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Israel e os desafios de uma incursão militar terrestre na faixa de Gaza

Publicado: Domingo, 05 de Novembro de 2023, 01h01 | Última atualização em Domingo, 05 de Novembro de 2023, 16h28 | Acessos: 507

 

 Anselmo de Oliveira Rodrigues
 Coronel do Exército Brasileiro, Coordenador do Observatório
 Militar da Praia Vermelha e Doutor em Ciências Militares.

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1. Introdução

Em pronunciamento feito em 26 de outubro de 2023, o ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, informou que Israel entraria em uma nova fase na guerra contra o Hamas na faixa de Gaza. Pelo discurso e pelas ações subsequentes desencadeadas pelas Forças de Defesa de Israel, tudo leva a crer que as tropas israelenses estão prestes a começar uma ofensiva militar terrestre na faixa de Gaza.

À medida que Israel passa de uma abordagem baseada no elemento aéreo e no apoio de artilharia, para uma abordagem que envolve as suas forças terrestres, muitos desafios se descortinam para os tomadores de decisão e para as tropas israelenses. Afinal, o oponente de Israel é um ator não estatal, organizado, violento, hiperdifuso e se encontra baseado numa localidade extremamente povoada e de difícil locomoção para veículos e pessoas.

Não restam dúvidas que esses fatores já foram pontuados e analisados pelo Estado-Maior das Forças de Defesa de Israel, o qual procura elaborar planos, táticas, técnicas e procedimentos para realizar uma incursão terrestre exitosa dentro da faixa de Gaza e que ocasione os mínimos efeitos colaterais possíveis.

Acredita-se até que esses fatores estejam atrasando o processo de tomada de decisão das Forças de Defesa de Israel para iniciar a incursão terrestre na faixa de Gaza. Em vista dessa realidade e da importância desse tema nos dias atuais, este artigo procura pontuar os principais desafios que as Forças de Defesa de Israel poderão encontrar durante sua incursão terrestre.

2. Primeiro desafio - área densamente povoada

O primeiro desafio é o combate numa localidade extremamente povoada. Para que se tenha uma ideia desse desafio, a densidade demográfica na faixa de Gaza gira em torno de 10 mil hab/km², o equivalente a densidade demográfica de Nova Iorque ou duas vezes a densidade demográfica da cidade do Rio de Janeiro. Esses números revelam que uma incursão terrestre robusta na faixa de Gaza, apoiada com fogos de artilharia e com carros de combate, possui grande probabilidade de gerar danosos e irreversíveis efeitos colaterais junto à população civil em Gaza.

Segundo o Ministério da Saúde da região, gerido pelo Hamas, 7.000 palestinos foram mortos até o presente momento. Com a iminente incursão terrestre, provavelmente esse número de mortes na faixa de Gaza sofrerá um aumento exponencial, o que poderá resultar em perda de liberdade de ação e até mesmo a paralisação das operações militares israelenses. Além disso, é interessante pontuar que boa parte da população civil residente em Gaza, que não pertence as fileiras do Hamas, provavelmente está apoiando o grupo em questões relacionadas à logística e refúgio.

3. Segundo desafio - arquitetura da faixa de Gaza

O segundo desafio é o combate numa região que possui uma área de cerca de 365 km² e com uma arquitetura semelhante às comunidades carentes existentes no Brasil, as quais são caracterizadas pela existência de ruas estreitas, becos, vielas e pela grande quantidade de pessoas existentes no local. No seu labirinto de ruas, edifícios e locais densamente povoados, não restam dúvidas de que o Hamas consegue diminuir fortemente a vantagem militar obtida por Israel.

Por mais que as tropas israelenses possuam equipamentos militares de alto nível tecnológico, a grande quantidade de pessoas civis em Gaza diminui drasticamente a liberdade de ação das tropas israelenses. Além disso, por mais que as Forças de Defesa de Israel possuam um efetivo militar robusto (incluindo o serviço ativo e mobilizável), para operar na faixa de Gaza, as Forças de Defesa de Israel terão de desmembrar as suas forças, que ficarão vulneráveis ​​aos militantes armados do Hamas posicionados em casas, prédios, igrejas, hospitais e até em escolas. Não se pode desconsiderar os escombros gerados pelos bombardeamentos israelenses, que também oferecem oportunidades para a camuflagem, lançamento de armadilhas e posições provisórias de tiros para os militantes do Hamas.

4. Terceiro desafio - o combate contra um ator não estatal, organizado, violento e hiperdifuso

O terceiro desafio é o combate contra um ator não estatal, violento, organizado e hiperdifuso. Alguns meios da imprensa o classificam como grupo terrorista, outros setores da mídia e alguns estudiosos adotam cautela e relembram que o grupo também é uma organização política na Palestina e que realiza ações sociais na faixa de Gaza. Sem adentrar em juízo de valor se o Hamas é ou não é um grupo terrorista, não se pode negar que o episódio ocorrido no dia 07 de outubro de 2023 é um típico ataque terrorista. Levando-se em consideração essas questões e de que o Hamas possui armamentos que alguns Exércitos não possuem, resta claro que o Hamas é um ator não estatal, organizado, violento e hiperdifuso.

