A Ajuda vem do alto: o Lançamento Aéreo de Suprimento em Apoio a População Yanomami

Rodrigo Tavares Ferreira
 Tenente-Coronel do Exército Brasileiro,
Comandante do Batalhão DOMPSA e Mestre em Ciências Militares

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1. Introdução

Inicialmente, o lançamento aéreo de suprimento (LAS) foi concebido de maneira muito simples. Segundo Ferreira (2022), o lançamento aéreo de suprimento consistia em usar os aeroplanos e/ou aviões para entregar os suprimentos necessários às tropas que atuavam em locais isolados, onde os transportes terrestres e marítimos não conseguiam chegar, solucionando o problema logístico dos exércitos em campanha.

O emprego do lançamento aéreo de suprimento em operações teve seus primeiros registros ocorridos na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), mais precisamente no episódio em que os ingleses abasteceram por meio aéreo suas tropas que estavam sitiadas pelos turcos em Kut-el-Amara em 1916 (DEL RE, 1955; FERREIRA, 2022).

Na Segunda Grande Guerra (1939-1945), o lançamento aéreo de suprimento foi consolidado como doutrina militar, servindo como uma forma eficiente para prestar o apoio logístico às tropas que atuavam isoladamente e em locais distantes de suas bases. Como exemplo, tem o caso em que os alemães utilizaram largamente o lançamento aéreo de suprimento para apoiar o seu exército durante a Batalha de Stalingrado em 1942. Outro exemplo reside no episódio em que os norte-americanos supriram, por meio do lançamento aéreo de suprimento, as tropas da 101^st Airborne Division na Batalha da Ardenas em 1944 (FERREIRA, 2022; POTTER; GILLES, 2006).

No período da Guerra Fria e no pós-Guerra Fria, o lançamento aéreo de suprimento continuou a ser utilizado, principalmente pelos norte-americanos e pelos ingleses, que empregaram amplamente o lançamento aéreo de suprimento em conflitos como as guerras da Coréia, Vietnã, Iraque e Afeganistão, e também em campanhas na África Oriental, no Suez, no Brunei, em Bornéu, em Omã, na Irlanda do Norte e na Rodésia (FERREIRA, 2022; POTTER; GILLES, 2006; STURKOL, 2011).

A partir de 1970, o lançamento aéreo de suprimento começou a ser aproveitado em operações de ajuda humanitária. Em 1973, por exemplo, os ingleses lançaram alimentos às populações que viviam em regiões remotas do Himalaia. Mais recente, em 2010, após o terremoto no Haiti, os norte-americanos lançaram 25 toneladas de comida e água para a população haitiana vitimada (FERREIRA, 2022; POTTER; GILLES, 2006; NICKEL, 2014; THE ECONOMIC TIMES, 2014; USA, 2019).

Atualmente, nota-se que o lançamento aéreo de suprimento possui um amplo espectro de emprego, sendo largamente utilizado em operações de guerra e de ajuda humanitária. Na doutrina militar brasileira, o lançamento aéreo de suprimento está previsto para ser usado na entrega de equipamentos e suprimentos necessários às tropas e/ou às populações (BRASIL, 2021; FERREIRA, 2022).

Em vista desse cenário, surge o seguinte questionamento: Como o lançamento aéreo de suprimento, realizado pelas Forças Armadas brasileiras, tem proporcionado ao Estado Brasileiro uma pronta resposta estratégica para o enfrentamento da emergência em saúde pública de importância nacional no território Yanomami?

Para responder esse questionamento, este artigo está estruturado da seguinte forma: inicia-se com uma breve introdução seguida da pergunta que norteia este artigo. Na sequência, discorre-se sobre a doutrina do lançamento aéreo de suprimento. Depois, descreve-se como está sendo realizada a operação de ajuda humanitária e o emprego do lançamento aéreo de suprimento em apoio à população yanomami. Na parte final, são realizadas considerações sobre a utilização do lançamento aéreo de suprimento nas operações de combate das Forças Armadas e em ações de apoio à população brasileira.

