Três cenários para um mundo por vir
Oscar Medeiros Filho
Tenente-Coronel
Clausewitz nos ensinou que a guerra acontece coberta por uma névoa de múltiplos fatores de incerteza. Por mais que se tenha conhecimento das causas da guerra e do teatro de operações, chefes militares e analistas não dispõem de todas as respostas sobre os próximos passos do conflito. Com a guerra da Ucrânia, não é diferente. A complexidade do ambiente da guerra, somada ao excesso de informações e desinformações relacionadas ao conflito, gera uma “névoa” ainda mais espessa. Estabelecer cenários claros torna-se tarefa árdua. Diante desse quadro, como compreender o conflito na Ucrânia e que conclusões podemos dele extrair?
Não obstante a complexidade desse contexto, devemos empreender um esforço de “subir a arquibancada” e, para além da névoa que encobre esse conflito, tentar enxergar a realidade a partir de uma perspectiva mais ampla, buscando pontuar implicações futuras para a humanidade.
Se há uma ideia que se aproxima do consenso entre analistas é de que a guerra na Ucrânia se trata de evento paradigmático nas relações internacionais; um ponto de inflexão a partir do qual o mundo certamente não será mais o mesmo. Mas o que haveria de novo nesse conflito para que tal relevância mereça?
Do ponto de vista dos conflitos armados, observam-se algumas tendências, como a ausência de declaração de guerra e de linha de contato entre combatentes, além do uso onipresente das redes sociais. Do ponto de vista geopolítico, observa-se - mesmo que de forma incipiente - o impacto da interdependência na guerra e o uso da força - explícito e unilateral - como instrumento de poder por um ator revisionista (não hegemon).
O fato é que conceitos e perspectivas de análise estão sendo testados. O futuro dependerá muito do resultado que está sendo disputado no tabuleiro ucraniano. Considerando-se o fato de que todo sucesso possui vocação pedagógica, tanto a vitória quanto a derrota do empreendimento adotado pela Rússia terá implicações diretas e indiretas sobre o futuro das relações internacionais.
Do exposto, e considerando-se diferentes resultados desse conflito, é possível imaginar três possíveis cenários para as próximas décadas: “sociedades muradas”; “nova guerra fria” e “governança global”.
O primeiro depende do êxito da empreitada russa e sugere um mundo marcado pelo fechamento dos Estados Nacionais e pelo declínio da globalização. Pode significar uma ameaça a modelos democráticos e ampliação de governos centralizadores, autocráticos. Nesse cenário, o mundo seria marcado pelo aumento do estoque de desconfiança mútua, pelo dilema de segurança e sentido de autodefesa e por uma corrida armamentista generalizada. Nesse sentido, o Tratado de Não Proliferação Nuclear pode sofrer baixas.
O segundo depende do prolongamento do conflito na Ucrânia, nos moldes do que se vê hoje na Síria, com a paralisia do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Sob tal cenário, poderíamos assistir uma reedição da Guerra Fria, com a ressurgência da bipolaridade, representada, de um lado, pela recomposição da OTAN e, por outro lado, pela resiliência do bloco eurasiático representado pelo eixo Pequim-Moscou.
O terceiro cenário - governança global - parece, nesse momento, pouco provável, mas não pode ser desprezado. Seu surgimento depende de uma derrota russa e do trauma humanitário deixado pela guerra. Assim como a Segunda Guerra Mundial levou à Carta das Nações Unidas e à ideia de restrição do uso da força como instrumento de defesa, o uso (ou pelo menos a ameaça do uso) de armas nucleares (mesmo que táticas) e suas consequências pode demandar uma nova ordem internacional a fim de “livrar as futuras gerações do flagelo da guerra”. Mesmo que estejamos observando o fechamento de muitos países, é inegável que, fruto do desenvolvimento das tecnologias informacionais, há uma globalização silenciosa que não para e que tende a tornar o mundo cada vez menor. Nesse sentido, demandas por soluções globais serão cada vez maiores: agenda ambiental, controle de pandemias, migrações, grandes fortunas, proliferação nuclear, economia digital etc. A pandemia da covid-19 e a guerra da Ucrânia parecem revelar algo que se torna cada vez mais claro: que países já compartilham os mesmos problemas, mas não as mesmas soluções.
Enfim, parece que o que está em jogo no tabuleiro ucraniano é muito mais que o futuro da Ucrânia, da Rússia e da OTAN.
Rio de Janeiro - RJ, 13 de abril de 2022.
Como citar este documento:
Filho, Oscar Medeiros. Três cenários para um mundo por vir. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2022.
.