emprego da GBU-37 parece ser mais indicado a uma área de operações como a Faixa de Gaza, pois seu emprego oferece menos riscos de danos colaterais, pois carrega dez vezes menos explosivos.

 Além de engajar precisamente o alvo, é fundamental que se realize a avaliação do dano causado. Caso tenham ocorrido danos colaterais severos, deve ser dada uma pronta resposta por parte do comando enquadrante, tanto no sentido de mitigar o dano, especialmente no que concerne ao apoio de saúde às vítimas, atendendo ao princípio da humanidade, quanto na reconstrução do que foi destruído sem necessidade, atendendo ao princípio da necessidade militar.

 Por fim, a avaliação do dano é um processo que não se encerra no âmbito do apoio de fogo. No caso em tela, a avaliação de um dano colateral deve gerar ações na dimensão informacional do combate. As células de fogos, sejam terrestres ou aéreos, devem trabalhar em coordenação com outras células que possuam capacidades relativas à informação (CRI), a fim de gerar uma condição desejável na esfera informacional do combate.

 Um eventual bombardeio que destrua, por exemplo, um hospital ou uma escola, pode gerar danos severos à imagem de Israel em sua ofensiva. Esse tipo de erro pode comprometer definitivamente a estratégia israelense para lidar com a questão palestina e para garantir uma paz duradoura na região, representando um erro tático causando impacto no nível político, algo indesejável.

Conclusão

 Como se pôde verificar no presente artigo, apesar de ser superior em termos militares, Israel não dispõe de tanta liberdade de ação para lidar com o Hamas na Faixa de Gaza. A morte de civis aparece como um fator de extrema relevância na elaboração de linhas de ação por parte de Israel. Atualmente, a divulgação dos fatos ocorre de maneira praticamente instantânea, fazendo com que a dimensão informacional do combate exija cada vez mais atenção dos comandantes militares. No caso do conflito com o Hamas, um eventual êxito militar, acompanhado de uma campanha pública internacional contrária a Israel pode fazê-lo sair do conflito enfraquecido em relação àquele grupo, o que motivaria o Hamas a prosseguir com sua estratégia de confrontação e, por conseguinte, afastaria do horizonte qualquer solução pacífica para a questão palestina.

 

 Rio de Janeiro - RJ, 05 de julho de 2021.


Como citar este documento:
BONATO, Rafael Augusto da Cunha. No conflito com o Hamas, Israel tem opções limitadas. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2021.

 

Referência:

  1. André Lajst é entrevistado por Heni Ozi Cukier. Vídeo disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=6QkeeaN4b9I&t=4629s>. Acesso em 29 de maio de 2021.
  2. BRASIL. Ministério da Defesa. Exército Brasileiro. Planejamento e Coordenação de Fogos. 3ª Ed. Brasilia, 2017.
  3. FRIEDMAN, George. Gaza: Morality and Reality. Geopolitical Futures. 2021.
  4. Palestine Centre For Human Rights. Cease-fire Reached After 11 Days of IOF Aggression on Gaza. Disponível em < https://www.pchrgaza.org/en/day-11-of-israeli-offensive-on-gaza-violent-artillery-shelling-and-systematic-destruction-of-houses/).> Acesso em 30 de maio de 2021.
  5. Reportagem do jornal Le Monde sobre o conflito na faixa de Gaza :https://www.youtube.com/watch?v=uhm9VIXV6cU. Acesso em 25 de maio de 2021.
  6. Reportagem do jornal Le Monde sobre o uso de túneis pelo Hamas na Faixa de Gaza: (https://www.lemonde.fr/international/article/2021/05/26/a-gaza-le-reseau-de-tunnels-creuses-par-le-hamas-reste-son-principal-outil-de-defense_6081564_3210.html). Acesso em 30 de maio de 2021.
  7. Sobre a GBU-31: https://www.af.mil/About-Us/FactSheets/Display/Article/104572/joint-direct-attack-munition-gbu-313238
  8. Sobre a GBU-37: https://www.boeing.ca/products-andservices/defense-space-security/small-diameter-bomb.page

 

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