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Operação Acolhida, a preparação do 11º Contingente

Publicado: Segunda, 07 de Junho de 2021, 07h00 | Última atualização em Segunda, 07 de Junho de 2021, 12h16 | Acessos: 1419

Luciano Hickert

Pós-Graduado em Ciências Militares na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

 

 Ao longo do século XX a Venezuela sofreu com uma sucessão de dificuldades que geraram crises internas de abastecimento, segurança e política que deram origem ao movimento de migração dos venezuelanos para o mundo (FRANCHI, 2019). A intensificação da imigração venezuelana para os países vizinhos, a partir de 2016, fez com que os países latino-americanos estabelecessem respostas diferentes para a inclusão de refugiados. O Brasil buscou uma resposta nacional para a crescente chegada de pessoas na área amazônica, com o desencadeamento da Operação Acolhida, em 2018, atingindo resultados surpreendentes (PINHO, 2019; OLIVEIRA, 2018).

Formatura e embarque do 11º Contingente. Fonte Comunicação Social da 6ª DE Formatura e embarque do 11º Contingente. Fonte Comunicação Social da 6ª DE

 

 O Brasil faz fronteira com a Venezuela em uma área pouco povoada do país, com grandes dificuldades de ligação com os principais centros econômicos brasileiros. O estado de Roraima possui articulação rodoviária com o país vizinho, com destaque para a BR 174 e rodovia Ruta 10. Além disso, a vegetação de lavradio existente na metade Norte do estado facilita os deslocamentos humanos.

 Por outro lado, Roraima conta com uma população de 631 mil habitantes, segundo o Senso 2020 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e possui poucas condições de absorver grandes contingentes imigratórios como os mais de 50 mil venezuelanos. O Produto Interno Bruto (PIB) do estado é um dos menores do Brasil, e não é possível absorver no mercado de trabalho local uma grande quantidade de refugiados (SIMÕES, G, 2020).

 Além disso, o estado de Roraima abriga uma população indígena significativa, assim como a região Sul da vizinha Venezuela. Com a crise no país bolivariano, muitas tribos venezuelanas também buscaram migrar para o Brasil, provocando um problema complexo de acomodação de etnias diferentes, assim como disputas de poder entre caciques brasileiros e estrangeiros. As diversas vantagens oferecidas pelo Brasil, como os programas de assistência social, notadamente o Bolsa Família, programas de apoio da FUNAI e o Sistema Único de Saúde servem de reforço para a busca de melhores condições de vida entre os indígenas residentes no país vizinho.

 Diante da crescente imigração venezuelana e das deficiências de estruturas e logística na região para absorverem os milhares de refugiados, o Brasil organizou uma operação complexa, envolvendo diferentes setores dos Poderes Executivos e ONG nacionais e internacionais, que foi chamada de Operação Acolhida. Mesmo com o fechamento das fronteiras devido à pandemia de Covid/19, a partir de 2019, centenas de imigrantes ainda buscam abrigo nos diversos pontos estabelecidos pelo governo brasileiro, a fim de buscar a legalização de sua condição de refugiados.

 A Operação Acolhida foi estruturada para alojar os imigrantes venezuelanos que se encontravam pelas ruas e praças das cidades do Norte do país, especialmente de Boa Vista-RR, para atualizar sua documentação e oferecer condições dignas de alojamento e alimentação. Após a triagem, foi planejada a interiorização equilibrada dos refugiados, em diversas cidades pelo Brasil. Assim, foi possível organizar os voos para interiorizar os venezuelanos em diversos estados do país, distribuindo para impactar de forma mais sutil a chegada dos refugiados e promovendo sua integração por meio da obtenção de postos de trabalho em diversas regiões do pais (BARROS; SIMÕES, 2021).

 As Forças Armadas, e sobretudo o Exército, tem participado de forma decisiva na operação, contribuindo em diversos pontos da administração, na estrutura de apoio logístico e no trato com os estrangeiros que se apresentam nos postos em busca de orientação. Os militares colaboram para que o acolhimento dos refugiados ocorra de uma forma humana e solidária, em colaboração com diversos órgãos públicos como: Polícia Federal, Receita Federal, Ministério das Relações Exteriores e ONG.

