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As capacidades e limitações dos Grupos Táticos de Batalhão (BTG) na guerra russo-ucraniana

Publicado: Quarta, 04 de Outubro de 2023, 01h01 | Última atualização em Domingo, 05 de Mai de 2024, 13h53 | Acessos: 701

 

Vinícius de Castro Leal
Major do Exército Brasileiro.

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1. Introdução

A invasão da Ucrânia pelas Forcas Armadas russas lideradas por Vladimir Putin, iniciada no dia 24 fevereiro de 2022 e que perdura por mais de quinhentos dias, tem a relevância de ser a maior operação militar na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (REIS, 2022).

Se para a maior parte dos países do sistema internacional, russos e ucranianos estão enfrentando uma típica guerra entre Estados, para Vladimir Putin, os russos deflagraram uma operação militar especial na Ucrânia, com o fito de apoiar o intento da população que vive nas províncias de Donetsk e Lugansk, ambas situadas na parte leste do território ucraniano. Diante dessa particularidade, o estudo da referida guerra precisa ser cuidadoso ao examinar suas definições, pois, como qualquer outro fenômeno social, os conceitos são variados e, frequentemente, o sentido proposto mascara uma postura política ou filosófica particular defendida pelo autor (PINTO, 2022).

A Ucrânia, palco do conflito armado, possui um território de aproximadamente 603.628Km2, o que lhe confere a posição de segundo maior país em área territorial do velho continente, atrás somente da Rússia, a qual abarca uma região quase dezoito vezes maior. O país, situado no Leste Europeu, é banhado pelo mar de Azov e pelo mar Negro a Sul; faz fronteira com a Rússia a Leste em uma faixa terrestre de aproximadamente 1.925 Km; com Bielorrússia ao Norte; com a Polônia, Eslovênia e Hungria a Noroeste; e com a Romênia e Moldávia a Oeste. Atualmente a nação é comandada pelo presidente Volodymyr Zelensky.

A razão para a escalada da beligerância, em uma visão holística ocidental, está calcada em aspectos históricos, geopolíticos e militares. No primeiro deles, as origens das duas nações estão fortemente ligadas, desde a formação da Russía de Kiev, passando pela aglutinação da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, até a independência da Ucrânia após o fim da Guerra Fria. Além disso, o território ucraniano configura-se como uma barreira geográfica natural que provê segurança aos russos (REIS, 2022) frente à projeção de poder de países pertencentes à aliança militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e à linha de mísseis nucleares estadunidenses alocados no leste do continente europeu.

Baseado na narrativa de proteção à sua segurança territorial e dos povos de origem russa na região do Donbass (composta pelas cidades da Donetsk e Luhansk, no limite leste ucraniano), e almejando restabelecer a liderança no seu entorno estratégico a partir do segundo semestre de 2021, Moscou mobilizou cerca de 170 grupos táticos de batalhões em sua fronteira sudoeste, divididos em cinco eixos de progressão, dos quais cerca de 120 invadiram a Ucrânia. Vale ressaltar que, tais motivos já foram utilizados pelos russos para intervenções militares na Chechênia (1994 -1996), na Geórgia (2008), na Criméia (2014) e na própria região do Donbass (2014).

Nesse sentido, o referido artigo busca realizar uma análise das capacidades e limitações dos grupos táticos de batalhão (BTG) russos na guerra russo-ucraniana. Entende-se que, devido a avultada importância, atualidade e a dimensão global alcançada, o estudo da guerra russo-ucraniana pode contribuir para a Doutrina Militar Brasileira, haja vista as inovações constatadas nas operações militares desencadeadas por russos e ucranianos nesse conflito, além dos óbices enfrentados pelos dois países.

2. As capacidades e limitações dos BTG

Durante a execução da Operação Militar Especial, iniciada em fevereiro de 2022, as Forças Armadas russas utilizaram o BTG como módulo básico de combate no domínio terrestre. O BTG, embora possua efetivo e comando semelhantes aos existentes nos Batalhões de Infantaria brasileiros (400 a 900 militares), caracteriza-se pela combinação de armas e capacidades.

Na doutrina brasileira, tal especificidade só é vista nos escalões Brigadas ou superiores (BRASIL, 2017), com a rara exceção das forças-tarefas nível Unidade da Brigada de Infantaria Paraquedista, em virtude de sua característica específica de estabelecer cabeças de ponte aérea de maneira descentralizada. Nesse sentido, tal comparação auxilia o entendimento da complexidade da formação dos BTG.

