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COVID-19 e Indústria de Defesa: o desafio para a cadeia de suprimentos e o panorama das principais iniciativas dos EUA e Brasil

Publicado: Quarta, 24 de Junho de 2020, 08h01 | Última atualização em Domingo, 05 de Mai de 2024, 13h55 | Acessos: 1042

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Lorena Toffano Ferreira
Mestrando do PPGCM da ECEME

Introdução

A pandemia da Gripe Espanhola (1918) é considerada a maior doença do século XX devido ao seu nível de letalidade. Apesar do nome, acredita-se que a contaminação tenha sido facilitada pela movimentação de militares na Europa durante a Primeira Guerra Mundial, onde rapidamente o vírus se espalhou pelo resto do mundo. Basicamente, o nome surgiu por conta do papel central desempenhado pelo país espanhol durante a crise, tendo sido um dos mais atingidos (MILLS, 2020).

Segundo Caleb Mills (2020), o surto pandêmico da Gripe Espanhola teve duas ondas: (I) na primeira onda, iniciada no verão, os sintomas se apresentavam como o de uma simples gripe, chegando a infectar cerca de 50% das tropas britânicas que estavam em combate na Europa; (II) na segunda onda, iniciada no outono, o vírus sofreu mutação e matou entre 20 e 50 milhões de pessoas. Os sintomas da mutação ficaram evidentes, tendo em vista que as vítimas morriam por um lento e doloroso sufocamento.

Mesmo com a grave crise de saúde, uma guerra estava em andamento. Diante deste cenário, tanto os Aliados quanto a Alemanha ignoraram os riscos para dar continuidade ao conflito. A história mostra que o resultado da imprudência coletiva foi calamitoso, matando milhares de pessoas até que uma certa porcentagem da população tivesse desenvolvido imunidade pós contaminação (MILLS, 2020).

No início de 2020, a identificação de uma nova doença denominada COVID-19, causada por um novo coronavírus, na cidade chinesa Wuhan, colocou a comunidade internacional e as autoridades de saúde em alerta (OPAS, 2020). Com o avanço do nível de contágio, Estados estão buscando reduzir a taxa de mobilidade social, por meio da adoção de medidas restritivas como a quarentena ou lockdown1. Isto é, na medida em que o número de casos se expande, governos tomam as devidas providências para garantir o afastamento social e, consequente, diminuição da curva de contágio.

Até o momento, a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que tais providências são as alternativas de controle da doença (OMS, 2020). Enquanto isso, cientistas de diversas regiões do mundo estão à procura de um tratamento ou desenvolvimento de uma vacina para que as atividades econômicas possam ser retomadas e vidas preservadas, evitando uma segunda onda de contágio como a da Gripe Espanhola. Portanto, mais uma vez, a humanidade e a ciência estão sendo desafiadas por um inimigo invisível.

No que tange o transbordamento da crise de saúde para a economia, especialistas avaliam que as medidas restritivas geraram uma crise econômica grave num curto espaço de tempo. A recuperação econômica vai depender de quão rapidamente o novo coronavírus vai ser vencido (DW, 2020). Com as paralisações, o setor industrial está sendo um dos mais afetados pela crise. Neste sentido, as perguntas que guiam este artigo são: qual seria o desafio da Indústria de Defesa com relação ao gerenciamento da cadeia de suprimentos durante a pandemia de COVID-19? Neste período, quais foram as principais medidas adotadas nos Estados Unidos da América (EUA) e no Brasil concernentes à Indústria de Defesa?

Este estudo entende que é importante analisar a relação entre o novo coronavírus e a Indústria de Defesa, pois, além de ser fundamental para a soberania de um país, o setor também desempenha um papel de destaque na economia. De acordo com Andrade et al (p. 7, 2016):

A Indústria de Defesa é uma grande geradora de empregos qualificados e inovações tecnológicas, pois necessita atender à sofisticada demanda do setor militar. Ademais, grande número destas inovações apresenta uso dual, sendo utilizada também para fins não militares. Elas contribuem para satisfazer as demandas de diversos setores econômicos, para capacitação de recursos humanos e disseminação de tecnologia em benefício da sociedade.

