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O valor social das capacidades de defesa: recursos para as Forças Armadas

Publicado: Quarta, 02 de Agosto de 2023, 01h01 | Última atualização em Quarta, 02 de Agosto de 2023, 11h59 | Acessos: 387

 

Amanda Neves Leal Marini
Mestranda em Ciências Militares na ECEME.

Tigernaque Pergentino de Santana Junior
Tenente-Coronel do Exército Brasileiro. Atualmente está realizando
o CAEM e o curso de Doutorado em Ciências Militares na ECEME
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1. Introdução

Em âmbito mundial, um dos principais papéis desempenhados pelas Forças Armadas é o de contribuir com a percepção de Segurança Nacional, missão que implica, dentre outras coisas, defender a população de seus respectivos países. Nos Estados democráticos, como o Brasil, a autoridade governamental deriva da vontade da sua população e, por essa razão, deve destinar recursos para a defesa do povo (MAROWSKI; HALL; WYLIE, 2010).

No Brasil, nota-se que a Política Nacional de Defesa (PND), a Estratégia Nacional de Defesa (END) e o Livro Branco da Defesa Nacional (LBDN) são os principais instrumentos que orientam a política de defesa brasileira. Em linhas gerais, pode-se dizer que esses documentos visam preparar e empregar as Forças Armadas na defesa da pátria. Numa primeira prateleira se encontra a Política Nacional de Defesa, documento que condiciona o planejamento das ações no mais alto nível visando a defesa do país. Esse documento, além de estabelecer os objetivos nacionais de defesa, apresenta os objetivos a serem alcançados pelo preparo e pelo emprego das cinco expressões do poder nacional em prol da Defesa Nacional: política, econômica, psicossocial, militar e científico-tecnológica (BRASIL, 2020). Sobre o Poder Nacional, compreende-se como sendo a capacidade do país para atingir seus objetivos nacionais.

Para conseguir realizar as ações necessárias para garantir a Defesa Nacional, o Brasil precisa manter uma adequada capacidade logística. Entretanto, os próprios documentos de defesa, com destaque à Estratégia Nacional de Defesa, relatam que ainda há uma vulnerabilidade e certa deficiência entre os sistemas nacionais de logística e de mobilização nacional, sendo um dos gargalos que precisam ser resolvidos na estrutura atual da Defesa Nacional (BRASIL, 2012).

A respeito da logística militar, é importante se ater ao fato de que, segundo Ribeiro (2018), a logística militar se configura como sendo as atividades preparatórias e precondições para o enfrentamento na guerra. Normalmente o esforço de guerra resulta de operações logísticas e, dessa maneira, engloba as compreensões de estratégia, operações, tática e planejamento militar. A logística militar e suas ações sistematizadas possui sete funções, sendo elas: Engenharia; Manutenção; Recursos Humanos;

Salvamento; Saúde; Suprimentos; e Transporte (BRASIL, 2020).

Mas, para manter essa infraestrutura adequada, existe um alto custo financeiro que deve ser sustentado pelo Estado. Assim, é necessário que seja realizada uma campanha de divulgação para que a população e os políticos brasileiros percebam que a existência de uma infraestrutura de defesa adequada contribui para o desenvolvimento nacional, pois garante ao Estado o acesso a pontos estratégicos do território, gera tempestiva mobilização e oportuno apoio logístico à Defesa Nacional (BRASIL, 2020). Entretanto, é preciso salientar que essa percepção de importância é subjetiva e está sujeita a pressões políticas que atuam para determinar quais aquisições na área de defesa são realmente essenciais e quais as capacidades da indústria local são genuinamente necessárias para apoiar o país (MAROWSKI; HALL; WYLIE, 2010).

Em vista da importância dessa temática, esse estudo pretende analisar se o valor social das capacidades de defesa do Brasil pode ajudar na justificativa de incrementar recursos para sustentar as aquisições para as Forças Armadas brasileiras.

2. Desenvolvimento

A capacidade de proteção do território e da população brasileira exprime o mais relevante objetivo nacional, qual seja: o de garantir a soberania, o patrimônio nacional e a integridade territorial (BRASIL, 2020). Para alcançar esse objetivo, são necessárias a realização de ações e posturas “hard power” e ações e posturas “soft power”. O lado “hard power” é representado pelo emprego do poder militar e sua capacidade dissuasória. O lado “soft power” se materializa pelos esforços realizados pela diplomacia brasileira.