“Os Grupos Táticos de Batalhão (BTGs) (uma ideia que remonta à década de 1990) foram introduzidos em 2012 para gerar poder de combate efetivo a partir de brigadas, concentrando o pessoal contratado em um grupo do tamanho de um batalhão. Os BTGs geralmente compreendem um batalhão de tanques ou infantaria reforçado com armadura ou infantaria e com artilharia, defesa aérea, guerra eletrônica e outros ativos de apoio de combate” (HACKETT, CHILDS, BARRIE, 2022, n.p).

Tendo em vista sua composição modular, as análises das diversas funções de combate estão intricadamente ligadas à composição dos BTG. Dessa maneira, ao elencar os fatores presentes no referido módulo básico de combate, é possível observar as capacidades operativas da Rússia. Todavia, é inapropriado afirmar que as ações no campo de batalha se resumem às manobras dos BTG.

Os BTG têm sua origem na Segunda Guerra Mundial, momento em que foram empregados de maneira estanque, em virtude dos fatores da decisão: missão e meios. A retomada da referida organização de pessoal e meios foi resultado da reformulação das Forças Armadas russas na primeira década do século XXI, sendo novamente empregado nos conflitos na Chechênia e Geórgia (FIORE, 2017). Ademais, seu uso foi largamente empregado na Ucrânia, seja nos conflitos da década de 2010 e, principalmente na Operação Militar Especial iniciada em 2022.

“Assim, quando a ofensiva contra Donbass foi empreendida a sério ao longo de maio de 2022, estima-se que as forças russas estavam em campo com um total de 146 BTGs localizados na Ucrânia, dos quais 93 estavam ativos, 13 estavam sendo restaurados e 40 estavam em primeiro e reservas da segunda fase. Isso incluiu os 136 BTGs na força de invasão original e unidades adicionais formadas a partir de reservas e recrutas da República Popular de Luhansk e da República Popular de Donetsk” (ZABRODSKYI, 2022, p. 35).

A forte estagnação russa na década de 1990, registrando índices de crescimento negativos, que giravam em torno de -6,6% entre 1992 e 1998 (SERRANO; MAZAT, 2017), associada aos revezes militares obtidos em algumas investidas (como na Chechênia), ou mesmo pouco expressivas (como na Geórgia), fez com que Moscou iniciasse em 2008 uma profunda reforma militar em suas Forças Armadas, fortemente caracterizada  pela redução de efetivos, sendo chamada de New Look (HACKETT; CHILDS; BARRIE, 2022).

Para Hackett et. al. (2021), o New Look foi uma reestruturação comandada pelo General russo Serdyukov, o qual reduziu em mais de 50% o número de oficiais, sendo que no alto comando, a redução chegou a quase 70%. Depois desse corte inicial, as Forças Armadas russas continuaram em seu intento na redução do efetivo militar, todavia empregando um maior percentual de soldados profissionais e com maior estado de prontidão.

Essa reforma redundou na reativação do BTG na doutrina militar russa. Contudo, contando com mais capacidades, menos efetivo e uma organização militar mais enxuta do que a verificada nos tradicionais Batalhões de Infantaria existentes no Exército Brasileiro. Em linhas gerais, pode-se dizer que o poder de combate dos BTG russos possuem entre 2 a 4 Subunidades de fuzileiros (com cerca de 50 homens cada), contam com sistemas de apoio de fogo, vigilância, carros de combate e ainda possui forças paramilitares locais (FIORE, 2017).

Todavia, cumpre mencionar que a interação dos comandantes nível Subunidade e Pelotão normalmente só ocorrem quando os BTG são empregados, o que dificulta a coordenação e controle (ZABRODSKYI et. al., 2022). Dessa maneira, os BTG possuem uma composição de pessoal bastante heterogênea. A principal diferença entre um BTG e uma formação permanente de armas combinadas é a de que aproximadamente metade de seu pessoal e a maior parte dos comandantes de Unidade só entram em contato com a fusão do BTG propriamente dito e o consequente emprego dele em operações (ZABRODSKYI et. al., 2022).

De acordo com Ferreira (2022), por ocasião da guerra russo-ucraniana, os BTG apresentam as seguintes características: 1) ação de choque, típica das forças blindadas (combinado infantaria - carro de combate); 2) reconhecimento e vigilância (tropas terrestres, radares e aeronaves remotamente pilotadas); 3) apoio de fogo potente e flexível (morteiros, obuseiros e lançadores de foguetes) com alcance de até 40 km; 4) defesa anticarro (mísseis); 5) defesa antiaérea de baixa e de média altura (mísseis e canhões); 6) defesa química, biológica, radiológica e nuclear (QBRN); 7) apoio à mobilidade, contramobilidade e proteção (engenharia de combate); 8) guerra eletrônica; 9) comando, controle e comunicações e; 10) sustentação logística. Todavia, a composição desses não é uniforme e possuem limitações para realizar, simultaneamente, operações ofensivas e manter a segurança do flanco e da retaguarda.