Por se tratar de um fenômeno recente e ainda em curso, para subsidiar a pesquisa e responder as questões são utilizadas majoritariamente notícias de jornais e portais, bem como artigos acadêmicos e publicações oficiais dos governos norte americano e brasileiro. O artigo está dividido em quatro seções, além da presente introdução. A primeira seção diz respeito às implicações da pandemia de COVID-19 na cadeia de suprimentos da Indústria de Defesa. A segunda e terceira seções apresentam um panorama das medidas concernentes à Indústria de Defesa adotadas pelos EUA e Brasil, respectivamente. Por fim, a última seção é referente às considerações finais do trabalho.

A cadeia de suprimentos na pandemia de COVID-19

Segundo Russel (2011), uma cadeia de suprimentos é composta por organizações e atividades conectadas sequencialmente, envolvidas na criação e disponibilização de um produto. Uma cadeia de suprimentos também pode ser vista como uma cadeia de valor, na medida em que fornecedores, fabricantes, transportadores e todos os outros agentes de uma cadeia de suprimentos agregam valor. Por outro lado, se alguém olhar na direção inversa para as mesmas atividades, uma cadeia de suprimentos poderá ser vista como uma cadeia de demanda.

Com o constante aumento da competitividade internacional e ambientes complexos de operações empresariais, o gerenciamento da cadeia de suprimentos tem se mostrado algo cada vez mais importante para a otimização de desempenho. A interdependência gerada pelo aumento de fluxo do comércio internacional mudou a maneira como as empresas agem estrategicamente na medida em que suas cadeias de suprimentos se tornam teias complicadas de redes globais (VISENTINI; BORENSTEIN, 2013). Sendo assim, a pandemia de COVID-19, marcada pela suspensão de diversas atividades, está refletindo diretamente no gerenciamento da cadeia de suprimentos global.

A disseminação do novo coronavírus está gerando impactos ainda difíceis de avaliar, pois as regiões mais afetadas estão no centro de muitas cadeias de suprimentos globais. Na ausência de informações concretas, aumenta-se a preocupação com estoques e necessidade de cumprir obrigações contratuais a tempo. Entretanto, os impactos em diversos setores parecem inevitáveis (PWC, 2020).

Estima-se que no curto prazo os custos dos suprimentos da China poderão aumentar, resultantes de fatores como horas extras, custos com fretes mais rápidos e pagamentos de preços mais altos na compra de suprimentos para que seja possível a manutenção da capacidade produtiva. Portanto, identificar cenários opcionais de suprimentos se torna essencial (PWC, 2020).

De modo geral, analistas alertam que a Indústria de Defesa deve ficar atenta aos níveis mais baixos de sua cadeia de suprimentos, enquanto tentam avaliar o caminho a ser seguido diante da pandemia de COVID-19. A logística deve considerar dois fatores principais: a produção e a entrega. Do lado da produção, os obstáculos incluem a potencial paralização dos trabalhadores devido à propagação do vírus, além de impactos econômicos. As restrições de viagens entre países podem complicar tais questões, dada a crescente natureza global da cadeia de suprimentos em programas militares, onde o atraso no fornecimento de peças pode levar a um atraso na entrega de um artigo de defesa (DEFENSE NEWS, 2020).

Neste momento, a Indústria Aeroespacial precisa de injeção de capital. As interrupções do lado civil dos negócios aeroespaciais podem resultar em suspensão da entrega de novas aeronaves, afetando o lado de defesa dos negócios. Tal transbordamento se dá pelo fato de que os contratos de defesa possuem cadeias globais de suprimentos que envolvem milhares de empresas. Portanto, neste momento a interrupção da força de trabalho pode gerar problemas para a indústria dos produtos de defesa (CLEVENGER, 2020).

