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A energia verde como meio para a Arábia Saudita expandir sua influência no Cazaquistão e Uzbequistão

Publicado: Quinta, 01 de Fevereiro de 2024, 01h01 | Última atualização em Quinta, 01 de Fevereiro de 2024, 08h20 | Acessos: 226

 

Jonathan Christian Dias dos Santos
Mestre em Geografia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
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1. Introdução

Em dezembro de 2015, foi realizada na França a 21ª conferência das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas: COP-21. Nesse encontro, foram firmados os acordos de Paris, que dentre os objetivos estabelecidos, havia um que buscava conter os efeitos das mudanças climáticas e limitar o aumento da temperatura terrestre a 1,5º C, abaixo dos 2º C definidos na COP-15, ocorrida em 2009 na Dinamarca (ROVERE, 2016).

Para alcançar essa meta, é necessário que as principais potências reduzam o uso dos combustíveis fósseis, considerado como um dos principais responsáveis pela emissão dos gases que contribuem para o efeito estufa (Dióxido de Carbono, Metano, Óxido Nitroso e Clorofluorcarbonetos). Contudo, o que se tem visto é uma transição global lenta das fontes de energia baseadas no carbono (STRATEGIC COMENTS, 2022).

Nos países da península arábica, cujas economias são centradas na produção e exportação de petróleo (Petrostates), a mudança no paradigma econômico-energético tem gerado desafios e oportunidades de toda ordem. O maior produtor da região é a Arábia Saudita, que em 2021, produziu 10.954 barris por dia (BRITISH PETROLEUM, 2022). Como se não bastasse, o país ainda possui os custos de extração mais baixos e a maior capacidade de produção excedente de petróleo bruto de todos os membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) (RAZEK & MCQUINN, 2021).

Tabela 1 - Produção de petróleo no Oriente Médio em 2021

Países do Oriente Médio

Produção em milhares de barris por dia

Arábia Saudita

10.954

Iraque

4.102

Emirados Árabes Unidos

3.668

Irã

3.620

Kuwait

2.741

Catar

1.746

Omã

971

Fonte: BRITISH PETROLEUM, 2022.

Os sauditas, atentos às mudanças na agenda política do clima provenientes dos acordos de Paris, aprovaram em junho de 2016 o Programa Nacional de Transformação. Também conhecido como Saudi Vision 2030, o referido programa visa diversificar a economia saudita por meio de atividades e alternativas comerciais. O foco do programa está centrado na possibilidade do país se tornar um hub logístico e econômico entre a Ásia, Europa e África. Para tanto, a Arábia Saudita tem privatizado importantes setores públicos, da mesma forma que também tem envidado esforços no sentido de atrair investimentos de diversas partes do mundo. Tudo isso com a finalidade de aumentar o papel do setor privado em sua economia (BRADSHAW et al., 2019)[1].

Além da ideia central em tornar a economia saudita cada vez mais independente do petróleo e de fontes de energia não-renováveis, o Saudi Vision 2030 também prepara o país para uma transição energética e econômica mais sustentável. Dessa maneira, empresas do ramo de energia na Arábia Saudita ganham apoio financeiro para o desenvolvimento de projetos de energia verde em escala nacional e internacional, postura que tem permitido a Arábia Saudita expandir sua influência para setores que trabalham em fontes de energia não-renováveis.

Em vista disso, este artigo busca analisar o comportamento da Arábia Saudita no cenário de transição da matriz energética global e como o Cazaquistão e o Uzbequistão, dois países da Ásia Central, têm sido utilizados como plataformas para projeção de poder e influência dos sauditas nesse recente movimento de mudança. Desta forma, o presente artigo está estruturado da seguinte maneira: primeiro, são apresentados os caminhos pelos quais a Arábia Saudita financia projetos de energias verdes. Em seguida, é apresentada a atuação de Riade no financiamento de projetos de infraestrutura energética renovável, com foco no Cazaquistão e no Uzbequistão.

 

2. “Follow the Money”: qual é a origem do dinheiro que financia a transição energética na Arábia Saudita?