2. A doutrina do Lançamento Aéreo de Suprimento

Nos dias atuais, o lançamento aéreo de suprimento é definido como sendo a entrega de suprimentos e equipamentos necessários às ações das tropas empregadas nos diversos tipos de operações militares ou à sobrevivência dos elementos apoiados, por intermédio do lançamento de cargas com paraquedas, por meio de aviões ou helicópteros, tanto militares, como civis (BRASIL, 2021; FERREIRA, 2022).

O emprego do lançamento aéreo de suprimento oferece uma capacidade de pronta resposta logística para as operações, tanto de guerra, como de ajuda humanitária. Deve-se a isto, principalmente: a rapidez no transporte de itens críticos; a mobilidade para levar suprimentos a qualquer lugar; e a flexibilidade para transportar diversos tipos de materiais. Desta maneira, o lançamento aéreo de suprimento caracteriza-se como sendo uma ferramenta essencial para sustentar o apoio logístico às Forças Armadas, aos órgãos governamentais e à população (BRASIL, 2021; BRASIL, 2020; FERREIRA, 2022). Na doutrina militar brasileira, o emprego conjunto das Forças Armadas, com meios aéreos e pessoal, é imprescindível para o êxito da missão de LAS (BRASIL, 2021; BRASIL, 2020).

No Exército Brasileiro, o Batalhão de Dobragem, Manutenção de Paraquedas e Suprimentos pelo Ar (B DOMPSA), Organização Militar integrante da Brigada de Infantaria Paraquedista, é o principal condutor da Força Terrestre no que se refere às missões de lançamento aéreo de suprimento (BRASIL, 2020; BRASIL, 2021; FERREIRA, 2022), estando apta a realizar essa missão nas seguintes situações:

- na urgência na distribuição dos suprimentos;

- em apoio às populações e às tropas isoladas;

- nas áreas e/ou localidades que não possuem uma rede de estradas adequadas que permitam o acesso ao local;

- na interdição ou redução do tráfego nas estradas;

- na transposição de obstáculos, geográficos ou não, de grande vulto; e

- em operações que exijam deslocamentos longos e rápidos.

Em vista disso, diversos tipos de suprimentos podem ser lançados por via aérea, como por exemplo: equipamentos de emprego militar, alimentos não perecíveis, água potável, medicamentos, material hospitalar, roupas, calçados, material de higiene pessoal, barracas, colchões, botes infláveis, abrigos, materiais de construção, entre outros. Para realizar o lançamento aéreo desses materiais, os mesmos são acondicionados em cargas, que variam de peso e tamanho, sendo: as leves (até 227 kg); as médias (de 227 kg até 1.000 kg) e as pesadas (acima de 1.000 kg) (BRASIL, 2021).

3. A operação de ajuda humanitária aos Yanomamis

a. O Comando Operacional Conjunto Amazônia e os desafios da logística

O Decreto nº 11.405, de 30 de janeiro de 2023, dispôs sobre as medidas para enfrentamento da emergência em saúde pública de importância nacional e de combate ao garimpo ilegal no território Yanomami a serem adotadas por órgãos da administração federal (BRASIL, 2023a). Por conseguinte, a Portaria GM-MD nº 710, de 3 de fevereiro de 2023, orientou o apoio que deve ser prestado pelas Forças Armadas. Em decorrência disso, o Ministério da Defesa ativou o Comando Operacional Conjunto Amazônia para atuar em Roraima e na porção do Estado do Amazonas incluído na terra indígena Yanomami (BRASIL, 2023b).

O território Yanomami possui mais de 96.650 km², uma área equivalente o tamanho de Portugal, a qual está localizada dentro da floresta amazônica numa região montanhosa de difícil acesso e que não possui um adequado sistema de transporte, tornando-se num enorme desafio para a logística (BRASIL, 1992; MEIRA MATTOS, 1984; SOMAIN, 2011).

Para cumprir o determinado pela a Portaria GM-MD nº 710, o Comando Operacional Conjunto Amazônia observou a existência de desafios para prestar o apoio logístico a população Yanomami, tais como: a urgência na chegada dos alimentos a locais de difícil acesso; o deslocamento dos materiais por grandes distâncias geográficas, que só é possível com o uso de aeronaves; a transposição de um enorme obstáculo geográfico, como a floresta amazônica; e a falta de estradas que dão acesso ao local onde vivem os indígenas (BRASIL, 2023a; BRASIL, 2021; BRASIL, 2020). Para superar os desafios apresentados, os seguintes meios aéreos das Forças Armadas foram colocados à disposição do Comando Operacional Conjunto Amazônia:

Tabela 1 - Aviões e helicópteros empregados

Fonte: AEROIN, 2023.