Em razão da pandemia de COVID-19, a agência de classificação de risco, Moody’s, alterou sua perspectiva para a Indústria Aeroespacial e de Defesa global de “estável” para “negativa”. A mudança de perspectiva é decorrente da duração incerta e disseminação global do novo coronavírus, gerando corte e estresse financeiro (ISTOÉ, 2020). A Saab está suspendendo seus dividendos, citando a incerteza financeira criada pela COVID-19. A empresa sueca do setor de Defesa disse que, embora suas finanças atualmente sejam "robustas", optou por economizar dinheiro para se preparar para qualquer impacto inesperado em seus negócios causado pelo agravamento do surto (JANE’S, 2020).

Segundo a Embraer, diante das perdas registradas no último trimestre de 2019 e a pandemia de COVID-19, a tentativa de projeção do futuro da indústria de aviação se torna cada vez mais difícil. As entregas em 2019 ocorreram dentro do estimado. Entretanto, devido ao impacto da crise de saúde global, a empresa não consegue prever quantos dispositivos será capaz de entregar no ano de 2020 (AFP, 2020). Como fator de agravamento do cenário, a empresa americana Boeing anunciou unilateralmente o cancelamento do acordo para criar uma filial com a empresa brasileira (FORBES, 2020). Tal cenário demonstra o forte impacto da crise no setor aéreo mundial, marcado por suspensões da produção e de outras atividades.

Diante do exposto, entende-se que a Indústria de Defesa está tentando lidar com a rapidez que o COVID-19 passou de um problema em potencial para uma pandemia de alcance mundial com o fechamento de cidades, estados e países. Devido ao avanço do vírus, o grande desafio das empresas está sendo o de equilibrar a saúde dos trabalhadores e da população, em geral, com a manutenção da capacidade produtiva e, consequentemente, os empregos na indústria.

A longo prazo, o vírus também pode resultar em uma mudança na forma como os Estados definem as suas cadeias de suprimentos de segurança nacional. Ou seja, o surto de coronavírus poderá levar a um repensar profundo sobre quais cadeias de suprimentos são completamente vitais para a segurança de um determinado país, levando em consideração situações de fortes mudanças no cenário internacional (DEFENSE NEWS).

Sendo assim, é interessante analisar os esforços das Indústrias de Defesa para a superação da crise de saúde e tentativa de se evitar maiores transbordamentos para a área econômica, envolvendo o empenho de manutenção da capacidade produtiva ou adequação para fabricação de materiais essenciais ao combate do novo coronavírus. Para tal, as duas próximas seções deste estudo têm como propósito a apresentação de um panorama das principais ações envolvendo as Indústrias de Defesa dos EUA e do Brasil, respectivamente.

Panorama da Indústria de Defesa dos EUA durante a pandemia

Tratando da maior Indústria de Defesa mundial, o setor nos EUA vem recebendo tratamento prioritário como parte dos esforços de superação das dificuldades econômicas geradas pela COVID-19. No dia 18 de março de 2020, o presidente, Donald Trump, anunciou o acionamento de uma Lei da Produção de Defesa (Defense Production Act). Tal lei havia sido utilizada anteriormente em 1950, em resposta à necessidade de suprir determinados itens durante a Guerra da Coréia (CNN, 2020a).

O acionamento da Lei da Produção de Defesa visa ajudar no fornecimento de materiais de saúde com potencial para entrar em escassez. Donald Trump declarou que vê o país como em um momento de guerra e a si mesmo como um presidente de guerra em meio à crise. Apesar disso, ele enfatizou que os mecanismos previstos na lei só seriam usados no pior dos cenários no futuro e espera que o mesmo não seja necessário (CNN, 2020b).