Para nortear e orientar as ações necessárias (hard power e soft power) para dotar o Estado das capacidades para atender seus interesses, foi elaborada a Estratégia Nacional de Defesa, a qual possui estratégias de defesa e ações estratégicas de defesa. Uma das estratégias de defesa trata das atribuições subsidiárias das Forças Armadas brasileiras que, em cooperação com as diversas agências e instituições públicas, são empenhadas na manutenção do bem-estar da população e na conservação do nível de segurança no seu sentido mais amplo (BRASIL, 2020).

A relação das estratégias de defesa com o bem-estar da população está coerente com a releitura do conceito de segurança que, a partir do fim da Guerra Fria foi ampliado. A partir da década de 1990, o conceito de segurança passou a integrar novos temas, como direitos humanos, a preocupação geral com o bem-estar do indivíduo, a responsabilidade de proteger (R2P), dentre tantos outros fatos considerados importantes para a dignidade da pessoa humana. Foi dessa forma que surgiu o conceito de segurança humana (DIGOLIN; MILANI; SOARES, 2021), que foi criado com a intenção de levar em conta que os modos de vida das populações podem se tornar inseguros, mesmo na ausência de um conflito violento (ELLIOT, 2015).

Ao cumprir suas missões constitucionais, com destaque para o artigo 142 da Constituição Federal de 1988, as Forças Armadas são constantemente empregadas em ações subsidiárias que impactam diretamente no bem-estar da população e que têm o seu valor social mais facilmente percebido. Dentre essas missões, destacam-se as seguintes:

Quadro 1 - Ações subsidiárias realizadas pelas Forças Armadas

Lançamento aéreo de suprimentos em apoio a comunidades isoladas.

Construção de rodovias e ferrovias.

Apoio à Defesa Civil em locais de desastres, empregando capacidades como lançamento de pontes, desobstrução de estradas, resgates de áreas inundadas com uso de embarcações, helicópteros e etc.

Ações de polícia em regiões isoladas da faixa de fronteira.

Combate aos crimes ambientais (exemplo: operação Verde Brasil).

Ações de pacificação de áreas dominadas pelo crime organizado, visando a manutenção da ordem pública (exemplo: operação Arcanjo).

Ações de entrega de água na região do semiárido brasileiro (exemplo: operação Pipa).

Construção de pistas de pouso na Amazônia, por meio da Comissão de Aeroportos da Região Amazônica (COMARA).

A Missão de Misericórdia - (realizada pelo Comando da Aeronáutica, proporcionando o transporte aéreo para doentes ou feridos civis, exceto as vítimas de acidentes aeronáuticos e marítimos, bem como transporte de medicamentos e recursos médicos em geral, inclusive órgãos e tecidos, desde que não existam no local os recursos necessários ao atendimento da urgência requerida).

Fonte: OS AUTORES, 2023.

 

A quantidade de ações subsidiárias realizadas pelas três Forças Armadas ajuda a entender a afirmação de Oliveira (2009) de que, apesar das dificuldades, as Forças Armadas brasileiras gozam de significativo prestígio junto à sociedade. Essa afirmação é ainda mais fácil de entender quando podemos associar o impacto das capacidades das Forças Armadas brasileiras na segurança humana e no bem-estar da população.

Apesar de destituídas da condição de atores políticos decisivos, as Forças Armadas brasileiras não devem ser desconsideradas em razão do seu poder simbólico, do prestígio de que gozam na sociedade, do contingente significativo dos funcionários civis e de militares pertencentes em seus quadros (OLIVEIRA, 2009), fato que explica a robusta capacidade de influência de suas assessorias parlamentares que atuam em Brasília, ou diretamente junto aos políticos nos Estados.

Mas, para que as Forças Armadas brasileiras possuam as capacidades necessárias para garantir a Defesa e a Segurança Nacional, além da disponibilização dos recursos necessários, é imperioso que exista uma cadeia de suprimento funcionando de maneira que as informações, os planos e os dados sejam compartilhados consistentemente, através de manuais e transações automatizadas de sistemas de informação, em toda a cadeia de suprimentos, com outras funções e organizações, com a adequada flexibilidade que permita enfrentar todos os problemas e situações (PELTZ; ROBBINS; MCGOVERN, 2012).

