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Por que o aumento da presença das mulheres nas Forças Armadas brasileiras é importante para a paz mundial?

Publicado: Sexta, 17 de Fevereiro de 2023, 01h01 | Última atualização em Sexta, 17 de Fevereiro de 2023, 07h45 | Acessos: 1879

 

Wilmarie Gloria Marchany
Major do Exército dos Estados Unidos da América

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1. Introdução

Em 2000, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (CSNU) adotou a Resolução nº 1.325 visando incrementar a participação de mulheres em todas as fases dos conflitos e processos de manutenção da paz. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), tal medida foi adotada porque há um entendimento de que num conflito armado, as mulheres e as crianças são as partes mais afetadas e, portanto, incorporar a representação igualitária de mulheres em cargos de liderança nos níveis nacional e internacional é vital para o sucesso da paz e da segurança no mundo (ONU, 2000). A citada resolução ainda aborda a participação das mulheres nas operações de paz da ONU e insta, explicitamente, os Estados Membros a expandirem a participação feminina nas operações de campo.

Entretanto, a ONU tem identificado ao longo dos anos, uma série de desafios que dificultaram a uma maior participação das militares nas operações de manutenção da paz. Muitos desses desafios são decorrentes de políticas e práticas dos Estados Membros, que ainda não conseguiram proporcionar as oportunidades desejáveis para que as mulheres ocupem cargos e funções em diferentes níveis dentro de suas respectivas Forças Armadas.

Este é o caso do Brasil, onde as políticas de integração para as mulheres nas Forças Armadas ainda se encontram na fase inicial e, por consequência, a participação de brasileiras peacekeepers tem ficado aquém das expectativas. Considerando a relevância desse tema e da importância do Brasil no processo de evolução das operações de paz, este artigo elabora a seguinte pergunta: Por que o aumento da presença das mulheres nas Forças Armadas brasileiras é importante para a paz mundial?

Para responder essa pergunta, este artigo está estruturado da seguinte forma: inicialmente é realizada uma ambientação sobre a importância do aumento da participação feminina nas operações de paz. Na sequência, discorre-se sobre as políticas de integração no Brasil, seguido de uma abordagem sobre a importância da mulher nas operações militares contemporâneas e nas operações de paz. Após isso, este artigo trata sobre a implementação da agenda sobre as mulheres, paz e segurança no Brasil. Na parte final, realizam-se breve considerações sobre o tema visando responder a pergunta que norteia a proposta deste artigo.

2. As políticas de integração no Brasil

Os primeiros esforços para formalizar a participação de mulheres nas Forças Armadas brasileiras começaram a partir da década de 1980, por meios de leis exclusivas a cada uma das Forças: Marinha, Exército e Força Aérea. Nessa época, a integração das mulheres foi decorrente das necessidades das Forças Armadas brasileiras diante dos desafios decorrentes do processo de transformação ocorrido no fim da década de 1980.

Desde então, nota-se que as políticas de integração adotadas se caracterizaram pela evolução da inserção feminina de forma progressiva e pontual, focando em pontos que procuram debater os preconceitos sobre a mulher e seu papel na sociedade brasileira. Para Dantas (2018), a participação das mulheres na Forças Armadas brasileiras foi exatamente uma reprodução da divisão de trabalho à base de gênero que já existia no setor civil do país (DANTAS, 2018).

Nos últimos anos constata-se que houve um incremento significativo de mulheres nas Forças Armadas brasileiras. Segundo Nóbrega e Sampaio (2022), atualmente a porcentagem de mulheres no efetivo total de cada Força Armada é o seguinte: 12,7% na Marinha do Brasil, 19,7% na Força Aérea Brasileira e 6,4% no Exército Brasileiro. No entanto, é importante destacar que atualmente as mulheres ocupam, em sua grande maioria, os postos temporários das carreiras, o que limita a sua atuação na atividade finalística das Forças Armadas brasileiras (GIANNINI; FOLLY; LIMA, 2017).

3. A importância da mulher nas operações militares contemporâneas

Após a Guerra Fria, as razões políticas das Forças Armadas da maior parte dos países do globo mudaram de prioridade, passando de uma segurança sob a perspectiva do Estado, para uma segurança com foco voltado para a pessoa humana. Em vista dessa realidade, fica claro que a participação da mulher é vital para o sucesso das operações militares, haja vista o caráter mais humanizado que a segurança assumiu após a queda do muro de Berlim. Segundo Egnell (2016), o chamado às mulheres militares para os campos das operações de paz não originou de um movimento feminista, mas sim, de uma necessidade operacional diante de uma nova realidade conjuntural.

Dessa forma, a perspectiva de gênero tem se mostrado numa bela ferramenta na condução de todas as partes das operações militares, o que aumenta a possibilidade de eficácia no enfrentamento dos desafios constantes. Assim, mesmo que a tarefa central de uma organização militar é lutar e ganhar as guerras para o seu país, faz-se necessário integrar a perspectiva de gênero para ganhar a guerra. Para Kvarving et al. (2016), a paridade de gênero nas Forças Armadas não é apenas a coisa certa a fazer, mas é uma postura que também nos ajuda a fazer as coisas certas.