Federal Emergency Management Agency2 descreve a lei como o primeiro instrumento das autoridades presidenciais para acelerar e expandir o fornecimento de recursos da Indústria de Defesa norte americana, tornando possível o apoio a programas militares, energéticos, espaciais e de segurança interna. Tal medida visa incentivar a indústria nacional na produção de materiais que sejam de interesse da Defesa Nacional. Portanto, o acionamento deste mecanismo da lei americana representa a forma como o governo encara as implicações da pandemia de COVID-19 na sociedade e economia do país, possibilitando que o governo assuma maior controle da produção industrial durante a crise (CNN, 2020a).

Apesar de ter invocado a Lei da Produção de Defesa, Donald Trump ainda não exerceu seus poderes federais para de fato utilizá-la. Enquanto isso, autoridades de saúde alertam sobre possíveis carências de suprimentos médicos capazes de salvar vidas, como ventiladores, equipamentos de segurança para médicos na linha de frente de combate a pandemia de COVID-19 (CNN, 2020b). Neste sentido, ao mesmo tempo em que algumas empresas de suprimentos médicos estão aumentando a produção de equipamentos essenciais por conta própria, há poucas evidências de que Trump esteja usando ativamente seus poderes no âmbito da Lei da Produção de Defesa para direcionar as atividades industriais.

Além do acionamento da lei mencionada acima, no dia 19 de março de 2020, o Department of Homeland Security3 definiu os trabalhadores da Indústria de Defesa como essenciais para a viabilidade da infraestrutura na crise. Isto significa que cerca de 2,5 milhões de trabalhadores continuarão a exercer as suas atividades mesmo com possíveis restrições de movimentação por parte dos governos locais. (CLEVENGER, 2020). Com esta designação especial, o governo americano busca evitar que as empresas do setor sejam penalizadas por possíveis prazos perdidos por conta da diminuição da capacidade produtiva no período da crise.

Mesmo com todas as intervenções do governo norte americano para mobilização da Indústria de Defesa na fabricação de produtos necessários ao combate à pandemia, o país está sendo acusado de reter itens médicos destinados a outros países (DW, 2020). Ao superar valor de compra de produtos de contratos já assinados ou apreender remessas de produtos, os EUA demonstram uma certa preocupação com a situação da disputa global por determinados itens considerados indispensáveis no enfrentamento da crise sanitária.

Panorama da Indústria de Defesa brasileira durante a pandemia

No Brasil, iniciativas estão sendo implementadas no sentido de contribuir com a superação da crise de saúde. A Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança4 (ABIMDE) anunciou a criação de um grupo de trabalho, possuindo como objetivo principal a sincronização das ações para atender e apoiar as necessidades do governo no combate à pandemia COVID-19. A Associação, com suas cerca de 200 empresas associadas e dentro de suas limitações, atua de forma coordenada com o Ministério da Defesa e o Comitê de Crise (ABIMDE, 2020). Através desta iniciativa, a entidade reforça a questão da dualidade da Indústria de Defesa e fortalece a atitude social, mostrando para a sociedade o quanto o setor de Defesa pode contribuir em um momento de crise, dado o alto nível tecnológico empregado na fabricação de seus produtos.

Além disso, empresas estão adaptando linhas de produção para possibilitar a fabricação de equipamentos de proteção individual. Como por exemplo, a empresa estratégica de Defesa, Taurus Armas S.A., estabeleceu parceria com a Escola de Engenharia, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para viabilizar a produção de máscaras especiais destinadas à proteção dos profissionais de saúde que estão na linha de frente do combate à COVID-19. A distribuição das máscaras será realizada pelo grupo “Brothers in Arms Impressão 3D”, responsável por organizar as demandas e a logística das doações para os hospitais (LRCA, 2020). A participação da Taurus na iniciativa possibilitou a produção em larga escala, ampliando a contribuição da Indústria de Defesa no combate à pandemia.