“Como exemplo, considere a composição de dois BTGs, que operavam quase na mesma área no leste da Ucrânia no final de abril de 2022. Um deles era do 228º Regimento de Fuzileiros Motorizados da 90ª Divisão Blindada do Distrito Militar Central (distrito de Svatove): 23 APCs; seis tanques; uma bateria de artilharia autopropulsada de 122 mm; três MLRS BM-21 'Grad'; até 40 veículos; e cerca de 400 funcionários. Outro era da composição da 57ª Brigada de Fuzileiros Motorizados do 5º Exército do Distrito Militar Leste (distrito de Rubizhne): mais de 30 viaturas de combate de infantaria (IFVs); 14 tanques; uma bateria de artilharia autopropulsada de 122 mm; uma bateria de artilharia autopropulsada de 152 mm; uma bateria MLRS BM-21 'Grad'; até 60 veículos; e cerca de 800 funcionários” (ZABRODSKYI et. al., 2022, p. 31).

Outra questão que compromete a eficiência operacional dos BTG está relacionada à questão do comando e controle. Poucas Unidades possuem a capacidade de realizar um reconhecimento por intermédio de drones, como o Shahed-136 de origem iraniana, utilizados também para as buscas de alvo, realidade que limita a consciência situacional no campo de batalha. Além disso, segundo Zabrodskyi et. al. (2022), em março de 2022, cerca de 85% das mensagens circuladas nos equipamentos rádio das tropas russas no nível BTG consistiam em informações sobre a localização de Unidades e apenas 15% das mensagens circuladas nos equipamentos rádio das tropas russas no nível BTG, relacionavam-se ao gerenciamento de combate. Não pelo acaso, em maio de 2022, um BTG foi praticamente dizimado ao realizar a transposição do rio Seversky Donets (WAACK, 2022).

Em virtude de possuir um efetivo análogo a um batalhão de infantaria, os BTG têm uma estrutura organizacional pesada para o escalão considerado, acarretando elevada demanda de suprimento, manutenção e logística. No eixo norte, na direção tática de atuação (DTA), Belarus - Kyev, que incide sobre a capital ucraniana, a longitude entre as bases logísticas e os elementos de 1º escalão extrapolaram a distância máxima de apoio (DMA) de 90 km, inviabilizando o adequado suprimento de alimento, combustível e munição, o que redundou no insucesso na conquista de Kyev (TOLEDO, 2022). Somado a isso, a deficiência no recompletamento de soldados com funções específicas denegriu o a capacidade dos BTG.

“[...] em 22 de abril de 2022, como resultado de combates na direção de Kurakhove, um BTG da 136ª Brigada de Fuzileiros Motorizados do 58º Exército de Armas Combinadas do Distrito Militar do Sul foi retirado da batalha tendo perdido 240 militares mortos em ação, 11 IFVs, quatro tanques, três canhões autopropulsados e três MLRS BM-21 'Grad'. Estatisticamente, o BTG perdeu apenas até 30% de seu poder de combate inicial e muitos de seus elementos de apoio estavam intactos. No entanto, como unidade, não era mais capaz de executar as tarefas que lhe eram atribuídas” (ZABRODSKYI et. al., 2022, p. 46).

Com isso, é possível concluir, de forma parcial, que a combinação de armas em alguns grupos táticos de batalhão russos pode resultar em um maior poder relativo de combate destes, em comparação, por exemplo, às peças de manobra, de mesmo escalão, do Exército Brasileiro. Tal aspecto pode ser justificado pelo maior poder de fogo atribuído aos BTG, proveniente de peças de artilharia autopropulsada.

Também é possível inferir, de forma preliminar, que o déficit de oficiais, comandantes e assessores nos diversos escalões; a falta de materiais de emprego militar para o comando e controle; a falta de materiais de emprego militar para a busca de alvos, como o drone Shahed-136, aliados a ineficiente estrutura logística, constituem limitadores dos referidos módulos básicos de combate, os quais interferem na capacidade militar russa na Ucrânia. Somado a isso, em virtude de sua composição heterogênea e a utilização de forças paramilitares como força de manobra, os BTG possuem dificuldade para realizar operações ofensivas, bem como são ineficientes em manter a segurança do flanco e da retaguarda.

3. Conclusão

A guerra da Ucrânia tem se apresentado como placo das aspirações da Rússia em projetar poder em seu entorno estratégico e assegurar sua segurança territorial, postura que viola a legítima soberania de seu vizinho de oeste. Nesse contexto, o emprego dos BTG é utilizado como ferramenta da expressão de poder militar para o atingimento dos objetivos políticos de Moscou.