 Para que o sucesso da operação fosse plenamente alcançado, a operação tem deslocado efetivos militares de todo o país, por períodos de até quatro meses. Os contingentes são preparados para atuar em um ambiente de interagência e para tratar da forma mais respeitosa e acolhedora nossos irmãos do Norte, que buscam o Brasil com o sonho de recomeçar uma nova vida.

 A Operação Acolhida é estruturada de forma que os militares que dela participem sejam selecionados em um sistema de rodízio similar ao empregado pela ONU para as missões humanitárias. No final de 2020, o Comando Militar do Sudeste (sediado em São Paulo) assumia a tarefa de executar a missão, e o Comando Militar do Sul recebia a ordem para iniciar sua preparação, iniciando um processo que a seguir será detalhado.

 

 1. As atividades de preparação do 11º Contingente.

 A partir de novembro de 2020, a 6ª Divisão de Exército iniciou a seleção dos militares que embarcariam em maio para o Norte do país, que deixariam suas famílias por um período superior a três meses, em plena epidemia de COVID/19. Após continuada seleção do pessoal, especialmente para cargos específicos como psicólogos, médicos e engenheiros, iniciaram as atividades de planejamento logístico e preparação das instruções.

Instrução do 11º Contingente pelo CCOPAB. Fonte Comunicação Social da 6ª DE. Instrução do 11º Contingente pelo CCOPAB. Fonte Comunicação Social da 6ª DE.

 

 Com o embarque previsto para a partir de abril 2021, foram planejadas duas semanas de instrução, que ocorreriam conforme as normas do Comando de Operações Terrestres. As instruções da primeira semana foram planejadas de forma regionalizada, a fim de evitar deslocamentos e reunião de pessoas de diferentes cidades.

 A segunda semana de instrução foi planejada para ocorrer de modo centralizado dentro das células funcionais, sendo utilizados os diversos aquartelamentos da área metropolitana para alimentar e alojar o pessoal, de modo que as equipes de conhecessem e fossem possíveis instruções centralizadas ministradas pelo CCOPAB e outros especialistas.

 Após rigoroso controle sanitário, foi possível reunir os cerca de 500 militares na guarnição de Porto Alegre, de forma centralizada mas sem provocar aglomerações e riscos para a saúde do pessoal, em plena crise sanitária no estado. O uso de máscara, testagem e isolamento de qualquer militar sintomático possibilitou os transportes dos diversos militares, de todo o estado do Rio Grande do Sul, e seu retorno para as sedes.

 Além das instruções com os especialistas do Centro Conjunto de Operações de Paz (CCOPAB) e a reunião do pessoal do contingente nas células, foi possível planejar o reconhecimento da área de operações, sobretudo Boa Vista e Pacaraima. Nessa oportunidade, os militares em funções chaves puderam conhecer os desafios que envolviam as atividades e conduzir a preparação das equipes de modo mais específico.

 Já preparados pelas instruções, o pessoal retornou para suas unidades até receber a ordem de embarque. O transporte do 11º Contingente foi planejado para ocorrer com cinco voos fretados, entre Porto Alegre-RS e Boa Vista-RR, facilitando a organização e o controle de pessoal.

 

 2. Embarque e início das atividades.

 A operação de embarque exigia o transporte dos militares dos estados do Paraná e Santa Catarina (80 militares), além dos militares de todo o estado do Rio Grande do Sul, perfazendo um total de mais de 530 militares. Para tanto, foram planejados controles sanitários antes do embarque e na chegada dos efetivos.

Deslocamento do 11º Contingente. Fonte Comunicação Social da 6ª DE. Deslocamento do 11º Contingente. Fonte Comunicação Social da 6ª DE.