Em uma outra iniciativa chamada “COVID-19, Produtos ao Alcance de Todos”, empresas da Base Industrial de Defesa5 foram identificadas, visando o fornecimento de equipamentos para auxiliar no combate ao vírus. A ação foi lançada em 27 de março 2020 e faz parte da “Operação COVID-19” do Governo Federal, assim as empresas começaram a alterar seus processos produtivos, permitindo a oferta de produtos como: álcool gel, máscaras, luvas, artigos de laboratório e farmácia, respiradores automáticos e termômetros digitais a laser. Além disso, as empresas cadastradas apresentaram suas capacidades de produção diária para que fosse possível a elaboração de um planejamento baseado em capacidades (BRASIL, 2020a).

Recentemente, a Marinha do Brasil e a Universidade de São Paulo (USP) anunciaram uma parceria para a fabricação de um modelo de ventilador pulmonar desenvolvido pela universidade. O modelo, chamado “Inspire”, foi criado com o objetivo de oferecer uma alternativa para a escassez de respiradores no mercado mundial por conta da demanda emergencial. O “Inspire” é um aparelho de baixo custo que pode ser produzido em até 2 horas, com tecnologia nacional, sendo mais barato do que os disponíveis no mercado. A estimativa inicial é de que o Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP) tenha a capacidade de produzir entre 20 e 50 respiradores pulmonares por dia, com possibilidade de ampliação da produção caso haja demanda (USP, 2020).

Apesar dos esforços mencionados nos parágrafos desta seção, o Sistema Único de Saúde (SUS)6 foi rapidamente sobrecarregado e, segundo algumas fontes, faltam equipamentos básicos para os doentes e para aqueles que estão na linha de frente (ISTOÉ, 2020). Na visão da autora deste artigo, o enfrentamento eficiente da crise pandêmica passa pela formulação de políticas públicas capazes de conectar de forma mais consistente as empresas da Base Industrial de Defesa, as universidades e o Estado. Soluções inovadoras, como o desenvolvimento de um respirador de baixo custo ou produção de equipamentos de proteção individual, precisam ser fomentadas de modo a conseguir atender cada vez mais a demanda do mercado.

Pensando em atender demandas com fabricação local, uma vez suprida a necessidade nacional, haveria a possibilidade de inserção do país no mercado internacional de produtos considerados essenciais e críticos, principalmente com os Estados vizinhos. Entretanto, conforme já mencionado, o Brasil carece de políticas públicas e planejamento que fomentem o esforço sinérgico da indústria de defesa, academia-órgãos governamentais-sociedade civil no oferecimento de soluções no escopo do enfrentamento à pandemia.

Considerações Finais

Os resultados negativos e infrutíferos decorrentes das ações contra a epidemia da Gripe Espanhola lançou luz da comunidade científica internacional para um combate eficaz ao denominado COVID19, especialmente no que tange aos aspectos de saúde e de segurança. Diante de lições que podem ser aprendidas com eventos passados, na atual crise enfrentada ao redor do mundo, é importante que equívocos de mesma natureza sejam minimizados. Se, por um lado, é desejável seguir as diretrizes estabelecidas por organismos internacionais e, principalmente, autoridades nacionais, também parece legítima a preocupação com os transbordamentos da crise gerada pela pandemia de COVID-19 para a economia. Medidas restritivas refletem diretamente no gerenciamento da cadeia de suprimentos, tendo em vista o alto grau de interdependência e complexidade das redes de operações comerciais. Para a Indústria de Defesa esse cenário é um fator crítico, pois pode significar o atraso de importantes contratos e perda da capacidade produtiva em programas estratégicos. Portanto, conforme já mencionado, o grande desafio do setor está sendo o de equilibrar as questões de saúde com a manutenção da produção e os empregos na indústria.

Nos EUA, o setor está recebendo tratamento prioritário, como parte dos esforços de superação das dificuldades econômicas geradas pela pandemia de COVID-19. No dia 18 de março de 2020, foi invocada a Lei da Produção de Defesa para acelerar e expandir o fornecimento de recursos da Indústria de Defesa norte americana na produção de materiais que sejam de interesse da Defesa Nacional. Além disso, os trabalhadores do setor foram considerados essenciais para a viabilidade da infraestrutura durante a crise.