Em síntese, pode-se dizer que os grupos táticos de batalhão não confirmaram sua eficácia frente a um inimigo com menor poderio bélico, fato observado pela duração dos combates. Embora alguns BTG possuam poder relativo de combate mais elevados, em comparação com os elementos de manobra brasileiro de mesmo escalão, os módulos básicos de combate russos apresentam certa dificuldade para exercer o efetivo comando e controle, além de possuirem complexa logística, haja vista a existência de distintos sistemas operacionais.

Com isso, conclui-se que as particularidades dos BTG podem acarretar na necessidade da implantação do estudo desse tipo de organização militar nas escolas militares do Brasil. Nesse interím, é importante destinar um olhar especial para os seguintes aspectos: 1) o emprego de sensores para vigilância e busca de alvos, como os drones Shahed-136, os quais proporcionam maior consciência situacional do campo de batalha; 2) o incremento de peças anticarro, as quais possibilitam o engajamento junto aos carros de combate oponente e; 3) a modernização das baterias de busca de alvo, as quais possibilitam a detecção de peças de artilharia cada vez mais próximas do limite anterior da área de defesa avançada. 

Por fim, a guerra russo-ucraniana tem-se se mostrado num valioso laboratório, o qual permite o estudo para o aprimoramento das capacidades operativas dos principais exércitos do mundo, o que inclui o Brasil, em um ambiente operacional cada vez mais complexo.

 

 

 Referências Bibliográficas: 

  1. BRASIL. Ministério da Defesa. Exército Brasileiro. Manual de Operações - EB70-MC-10.223. Brasília: Exército Brasileiro, 2017.

  2. FERREIRA, Walter da Costa. Avaliação estrutural do Grupo Tático de Batalhão. Revista Doutrina Militar, Vol. 10, nº 031, p. 4-11, 2022.

  3. FIORE, Nicolas J. Defeating the Russian Battalion Tactical Group. Disponível em: https://www.moore.army.mil/armor/earmor/content/issues/2017/spring/2Fiore17.pdf Acesso em: 30 de julho 2023.

  4. HACKETT, James; CHILDS, Nick; BARRIE, Douglas. If New Looks could kill: Russia’s military capability in 2022. International Institute for Strategic Studies, 2022. Disponível em: https://www.iiss.org/online-analysis/military-balance/2022/02/if-new-lo oks-could-kill-russias-military-capability-in-2022. Acesso em: 02 de agosto 2023.

  5. PINTO, Neyton Araujo. Causas da Guerra (Ucrânia). Revista Doutrina Militar, Vol. 10, nº 031, p. 64-74, 2022.

  6. REIS, Bruno Cardoso. Da invasão de Putin a uma revolução Estratégica. Instituto de Defesa Nacional, 2022. Disponível em: https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/399 43/1/REISBrunoCardos_AguerranaUcrania_IDNBrief_marco_2022.pdf. Acesso em: 13 de maio de 2023.

  7. SERRANO, Franklin; MAZAT, Numa. A macroeconomia da federação russa: do tratamento de choque à recuperação nacionalista - uma interpretação heterodoxa/2017. Revista Tempo do Mundo, Vol. 3, nº 1, p. 218-256, 2017.

  8. TOLEDO, Carlos Adriano Alves. A logística russa na Guerra da Ucrânia: óbices observados e lições aprendidas. Revista Doutrina Militar, Vol. 10, nº 031, p. 30-39, 2022.

  9. WAACK, Willan. Rússia fracassa em tentativa de travessia do rio Donets (2022). CNN, 2022. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/waack-russia-fracassa-em-tentativa-de-travessia-do-rio-donets. Acesso em: 03 de agosto de 2023.

  10. ZABRODSKYI, Mykhaylo; WATLING, Jack; DANYLYUK, Oleksandr; REYNOLDS, Nick. Preliminary Lessons in Conventional Warfighting from Russia’s Invasion of Ukraine: February–July 2022. Royal United Services Institute for Defence and Security Studies, 2022. Disponível em: https://rusi.org/explore-our-research/publication s/special-resources/preliminary-lessons-conventional-warfighting-russias-invasion-ukra ine-february-july-2022. Acesso em: 14 de julho 2023.

 

Rio de Janeiro - RJ, 04 de outubro de 2023.


Como citar este documento:
Leal, Vinícius de Castro. As capacidades e limitações dos Grupos Táticos de Batalhão (BTG) na guerra russo-ucraniana. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2023.  

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