Para assegurar a efetividade no apoio logístico à população Yanomami, o Comando Operacional Conjunto Amazônia detectou as seguintes premissas:

1º) vencer a distância de, aproximadamente, 330 km entre Boa Vista-RR, sede do Comando Conjunto, e o 4º Pelotão Especial de Fronteira, onde situa-se o aeródromo de Surucucu, principal rota de acesso aéreo ao território Yanomami (AEROIN, 2023);

2º) propiciar o fluxo ininterrupto de suprimentos entre Boa Vista-RR e o território Yanomami (AEROIN, 2023; BRASIL, 2023c); e

3º) reconstruir a pista de pouso do aeródromo de Surucucu, ação que possibilita a retomada do pouso de aviões de carga, como o C-105 Amazonas (BRASIL, 2023c; PODER 360, 2023).

Para vencer o desafio imposto pela geografia e prestar o apoio logístico efetivo aos Yanomamis, a solução encontrada pelo Comando Operacional Conjunto Amazônia foi a de realizar o lançamento aéreo de suprimentos.

c. O Lançamento Aéreo de Suprimento em apoio a população Yanomami

Na missão de lançamento aéreo de suprimento em apoio à população Yanomami, duas Organizações Militares desempenharam um papel fundamental: o B DOMPSA (Exército Brasileiro) e o 1° Esquadrão do 15° Grupo de Aviação - 1º/15º GAV (Força Aérea Brasileira). Os militares dessas Organizações Militares atuaram diuturnamente na preparação das cargas, no lançamento aéreo e na distribuição dos suprimentos.

Os militares do B DOMPSA trabalharam na preparação das cargas com os suprimentos que foram lançadas pelos aviões, tais como: alimentos para atender aos indígenas; materiais de construção para a reconstrução da pista do aeródromo de Surucucu; e combustíveis para reabastecimento das aeronaves que pousaram em Surucucu. Após a sua preparação, as cargas foram embarcadas nos aviões da Força Aérea Brasileira, conforme apresentado a seguir:

Figura 1 - Carga média (de 227 kg até 1.000 kg)

Fonte: GZH, 2023.

Figura 2 - Avião C-105 Amazonas com cargas médias embarcadas (com 4,8 Ton de Sup)

Fonte: o AUTOR, 2023.

Figura 3 - Avião KC-390 Milennium com cargas médias embarcadas (com 9,6 Ton de Sup)

Fonte: o AUTOR, 2023.

Os militares do 1º/15º GAV, voando nos aviões KC-390 e C-105, realizaram os lançamentos aéreos dos suprimentos no aeródromo de Surucucu. Nessa ocasião, o tempo de voo entre Boa Vista-RR e Surucucu foi de, aproximadamente, 1 hora e 20 minutos no KC-390, e por volta de 2 horas e 10 minutos no C-105.

Figura 4 - Lançamento aéreo de suprimentos executado pelo KC-390

Fonte: BARROS, 2023.

Figura 5 - Carga chegando ao solo no aeródromo de Surucucu-RR

Fonte: o AUTOR, 2023.

Após a chegada das cargas ao solo, os militares do Exército Brasileiro desmontaram as cargas e preparam os suprimentos para a distribuição junto à população local (BRASIL, 2023c). Após isso, as cestas básicas foram embarcadas nos helicópteros das Forças Armadas e foram distribuídas para as 133 comunidades Yanomami, localizadas no interior da floresta amazônica. A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) planejou de forma detalhada a entrega dos alimentos e acompanhou todo o trabalho da distribuição aos indígenas (BRASIL, 2023c).

Com relação aos paraquedas, as placas dissipadoras de choque e os containers utilizados para lançar esses suprimentos pelo ar retornaram para Boa Vista-RR, uma vez que poderiam e deveriam ser reutilizados em futuros lançamentos, movimento que caracteriza a logística reversa.