Apesar das políticas públicas adotadas pelo governo de Donald Trump para fomentar o setor no que tange a produção de bens essenciais, o país está sendo acusado de reter equipamentos médicos que seriam destinados a outros Estados. Tal postura reflete a preocupação existente em nível global no que tange a aquisição de produtos ou insumos necessários para o enfrentamento da crise.

No Brasil, identificou-se importantes iniciativas que estão sendo implementadas no sentido de contribuir para a superação da pandemia de COVID-19. Estas iniciativas podem ser exemplificadas na criação do grupo de trabalho da ABIMDE, na participação de empresas estratégicas na fabricação de equipamentos de produção individual e outros itens essenciais à saúde. Destaca-se ainda a parceria entre a Marinha do Brasil e a USP para a fabricação do respirador de baixo custo “Inspire”.

Todavia, apesar das importantes iniciativas mencionadas acima, os esforços não foram suficientes para impedir a sobrecarga no SUS. Logo, entende-se que a Indústria de Defesa brasileira poderia ser mais atuante no que tange à criação de soluções inovativas para a crise de saúde, dado o alto nível tecnológico do setor. Para tal, faz-se necessária a criação de políticas públicas robustas que envolvam de forma coordenada as empresas, a academia e o governo.

Os pontos abordados neste artigo, motivadores das perguntas realizadas no parágrafo introdutório, destinam-se a contribuir com o desenvolvimento de estudos que abordem a relação entre Indústria de Defesa e a pandemia de COVID-19. As considerações feitas ao longo da pesquisa possibilitam o início do entendimento de aspectos ainda pouco tratados, justamente por se referir a um fenômeno novo e ainda em curso.

Rio de Janeiro - RJ, 24 de junho de 2020.


1 Lockdown: “é a versão mais rígida do distanciamento social e quando a recomendação se torna obrigatória. É uma imposição do Estado que significa bloqueio total. No cenário pandêmico, essa medida é a mais rigorosa a ser tomada e serve para desacelerar a propagação do novo Coronavírus, quando as medidas de isolamento social e de quarentena não são suficientes e os casos aumentam diariamente (DASA, s/p, 2020)”.
2 Federal Emergency Management Agency: é uma agência do governo norte americano que apoia cidadãos e equipes de emergência a criar, sustentar e melhorar as capacidades do país de se preparar, proteger, responder, recuperar e mitigar perigos (EUA, 2020).
3 Federal Emergency Management Agency: é uma agência do governo norte americano que apoia cidadãos e equipes de emergência a criar, sustentar e melhorar as capacidades do país de se preparar, proteger, responder, recuperar e mitigar perigos (EUA, 2020).
4 ABIMDE: Associação comprometida com o empresariado e reconhecida oficialmente como a principal do setor, atuando na valorização das empresas nacionais e em todas as esferas governamentais – federal, estaduais e municipais (ABIMDE, 2018).
5 Base Industrial de Defesa: se refere ao conjunto de empresas estatais ou privadas responsáveis pelas etapas de pesquisa, desenvolvimento, produção, distribuição e manutenção de produtos estratégicos de defesa (BRASIL, 2019).
6 SUS: é o sistema público de saúde brasileiro e um dos maiores e mais complexos sistemas de saúde pública do mundo, de acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2020b).

Como Citar este documento:

FERREIRA, Lorena Toffano. COVID-19 e Indústria de Defesa: o desafio para a cadeia de suprimentos e o panorama das principais iniciativas dos EUA e Brasil. Observatório Militar da Praia Vermelha. Rio de Janeiro: ECEME. 2020.

Referências:

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ABIMDE. Quem somos. 2018. Disponível em: http://www.abimde.org.br/abimde-sobre Acesso em: 29 mai. 2020.

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ANDRADE, I. O.; FILHO, E. B.; HILLEBRAND, G.; SUMI, M. C. O fortalecimento da indústria de defesa no Brasil. Textos para discussão, n°2182 Brasília: IPEA, 2016.

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