A Arábia Saudita, desde meados do século XX, é o maior e mais importante ator geopolítico do Oriente Médio e um dos mais importantes atores do mundo. Em uma economia mundial delineada pela indústria e com alto consumo de recursos naturais não-renováveis, como o petróleo, a Arábia Saudita sempre manteve grande prestígio em escala global devido às suas vastas reservas petrolíferas - aproximadamente 21% das reservas de petróleo cru do mundo estão localizadas em território saudita (ORGANIZATION OF THE PETROLEUM EXPORTING COUNTRIES, 2023).

A exploração de petróleo na Arábia Saudita começou em 1923, através da empresa britânica Eastern and General Syndicate Ltd. Anos depois, em 1938, o país descobriu reservas em quantidade o suficiente para serem comercializadas. Na década de 1970, o Produto Interno Bruto (PIB) saudita chegou a ser 64% composto pelas vendas desse combustível fóssil (HITTI; ABED, 1974).  A importância do petróleo na economia do país se sucedeu ao longo dos anos, com uma queda no começo do século XXI[2], como pode ser visto no gráfico a seguir:

Gráfico 1 - Participação percentual da renda do petróleo no PIB saudita (1970-2020)

 energia verde como meio para arabia saudita expandir sua influencia no cazaquistao uzbequistao fig1

Fonte: THE WORLD BANK, 2023.

Com os altos rendimentos provenientes da venda de petróleo, os Petrostates criaram fundos soberanos para acumular os lucros obtidos através de ativos econômicos controlados pelos Estados. A principal premissa desses fundos é de que o capital acumulado seja utilizado em prol das gerações futuras, com foco voltado para o financiamento de projetos de desenvolvimento elaborado pelos governos e/ou para ser utilizado como reserva monetária dos países em momentos de crise econômica.

Apesar dos períodos de flutuação econômica ocasionados pela volatilidade do mercado energético, resultante de conflitos regionais, procura e demanda, e sanções econômicas, a Arábia Saudita criou seu fundo soberano em 1971: o Fundo de Investimento Público. Segundo o Allocation And Impact Report, o fundo soberano saudita é o principal meio que tem sido utilizado para financiar iniciativas e parcerias estratégicas, tanto na Arábia Saudita, quanto em outros países (PUBLIC INVESTMENT FUND, 2023).

A partir de 2014, o Fundo de Investimento Público saudita gradativamente tornou-se uma importante ferramenta para implementar os projetos de transformação nacional, em especial o Saudi Vision 2030. Segundo o documento citado no parágrafo anterior, até setembro de 2023, o fundo saudita tinha uma carteira verde avaliada em pouco mais de US$ 11 bilhões de dólares com projetos em construção e questões operacionais. Ou seja, nota-se que os proventos obtidos com o petróleo ao longo dos anos são importantes para os sauditas alcançarem dois objetivos: a) financiar as ambições econômicas, sociais e iniciativas ambientais do Saudi Vision 2030, incluindo a meta de zerar as emissões de gases de efeito estufa até 2060; e b) subsidiar as estratégias geopolíticas da Arábia Saudita, diante da crescente conjuntura da energia verde e na mudança da matriz energética mundial.

 No trecho a seguir, será apresentado como o financiamento do Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita tem sido empregado para amplificar a influência geopolítica do país no segmento da energia verde, adotando como estudo de caso a atuação saudita em dois países da Ásia Central: o Cazaquistão e o Uzbequistão.

 

3. A Arábia Saudita e o desenvolvimento da energia verde no Cazaquistão e Uzbequistão

O Cazaquistão e o Uzbequistão, os maiores países em termos econômicos, populacionais e territoriais da Ásia Central, têm vastas reservas de recursos naturais não-renováveis. No Uzbequistão, por exemplo, está localizada Muruntau, a segunda maior mina de ouro do mundo. O Cazaquistão, por sua vez, detém grandes reservas de petróleo e gás, além de ser o maior produtor de urânio do Mundo[3].