4. A mulher nas operações de paz

Vários estudos publicados pela ONU demostraram que as mulheres militares não enfrentam as mesmas barreiras do que os homens em áreas devastadas pela violência. As mulheres são capazes de coletar informações mais facilmente, já que são percebidas como confiáveis pela população civil, particularmente pelas mulheres vitimizadas (IVANOVIC, 2014). Dito isto, pode-se depreender que as mulheres peacekeepers tem sido cada vez mais importantes nas operações de campo, a ponto de se tornarem essenciais em tarefas simples, como trabalhar em postos de controle de segurança, deter e revistar pessoas em geral.

Para Egnell (2016), a mulher peacekeeper serve de voz e modelo em lugares onde a mulher é silenciada pela cultura. A presença da mulher peacekeeper pode servir de inspiração para criar respeito pelos direitos humanos da mulher em sociedades onde não existe. Elas são ainda essenciais em tarefas mais complexas, como por exemplo, trabalhar com ex-combatentes femininas durantes os processos de mobilização e reintegração à vida civil. As mulheres ainda podem entrevistar sobreviventes de violência a base de gênero e localizar grupos vulneráveis. Ou seja, grupos constituídos por militares integrados (homens e mulheres) têm comprovado ser muito mais efetivos do que os grupos constituídos somente por militares do segmento masculino em operações de paz (TORNAGHI, 2019).

5. A implementação da agenda sobre mulheres, paz e segurança (MPS) no Brasil

Apesar das mulheres brasileiras desempenharem um papel decisivo no processo de manutenção de paz em várias missões, o Brasil ainda não conseguiu atingir as metas de paridade de gênero estabelecidas pela ONU. No Haiti por exemplo, em mais de uma década de operações, menos de 1% dos militares que participaram na MINUSTAH eram mulheres. Nesse percentual, a maior parte das mulheres militares que participaram das missões dos batalhões brasileiros enviados ao Haiti eram médicas, dentistas, tradutoras e enfermeiras (KOLLING, 2021).

Vanessa Newby, pesquisadora do Instituto de Segurança e Assuntos Globais da Universidade Leiden, na Holanda, enfatiza que a participação das mulheres nas Forças Armadas precisa evoluir ainda mais, pois ainda há um longo caminho a ser percorrido pelos países em geral na busca pela verdadeira integração das mulheres em todos os aspectos das missões. A contribuição das gender advisers e das equipes de mulheres ad hoc são importantes, mas a paridade de gênero efetiva requer integrar plenamente a perspectiva feminina nas Organizações Militares, para que as tropas estejam propriamente equipadas para exercer as funções necessárias no campo (NEWBY, 2019).

Newby (2019) ainda argumenta que as missões de paz requerem a participação das mulheres em todos os aspectos das atividades militares e limitar a contribuição das mulheres às funções historicamente femininas dentro das Forças Armadas e às funções especiais, como gender advisers dentro das as operações de paz, não atinge os objetivos da paridade de gênero da agenda MPS. Para a pesquisadora do Instituto de Segurança e Assuntos Globais da Universidade Leiden, a paridade de gênero nas tropas deixa um legado que auxilia na reconstrução das instituições nos países anfitriões das missões de paz (NEWBY, 2019).

6. Conclusão

Ao longo dos anos, tornou-se evidente que a participação das mulheres é essencial para o sucesso do processo de resolução de conflitos e manutenção de paz. A agenda mulher, paz e segurança (MPS) busca promover a paridade de gênero e a participação equitativa da mulher nesse processo. Estudos realizados nas operações de paz, mostram que as equipes integradas por ambos os sexos demostraram atender as necessidades locais com mais efetividade e com mais sucesso do que as equipes constituídas somente por elementos do segmento masculino. Esses estudos concluíram que as mulheres possuem capacidade de alcançar populações inacessíveis aos homens, visto que são percebidas como não-agressivas e confiáveis, especialmente por mulheres vítimas dos conflitos em questão.

Nesse contexto, fica evidente a necessidade de integrar, ainda mais, a mulher nas Forças Armadas dos países que contribuem com tropas para as missões de paz. No Brasil, particularmente no Exército Brasileiro, as políticas de integração feminina se restringem às funções tradicionais de gênero. A lei nº12.705/2012 permite, mas não exige a integração plena da mulher no Exército Brasileiro. Por conseguinte, além das mulheres serem limitadas a poucas funções, majoritariamente centradas na parte administrativa e na área da saúde, as funções acessíveis às mulheres, em sua maioria, são aquelas que não permitem fazer do serviço militar uma careira. Consequentemente, apesar da participação nas operações de paz ser um pilar na política exterior do Brasil, o país não tem conseguido desdobrar um significativo número de mulheres para cumprir as metas de igualdade de gênero propostas pela ONU em suas operações de paz.