 

 Buscando evitar a reunião de todo o efetivo, foram designados coordenadores de transporte nas regiões de origem dos militares, e um coordenador de embarque para todo o contingente. Foram selecionadas duas unidades como hospedeiras para o embarque: o 18° Batalhão de Infantaria Motorizado reuniria os militares nos dias anteriores ao embarque no aeroporto, e o 19º Batalhão de Infantaria Motorizado para a preparação dos militares que não haviam cumprido quaisquer das fases de instrução, recuperando essas instruções.

Testagem dos militares e cuidados de distanciamento. Fonte Comunicação Social da 6ª DE. Testagem dos militares e cuidados de distanciamento. Fonte Comunicação Social da 6ª DE.

 

 Nesse sentido, buscando a economicidade, os 80 militares dos estados do Paraná e Santa Catarina foram preparados imediatamente antes do embarque, evitando uma viagem a mais até Porto Alegre. Esses militares tiveram seu embarque priorizado, a fim de que ficassem somente o tempo de instrução antes de viajarem para a missão.

 Seguindo orientação do Comando da Op Acolhida, o embarque dos militares em posições chaves ocorreu primeiro, a fim de que fosse possibilitado o maior tempo possível para a troca de informações entre o 10º e 11º Contingente. As demais vagas de embarque foram planejadas conforme a saída dos militares que se encontravam em Boa VistaRR, sem sobrecarregar os alojamentos existentes nas posições da força de trabalho, na área de operações.

 A contratação de voos fretados possibilitou também o embarque do material, armamento e munição não letal, específicos para a missão, e garantiu a flexibilidade necessária para organizar as vagas de transporte. Os cinco voos de Porto AlegreRS para Boa Vista-RR foram suficientes para deslocar todos os militares selecionados para a operação. As vagas saíram entre o dia 30 de abril a 15 maio 2021.

 A partir da chegada em Boa Vista, os militares do 11º Contingente iniciaram as passagens de função e receberam as últimas instruções, já os ambientando com as dificuldades do momento. A Op Acolhida tem se caracterizado ser uma grande operação interagências, desde sua origem como uma iniciativa interministerial, quanto pelo fato de ter mais de 100 agências diferentes trabalhando nos diferentes processos da operação (SIMÕES, FRANCHI, 2020) o que naturalmente vem exigindo maior flexibilidade dos seus integrantes. Além de todas estas modificações das conjunturas políticas os desafios sanitários impostos pela pandemia de Covid-19 impactam de forma severa no dia a dia das atividades, sendo prontamente respondidos com medidas adicionais de saúde e vigilância sanitária nos abrigos e nos efetivos envolvidos (DINIZ, 2020).

 3. Considerações finais

 A Operação Acolhida tem se comprovado um grande acerto do Estado brasileiro, obtendo reconhecimento internacional das diversas instituições que se especializaram no recebimento de refugiados e imigrantes. Além disso, a operação comprova a grande capacidade do militar brasileiro para tratar com diferentes instituições e públicos, sempre com afeição e respeito.

 O 11º Contingente exigiu um esforço do Comando Militar do Sul e de suas organizações militares para preparar e embarcar mais de quinhentos militares para a missão, em plena epidemia de Covid/19. Acima de tudo, é uma tarefa humanitária que reforça o sentimento do Soldado em servir o seu país e apoiar os necessitados.

 O fretamento das aeronaves simplificou e organizou de forma decisiva o embarque. A descentralização das instruções possibilitou a flexibilidade para a minimização dos riscos sanitários, que resultaram em zero casos de internação grave por Covid/19 durante o período de instrução. A seleção adequada do pessoal evitou grande número de trocas de última hora, facilitando o pagamento de uniformes e o transporte de pessoal.

 A história do 11º Contingente, o maior desde o início das atividades da Acolhida, tem sido escrita desde 2020, e sua preparação e posterior embarque já servem de modelo para os futuros contingentes. Os futuros contingentes poderão se referenciar no planejamento já realizado mesmo se a participação militar for reduzida. Existem planos para transferência de responsabilidades das atividades para civis, o que simplificará a logística militar para reunião, instrução e transporte dos meios e pessoal.