Sobre a cadeia de suprimentos, Glas, Hofmann e Essig (2011) afirmam que, em contraste com a logística comercial, a logística desenvolvida nas Forças Armadas inclui todos os processos usados para permitir que as tropas possam manter a prontidão para realizar suas missões, contribuindo com a capacidade de dissuasão do país.

Em 2010, por ocasião do terremoto no Haiti, ficou evidente a falta de capacidade das Forças Armadas do Brasil em mobilizar meios e se deslocar para o país caribenho. No mesmo evento, os Estados Unidos decidiram atuar e naquela ocasião, utilizaram enorme quantidade de recursos, incluindo um porta-aviões, um navio-hospital, helicópteros e todas as ferramentas necessárias para enviar ajuda. Ao passo que o Brasil teve que aceitar, pelo menos em um primeiro momento, uma posição secundária no controle da ajuda internacional a essas vítimas, devido a fragilidade de sua cadeia de suprimento. Como diz Bertonha (2010), diante de um enorme poder material, mesmo em missões humanitárias, boa vontade e bondade não são suficientes.

3. Conclusão

Logo, com base no que fora discutido e apresentado anteriormente, é importante ressaltar a relevância, tanto perante os órgãos políticos, como o Congresso Nacional, quanto à população civil, dos gastos referentes à Defesa Nacional e como o valor social das capacidades das Forças Armadas brasileiras contribuem com o bem-estar da população brasileira e, por consequência, da Segurança Nacional.

Apesar de não ser considerada nos documentos de Defesa, o conceito de segurança humana, para além dos conceitos de Segurança Nacional e de Defesa Nacional, deveria ser destacado em tais documentos, haja vista o papel desempenhado pelas Forças Armadas brasileiras, em muitas das atividades que afetam diretamente o bem-estar da população brasileira, dentre as quais se destacam as ações em apoio às catástrofes naturais, a operação covid-19, a assistência à população no semiárido nordestino e as operações de menor envergadura desencadeadas em todas as partes do território nacional.

Por fim, entende-se que destacar o valor social das capacidades e ações das Forças Armadas brasileiras é uma ferramenta importante para ajudar o Ministério da Defesa justificar a alocação de recursos orçamentários perante o Congresso Nacional e a opinião pública brasileira.

 

 Referências Bibliográficas: 

  1. BERTONHA, J. F. Brazil: an emerging military power? The problem of the use of force in Brazilian international relations in the 21st century. Revista Brasileira de Política Internacional, Vol. 53, nº 2, p. 107-124, 2010.

  2. BRASIL. Ministério da Defesa. Política Nacional de Defesa e Estratégia Nacional de Defesa. Brasília: Ministério da Defesa, 2012.

  3. BRASIL. Ministério da Defesa. Política Nacional de Defesa e Estratégia Nacional de Defesa. Brasília: Ministério da Defesa, 2020.

  4. DIGOLIN, K. A.; MILANI, L. P.; SOARES, S. A. Temas de segurança internacional e de defesa. São Paulo: Editora Unesp Digital, 2021.

  5. ELLIOT, L. Human Security/Environmental Security. Contemporary Politics, Vol. 21, nº 1, p.11-24, 2015.

  6. GLAS, A.; HOFMANN, E; ESSIG, M. Performance-based logistics: a portfolio for contracting military supply. International Journal of Physical Distribution & Logistics Management, Vol. 43, nº 2, p. 97-115, 2011.

  7. MARKOWNSKI, S.; HALL, P.; WYLIE, R. Defence Procurement and Industry Policy: A small country perspective. London; New York: Routledge, 2010.

  8. OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de. A Estratégia Nacional de Defesa e a Reorganização e Transformação das Forças Armadas. Interesse Nacional, p. 71-83, 2009.

  9. PELTZ, E.; ROBBINS, M.; MCGOVERN, G. Integrating the Department of Defense Supply Chain. Santa Monica: RAND Corporation, 2012.

  10. RIBEIRO, Eric Herejk. Logística militar. In: SAINT-PIERRE, Héctor; VITELLI, Marina Giseli. Dicionário de Segurança e Defesa. São Paulo: Editora Unesp Digital, 2018.

 

Rio de Janeiro - RJ, 02 de agosto de 2023.


Como citar este documento:
MARINI, Amanda Neves Leal; SANTANA JUNIOR, Tigernaque Pergentino de. O valor social das capacidades de defesa: recursos para as Forças Armadas. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2023.  

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