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Dualidade da dualidade tecnológica: oportunidades e desafios

Publicado: Sexta, 19 de Abril de 2024, 00h02 | Última atualização em Sexta, 19 de Abril de 2024, 03h05 | Acessos: 186

 

Juraci Ferreira Galdino
 General de Divisão. Comandante e Reitor do Instituto Militar de Engenharia.

A elevada capacidade em ciência, tecnologia e inovação é uma competência essencial de uma nação desenvolvida e soberana, pois ela cria melhores condições de crescimento econômico e de desenvolvimento social, bem como de fortalecer os meios de promover a defesa e de garantir a soberania nacional. Essa percepção é respaldada pelas trajetórias das grandes nações, particularmente a partir de 1870, quando empresas da indústria química alemã desenvolveram a pesquisa industrial organizada, modelo de inovação que em seguida foi adotado com grande sucesso pelos norte-americanos.

A autonomia plena no campo científico e tecnológico em âmbito nacional é uma utopia, mesmo para os países mais desenvolvidos. Entretanto, nos países em desenvolvimento, cujas demandas de alta tecnologia frequentemente não são atendidas internamente, a dependência tecnológica pode se tornar um problema crônico, particularmente, na área de defesa, onde os investimentos em P&D geralmente são modestos, na qual existe ampla e diversificada demanda de alta tecnologia e contra a qual são realizadas ações de cerceamento tecnológico.

Para amenizar os efeitos dos insuficientes recursos orçamentários das Forças Armadas desses países que são dedicados às atividades de pesquisas científicas e desenvolvimentos tecnológicos, ganha relevância o uso da dualidade tecnológica. Lastreada no fato de que descobertas inicialmente destinadas ao setor bélico podem ser aproveitadas na área civil, ou vice-versa, a dualidade tem sido explorada pelos países de industrialização tardia no sentido de mobilizar apoio político e estratégico visando à obtenção de investimentos na área de defesa.

No Exército Brasileiro, o conceito de dualidade tecnológica vem contribuindo para obter recursos financeiros de órgãos de fomento para viabilizar o desenvolvimento de tecnologias importantes, ao mesmo tempo em que esse desenvolvimento contribui para o progresso do setor industrial mais amplo. Importantes inovações nacionais floresceram dessa forma no bojo dos centros de pesquisa militares em parceria com universidades e empresas nacionais. Como exemplo, podem ser citados optrônicos, radares, rádio definido por software, fibras de carbono e Reparo de Metralhadora Automatizado X (REMAX) para o blindado Guarani, além de recentes pesquisas realizadas no Instituto Militar de Engenharia voltadas ao desenvolvimento em cibernética, tecnologias quânticas e sensores químicos, biológicos, radiológicos e nucleares.

Já nos países desenvolvidos, o orçamento de defesa é expressivo, arrefecendo a necessidade de se explorar o conceito de dualidade para obter apoio para o desenvolvimento de tecnologias de interesse bélico. Entretanto, defendo a hipótese de que nesses países a dualidade é explorada para desencadear ou fundamentar ações de cerceamentos tecnológicos seletivos no setor civil, visando manter assimetrias entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento. Dessa forma, vislumbro consequências antagônicas nos desenvolvimentos tecnológicos nacionais, em face dos papéis da dualidade desempenhados por atores distintos para obter objetivos estratégicos díspares, o que denomino de Dualidade da Dualidade Tecnológica.

Malgrado os países mais desenvolvidos defenderem o livre-comércio, eles historicamente exercem práticas protecionistas visando manter a supremacia tecnológica no cenário internacional, bem como a dependência tecnológica dos países periféricos.

Na área de defesa, as nações proeminentes buscam autonomia e soberania tecnológica em suas capacidades militares, assim como dificultar o domínio de tecnologias críticas e sensíveis pelos países emergentes. Esse jogo é compreendido como uma manifestação natural do sentido de preservação do status quo e condiciona o movimento das peças do tabuleiro geopolítico. Nesse mister, destacam-se as ações de cerceamentos tecnológicos realizadas por Estados, organizações internacionais ou empresas no sentido de restringir, dificultar ou negar o acesso, a posse ou o uso de bens sensíveis e serviços diretamente vinculados por parte de outros Estados, instituições de pesquisa ou empresas.

Por ser estratégico à soberania, por ser de alto nível tecnológico, por não estar sujeito ao escrutínio da Organização Mundial do Comércio, por ser monopsônio e dominado por grandes players mundiais, o mercado de defesa oferece condições propícias às ações de cerceamento tecnológico. Todavia, defendo a ideia de que tais ações visam o objetivo principal de prejudicar o acúmulo de capacidades tecnológicas de empresas que atuam no mercado civil.

Orientei uma pesquisa em que várias ações conhecidas de cerceamento tecnológicos foram analisadas visando lançar luz na hipótese da dualidade da dualidade tecnológica. Os casos estudados motivaram a elaboração do artigo intitulado “Dualidade da Dualidade Tecnológica: implicações para o desenvolvimento de países de industrialização tardia”, que será publicado na Coleção Meira Mattos no corrente ano.

A análise desses exemplos mostra que a dualidade pode ser utilizada para potencializar a prática de cerceamentos tecnológicos seletivos, uma vez que setores empresariais civis têm o acesso negado a tecnologias importantes com grande potencial de mercado convencional, alegando-se possível, porém infundado, pretenso uso em artefatos militares. Assim, os países proeminentes buscam perpetuar suas hegemonias no campo industrial em setores de alto valor agregado, tendo como justificativa a segurança nacional dos países hospedeiros dessas tecnologias. Por outro lado, ao não dominar essas tecnologias, os mais diversificados setores empresariais dos países em desenvolvimento continuam ineficientes, ineficazes e com baixa competitividade. No meu entender, o real objetivo do cerceamento tecnológico é manter a assimetria de poder entre os países desenvolvidos e os países periféricos e não apenas proteger a segurança nacional dos países detentores das tecnologias críticas e sensíveis.

Reconhecer a existência da dualidade da dualidade tecnológica é essencial para que os formuladores de políticas públicas desenvolvam estratégias eficientes para promover o desenvolvimento de países de industrialização tardia, como o Brasil. Ao utilizar o conceito de dualidade como subterfúgio para ensejar ou potencializar a prática de cerceamentos tecnológicos seletivos, os países proeminentes buscam perpetuar suas hegemonias no campo industrial e dificultar o progresso de países emergentes em setores estratégicos e de grande valor de mercado. Essa dinâmica só será suplantada mediante o progressivo acúmulo autóctone de conhecimentos em áreas estratégicas, contando com investimento intensivo do Estado em atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovações de longo prazo, e a apropriação desses saberes pelos setores produtivos.

Em apertada síntese: o Brasil deve investir no desenvolvimento de tecnologias duais críticas e essenciais ao desenvolvimento de suas capacidades militares e de grande poder de mercado convencional.

 

 

Rio de Janeiro - RJ, 18 de abril 2024.


Como citar este documento:
Galdino, Juraci Ferreira. Dualidade da dualidade tecnológica: oportunidades e desafios. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2024.  

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