Das poucas mulheres brasileiras que foram desdobradas em missões de paz, várias delas foram pioneiras em suas funções, e se destacaram de maneira extraordinária. O recente reconhecimento da capitão-de-corveta Márcia Braga, da Marinha do Brasil, pelo seu desempenho como gender adviser na República Centro-Africana, trouxe prestígio ao Brasil no palco internacional, da mesma maneira que atraiu forte crítica pela falta de paridade de gênero dentro das Forças Armadas brasileiras. Se é certo que as mulheres podem se destacar no âmbito internacional em situações de perigo e incerteza, é certo também que são capazes de alcançar os mesmos logros no âmbito nacional.

Hoje, o argumento em torno das mulheres nas Forças Armadas não é mais sobre a cultura e o papel das mulheres na sociedade, mas sim sobre a sua participação como necessidade para a eficácia militar. Nos Estados Unidos da América (EUA), a participação feminina nas operações militares em grandes operações, como Iraque e Afeganistão, tem sido indispensável para o sucesso da missão. Igualmente, as operações de paz contam com mulheres para obterem a comunicação efetiva junto às comunidades e às organizações humanitárias civis locais.

Portanto, é imperativo que a percepção sobre a participação feminina nas Forças Armadas brasileiras se consolide. Tal feito garantirá efetividade e eficácia das Forças Armadas brasileiras e permitirá atingir o objetivo político do país em desempenhar um papel mais significativo nas operações de paz. Seja por efetividade militar ou por igualdade de gênero, a paridade de gênero tem se tornado prioridade nas organizações internacionais. Uma força militar integrada é a ferramenta necessária para o processo de resolução de conflitos e manutenção da paz de forma mais efetiva e eficaz. Como o Brasil é destaque em operações de paz, o aumento da presença feminina brasileira nessas operações contribuirá diretamente para a paz mundial.

 

 Referências Bibliográficas: 

  1. DANTAS, Stela da Rocha de Medeiros. Mulheres e Forças Armadas: Uma Análise da Participação Feminina nas Forças Armadas Brasileiras. Trabalho de Conclusão de Curso na Universidade Federal da Paraíba, 2018. João Pessoa: UFPB, 2018.

  2. EGNELL, Robert. Gender Perspectives and Military Effectiveness: Implementing UNSCR 1325 and the National Action Plan on Women, Peace, and Security. Prism: A Journal of the Center for Complex Operations, Vol. 6, nº 1, p.73-89, 2016.

  3. GIANNINI, Renata; FOLLY, Maiara; LIMA, Mariana Fonseca. Situações extraordinárias a Entrada de Mulheres na Linha de Frente das Forças Armadas Brasileiras. Instituto Igarapé, Artigo Estratégico nº 27, 2017. Rio de Janeiro: Instituto Igarapé, 2017.

  4. IVANOVIC, Alexandra. Why the United Nations Needs More Female Peacekeepers. United Nations University, 2014. Disponível em: https://ourworld.unu.edu/en/why-the-united-nations-needs-more-female-peacekeepers. Acesso em: 10 de junho de 2022.

  5. KOLLING, Marie. The UN Should Not Accept Member States’ Using the Women, Peace and Security Agenda as Gender-Washing. Danish Institute for International Studies Policy Brief, 2021. Disponível em: https://www.diis.dk/en/research/the-un-should-not-accept-memb er-states-using-thewomen-peace-and-security-agenda-as-gender. Acesso em: 10 de junho de 2022.

  6. KVARVING, Lena P.; GRIMES, Rachel. Why and How Gender is Vital to Military Operations. Handbook on Teaching Gender in the Military, 2016. Gênova: DCAF and PfPC, 2016.

  7. NEWBY, Vanessa. Challenges for Female Peacekeepers can come from within UN Militaries. The Strategist, 2019. Camberra: Australian Strategic Policy Institute, 2019.

  8. NÓBREGA, Isabela; SAMPAIO, Bianca. A Força delas: a crescente participação feminina no Exército Brasileiro. Defesanet,  2022. Disponível em defesanet.com.br/terrestre/noticia/4 3818/A-Forca-delas—a-cresenteparticipacao-feminina-no-Exercito-Brasileiro-/. Acesso em: 10 de junho de 2022.

  9. UNITED NATIONS. Resolution 1325, do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Nova Iorque: Organização das Nações Unidas, 2000.

  10. TORNAGHI, Cecilia. Why It’s Essential to Have More Women in Latin America’s Militaries. Americas Quarterly, 2019. Disponível em: https://www.americasquarterly.org/arti cle/why-its-essential-to-have-more-women-in-latin-americas-militaries/. Acesso em: 10 de junho de 2022.

 

Rio de Janeiro - RJ, 17 de fevereiro de 2023.


Como citar este documento:
Marchany, Wilmarie Gloria. Por que o aumento da presença das mulheres nas Forças Armadas brasileiras é importante para a paz mundial. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2022.  

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