Dessa maneira, uzbeques e cazaques têm se tornado alternativas para o fornecimento de recursos com o propósito de gerar energia para países como França (fornecimento de urânio após as tensões geopolíticas nas antigas colônias francesas no continente africano) e Alemanha (fornecimento de petróleo cazaque para os alemães).

Os sauditas, por outro lado, não estão interessados exclusivamente nos recursos não-renováveis. O Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita tem firmado acordos de investimento e cooperação para o desenvolvimento da capacidade de geração de energia verde no Cazaquistão e Uzbequistão.

A ACWA Power, empresa privada com 50% de participação do Fundo de Investimento Público saudita, tem realizado investimentos bilionários no Cazaquistão e no Uzbequistão. Os projetos da empresa estão voltados para o desenvolvimento de parques eólicos, usinas de hidrogênio verde e energia solar.

Em 2023, a ACWA Power investiu US$ 88 milhões no Uzbequistão para a construção de uma usina destinada à produção de hidrogênio verde em Chirchik, próximo à Tashkent. A usina será administrada pela joint venture ACWA-UKS GH2, com a ACWA detendo 80% da participação e a estatal uzbeque Uzkimyosanoat, os 20% restantes. Além disso, a ACWA Power alocou também US$ 2,4 bilhões para a construção do parque eólico de Nukus, na região do Caracalpaquistão - Uzbequistão, que deve gerar 1.500 megawatts de energia elétrica, capaz de suprir 1,65 milhão de residências, compensando 2,4 milhões de toneladas de emissões de carbono por ano. O governo uzbeque e a ACWA Power firmaram um acordo de 25 anos pela compra de energia anual, o desenvolvimento, a construção e operação do parque.

Já no Cazaquistão, a ACWA Power estreou no país com um investimento de US$ 1,5 bilhão para o desenvolvimento de construção de um parque eólico. O acordo foi assinado em março de 2023. Contudo, a construção do parque, a princípio na região de Zhetysu, será iniciada apenas em 2025 e finalizada em 2029. A ideia é a de que esse projeto possa gerar 1 gigawatt de energia elétrica para o país. Além disso, já no apagar das luzes de 2023, a comissão intragovernamental cazaque-saudita se reuniu em Riade para discutir um possível investimento de US$ 10 bilhões em projetos de energia limpa no Cazaquistão. As conversas devem se desenvolver ao longo de 2024 entre os dois países.

 

4. Conclusão

Segundo a Agencia Internacional de Energia (AIE), o uso do petróleo para o transporte deverá entrar em declínio após 2026. Entretanto, a sua utilização em outros setores industriais poderá atingir o seu pico em 2028. Contudo, a energia limpa tem crescido rapidamente desde o período pós-pandêmico (IEA, 2023).

 Os sauditas não querem perder sua influência e também os seus lucros oriundos dos recursos naturais. Mesmo que as atuais tendências não apontem para a desvalorização da energia “suja” nas próximas décadas, os sauditas precisarão ter um plano b como fonte de renda. Dessa forma, tem se notado que a Arábia Saudita está orientando os recursos financeiros obtidos do petróleo para investir e estabelecer novas influências no setor de energia limpa, por meio de parcerias estratégicas e grandes investimentos, tanto internos, quanto externos, como observado nos casos do Cazaquistão e do Uzbequistão.

Com isso, percebe-se que a intenção de Riade é aumentar de forma progressiva os investimentos não apenas nestes dois países, mas na região de forma geral, para fazer frente à empresa Masdar, dos Emirados Árabes Unidos, que tem uma atuação mais ampla e capilarizada na Ásia Central. E assim, os sauditas utilizam a mesma tática para expandir a sua influência no continente africano, como na África do Sul e Senegal, e em outras partes da Ásia, como na Tailândia, Filipinas e Indonésia

 

[1] A diversificação da economia saudita não é exatamente uma novidade. Ao longo dos planos de desenvolvimento econômico propostos pelo governo desde os anos 1970, a diversificação econômica do país surge como o principal objetivo (ALBASSAM, 2015).  

[2] A partir do século XXI, outras atividades passaram a ter grande importância para a economia saudita. Setores como a construção, transporte, finanças e turismo começaram a compor o PIB do país. Por isso, observa-se uma diversificação e uma redução percentual do petróleo na série histórica (GENERAL AUTHORITY FOR STATISTICS, 2022).