 Os planejamentos para diminuir a presença de militares na Op Acolhida, ainda em 2021, podem direcionar as ações humanitárias já desenvolvidas para outros, ministérios, órgãos públicos, instituições privadas e organizações não-governamentais. Isto possibilitará que as Forças Armadas sigam sua principal missão constitucional, que é a defesa da pátria. De qualquer modo, os militares seguirão com a mesma disponibilidade e prontidão, com a firmeza de valores e propósitos, prontos para atuar com responsabilidade no manejo dos recursos públicos e com a mão amiga estendida para todas as pessoas presentes em nosso território.

 

 Rio de Janeiro - RJ, 7 de junho de 2021.


Como citar este documento:
HICKERT, Luciano. Operação Acolhida, a preparação do 11º Contingente. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2021.

 

Referência:

  1. ACNUR, Todos pela Saúde. https://www.acnur.org/portugues/2020/11/05/todos-pela-saude-operacao-acolhida-e-acnur-brasil-se-unem-para-atender-refugiados-migrantes-e-populacao-local-em-cidades-no-norte-do-pais/. Pesquisado em maio 2021.
  2. BARROS, Antônio Manoel de; SIMÕES, Luciano Correia. O papel da Operação Acolhida na inserção social do migrante através do trabalho. In: Migrantes e refugiados: uma aproximação baseada na centralidade do trabalho e na justiça social. (Organização), Cristiane Maria Sbalqueiro Lopes, Priscila Moreto de Paula. – Brasília : Ministério Público do Trabalho, 2021. pp.351-382.
  3. BRASIL. Decreto no 9.285, de 15 de fevereiro de 2018. Reconhece a situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária na República Bolivariana da Venezuela. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 2018.
  4. DINIZ, Ronay Souza. A Operação Acolhida e os Desafios Impostos pela Pandemia do Corona Vírus. Observatório Militar da Praia Vermelha. Rio de Janeiro: ECEME, 2020.
  5. EBC, Agência Brasil. Operação Acolhida soma 50 mil refugiados. https://agenciabrasil.ebc.com.br/tags/operacao-acolhida. Pesquisado em 22 maio 2021
  6. FRANCHI, Tássio. Operation Acolhida: The Brazilian Armed Forces’ Efforts in Supporting Displaced Venezuelans. MILITARY REVIEW, January, 2019. pp.1- 13.
  7. G1, globo. Operação Acolhida. https://www.google.com.br/amp/s/g1.globo.com/google/amp/mundo/noticia/2021/04/20/operacao-acolhida-interiorizou-mais-de-50-mil-venezuelanos-no-brasil-diz-governo.ghtml. Pesquisado em 21 Maior 2021.
  8. OLIVEIRA, George. Alberto Garcia de. A Utilização do Componente Militar Brasileiro Frente à Crise Migratória da Venezuela. Military Review, November, 2018. pp.1- 14.
  9. PINHO, Alessandro Paiva de. O Exército Brasileiro na Operação Acolhida. ECEME, CPAEX, ano 2019, https://bdex.eb.mil.br/jspui/bitstream/123456789/4990/1/MO%200906_PINHO.pdf, , pesquisado em 20 maio de 2021.
  10. ROCHA, Cristiano Andrade. A importância da função Logística transporte para o desdobramento da Operação Acolhida. Doutrina militar terrestre em revista. V1, Nr 21, 2020. http://ebrevistas.eb.mil.br/DMT/article/view/3824, pesquisado em maio de 2021
  11. SIMÕES, Luciano Correa; FRANCHI, Tássio. Observatório Militar da Praia Vermelha. Rio de Janeiro: ECEME, 2020
  12. SIMÕES, Gustavo da Frota. O fluxo migratório colombiano nos últimos anos: breve análise. Observatório Militar da Praia Vermelha. Rio de Janeiro: ECEME. 2020
  13. VERÍSSIMO, Avery (2016). Índio na Rede: Ciberativismo e Amazônia. 1a ed. Saarbrücken: NEA. 160 páginas. ISBN 3841711049

 

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