Em que pese o Comando Operacional Conjunto Amazônia ainda não ter concluído a sua missão, os números parciais obtidos são expressivos. Do dia 23 de janeiro até o dia 17 de maio de 2023, o B DOMPSA e o 1º/15º GAV lançaram 559 cargas médias na floresta amazônica, atingindo a marca de mais de 287 toneladas de suprimentos, contendo:

Tabela 2 - Suprimentos lançados por via aérea, dados parciais

Fonte: o AUTOR, 2023.

Por meio do lançamento aéreo de suprimento, o Comando Operacional Conjunto Amazônia garantiu e estabeleceu o fluxo ininterrupto dos suprimentos ao território Yanomami, fornecendo os alimentos necessários à população indígena e os materiais de construção, essenciais para a conclusão da reforma da pista do aeródromo de Surucucu, o que permitiu a retomada dos pousos dos aviões de carga, como o C-105, na região amazônica (BRASIL, 2023c).

4. Conclusão

O emprego do lançamento aéreo de suprimento em operações militares é uma realidade nas Forças Armadas desde a 1ª Guerra Mundial (1914-1919), tendo a sua consolidação doutrinária na 2ª Guerra Mundial (1939-1945). Entretanto, somente a partir da década de 1970, seu emprego foi iniciado em operações de ajuda humanitária.

O lançamento aéreo de suprimento executado pelas aeronaves, nas operações de combate das Forças Armadas ou em ações de apoio à população, permite a entrega dos suprimentos em locais isolados desprovidos de transporte terrestre e/ou marítimo, tanto para as tropas, como para a população, solucionando o problema logístico do desabastecimento dos diversos tipos de materiais e equipamentos.

No âmbito da operação de ajuda humanitária aos Yanomamis, o Comando Operacional Conjunto Amazônia, por meio do lançamento aéreo de suprimento, assegurou o fluxo ininterrupto de suprimentos à população indígena, que vive isolada em território de difícil acesso.

Até o presente, mais de 287 toneladas de suprimentos foram lançadas por via aérea no território Yanomami. Em comparação com os norte-americanos, os números obtidos do apoio prestado pelas Forças Armadas brasileiras tornam-se ainda mais relevantes, haja vista que os norte-americanos em 2010, lançaram por via aérea, 25 toneladas de comida e água para a população haitiana vitimada pelo terremoto, ao passo que as Forças Armadas brasileiras lançaram mais de 287 toneladas de suprimentos por via aérea no território Yanomami, um número quase 13x maior do que o registrado pelos norte-americanos no Haiti.

Cabe ainda salientar que o apoio prestado pelas Forças Armadas brasileiras não ficou restrito apenas a alimentos e água. Ainda teve o lançamento aéreo de materiais de construção, que teve caráter eminentemente estratégico, uma vez que permitiu a reforma da pista do aeródromo de Surucucu, que é a principal rota de acesso aéreo ao território Yanomami, possibilitando dessa forma, a retomada do pouso de aviões cargueiros da Força Aérea Brasileira, como o C-105.

Em vista do exposto, pode-se concluir que lançamento aéreo de suprimento, realizado pelas Forças Armadas brasileiras, por meio do B DOMPSA e do 1º/15º GAV, proporcionou ao Estado Brasileiro uma pronta resposta estratégica para o enfrentamento da emergência em saúde pública de importância nacional no território Yanomami, devido a sua flexibilidade, mobilidade e rapidez para alcançar qualquer parte do território nacional.

 Referências Bibliográficas: 

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2. BARROS, Marcelo. Apoio a yanomamis teve a maior operação de lançamento aéreo de suprimento dos últimos anos. Defesa em Foco, 2023. Disponível em: https:// www.defesaemfoco.com.br/apoio-a-yanomamis-teve-a-maior-operacao-de-lancamento-aereo-de-suprimento-dos-ultimos-anos/. Acesso em: 01 de maio de 2023.

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19. USA. Department of the Army. FM 4-0 Sustainment Operations. Washington-DC: US Army, 2019.

Rio de Janeiro - RJ, 24 de maio de 2023.

Como citar este documento:
Ferreira, Rodrigo Tavares. A Ajuda vem do alto: o Lançamento Aéreo de Suprimento em Apoio a População Yanomami. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2023.  

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