[3] Disponível em: https://www.bloomberg.com/news/articles/2023-09-29/kazakhstan-world-s-top-uranium-producerw ins-partial-victory-at-regulator. Acesso em: 30 de dezembro de 2023.

 

 Referências Bibliográficas: 

  1. ALBASSAM, Bassam A. Economic diversification in Saudi Arabia: Myth or reality? Resources Policy, Vol. 44, p. 112-117, 2015.

  2. BRADSHAW, M. et al. Preparing for the new oil order? Saudi Arabia and Russia. Energy Strategy Reviews, Vol. 26, p.1 -12, 2019.

  3. BRITISH PETROLEUM. BP STATISTICAL REVIEW OF WORLD ENERGY. Disponível em: www.bp.com/content/dam/bp/business-sites/en/global/corporate/pdfs/energy-economics/statistica l-review/bp-stats-review-2022-full-report.pdf. Acesso em: 28 de dezembro de 2023.

  4. GENERAL AUTHORITY FOR STATISTICS. Gross Domestic Product Fourth Quarter of 2022. General Authority for Statistics, 2022.  Disponível em: www.stats.gov.sa/sites/default/files /GDP%20Q042022E_1.pdf. Acesso em: 29 de dezembro de 2023.

  5. HITTI, Said; ABED, George T. The Economy and Finances of Saudi Arabia. IMF Staff papers, Vol. 21, nº. 2, p. 247-306, 1974.

  6. INTERNATIONAL ENERGY AGENCY - IEA. Global Energy Transitions Stocktake: Tracking progress toward the Paris Agreement. IEA, 2023. Disponível em: www.iea.org/topic s/global-energy-transitions-stocktake?gad_source=1&gclid=CjwKCAiAnL-BhBnEiwAJRGigi3A MD4tqHq1bZAp9TpctkEMssff1ZzC1T0G1KbkQZwkUXIiBAn5OhoCRjwQAvD_BwE. Acesso em: 30 de dezembro de 2023.

  7. ORGANIZATION OF THE PETROLEUM EXPORTING COUNTRIES. OPEC Share of World Crude Oil Reserves - 2022. Organization of the Petroleum Exporting Countries, 2023. Disponível em: www.opec.org/opec_web/en/data_graphs/330.htm. Acesso em: 30 de dezembro de 2023.

  8. PUBLIC INVESTMENT FUND. Allocation and Impact Report, 2023. Public Investment Fund, 2023. Disponível em: www.pif.gov.sa/CPM%20Files%20EN/PIF%20Allocation%20and% 20Impact%20Report.pdf. Acesso em: 29 de dezembro de 2023.

  9. RAZEK, H.H.A.; MCQUINN, B. Saudi Arabia's currency misalignment and international competitiveness, accounting for geopolitical risks and the super-contango oil market. Resources Policy, Vol. 72, p. 1-28, 2021.

  10. ROVERE, E. L.L. O Brasil e a COP-21. In: VICENTE, M.. Cadernos Adenauer XVII, nº 2. Mudanças climáticas: o desafio do século, p. 7-8, 2016. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2016.

  11. STRATEGIC COMMENTS. The Arab Gulf states and the geopolitics of the energy transition. International Institute for Strategic Studies, 2022. Disponível em: https://www.iiss.or g/publications/strategic-comments/2022/the-arab-gulf-states-and-the-geopolitics-of-the-energy-tr ansition/. Acesso em: 29 de dezembro de 2023.

  12. THE WORLD BANK. Oil rents (% of GDP) - Saudi Arabia. The World Bank, 2023. Disponível em: https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.PETR.RT.ZS?locations=SA. Acesso em: 28 de dezembro de 2023

 

Rio de Janeiro - RJ, 01 de fevereiro 2024.


Como citar este documento:
Santos, Jonathan Christian Dias dos. A energia verde como meio para a Arábia Saudita expandir sua influência no Cazaquistão e Uzbequistão. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2024.  

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