Em vista disso, pode-se presumir que o Hamas se preparava há muito tempo para uma incursão israelense na faixa de Gaza e que o ataque perpetrado em 07 de outubro de 2023 representa apenas uma pequena parte de um plano muito mais abrangente. Há informações de que o Hamas colocou suprimentos e materiais de emprego militar em instalações civis e escolas, fatos que tornam ainda mais sensível e complexo a incursão terrestre das Forças de Defesa de Israel.

 

5. Quarto desafio - a existência de reféns

O quarto desafio é o combate contra um grupo que possui cerca de 200 reféns sob sua guarda. Como se não bastasse e para piorar ainda mais a situação, boa parte desses reféns são estrangeiros (tailandeses, norte-americanos e etc.), condição que dá contornos únicos e sensíveis para esse conflito, na medida em que pode escalar para uma crise internacional, envolvendo países terceiros. Acredita-se que esses reféns estejam em edifícios e túneis onde os líderes do Hamas estão escondidos. Logo, o envio de tropas para atacar esses locais pode resultar em mortes dos reféns, situação que causaria enormes prejuízos políticos para Israel, tanto domesticamente, como internacionalmente.

6. Quinto desafio - os temíveis túneis de Gaza

O quinto desafio é o combate nos temíveis túneis de Gaza. Para que se tenha uma ideia desse desafio, há relatos de que a rede de túneis construída pelo Hamas possui cerca de 420 km de extensão, comprimento maior do que a rede de metrô de Londres, considerada a quarta maior rede de metrô do mundo, e oito vezes maior do que a rede de metrô da cidade do Rio de Janeiro.

É óbvio que os túneis de Gaza não possuem a mesma estrutura que uma típica rede de metrô, mas a extensão da rede de túneis na faixa de Gaza dão uma ideia do tamanho do desafio das tropas israelenses. Pela extensão, complexidade, dificuldade e até desconhecimento, os túneis subterrâneos existentes em Gaza conferem ao Hamas uma enorme vantagem contra as Forças de Defesa de Israel, na medida em que o grupo pode usar esses túneis para alocar suprimentos, refugiar seus líderes, garantir uma comunicação segura durante o conflito, realizar emboscadas pontuais e apoiar em ações episódicas na retaguarda das Forças de Defesa de Israel. Ou seja, os temíveis túneis de Gaza, indubitavelmente, se consubstanciam numa nova dimensão do campo de batalha na faixa de Gaza.

7. Sexto desafio - a manutenção do apoio dos Estados Unidos da América

O sexto desafio é a manutenção do apoio dos norte-americanos durante todo o período do combate contra o Hamas. Embora o presidente norte-americano, Joe Biden, tenha emitido um apoio público a Israel, essa ajuda possui limitações e regras. A primeira diz respeito a vida humana. Se por um lado, há uma preocupação com o custo humano do lado palestino. Por outro lado, há uma enorme preocupação com os reféns estrangeiros, situação que gera uma pressão interna e externa norte-americana. A segunda é de ordem geopolítica. As autoridades em Washington estão preocupadas com o risco do conflito se espalhar por toda a região e ameaçar as forças e aliados dos norte-americanos. Senão vejamos: no Líbano, o Hezbollah ameaçou entrar no conflito e intensificou os ataques a Israel; na Cisjordânia, a instabilidade vem crescendo dia-a-dia; no Iêmen, os houthis lançaram mísseis contra Israel; e em vários locais do Oriente Médio, inúmeras bases dos Estados Unidos da América sofreram ataques de representantes iranianos. Em suma, uma guerra mais ampla envolvendo o Hezbollah e outros grupos apoiados pelo Irã, representaria uma grave ameaça para Israel e poderia aumentar o terrorismo internacional.

8. Sétimo desafio - a crise humanitária na Faixa de Gaza

O sétimo desafio é como realizar uma robusta incursão terrestre na faixa de Gaza com a existência de uma crise humanitária de grandes proporções. Em sua estratégia, inicialmente Israel resolveu asfixiar o Hamas por meio de cortes e o interrompimento de combustíveis, eletricidade e outras necessidades na faixa de Gaza.

Contudo, a postura israelense ocasionou uma enorme crise humanitária e, por consequência, gerou grande pressão do sistema internacional, principalmente dos Estados Unidos da América, que se manifestaram a favor do fornecimento dos serviços básicos, alimentos e medicamentos para os civis residentes na faixa de Gaza. Caso as Forças de Defesa de Israel não mudem sua estratégia, o já elevado custo humano disparará, afetando principalmente as crianças e os idosos, da mesma forma que pode resultar em perda de apoio norte-americano e pressão adicional do sistema internacional.

9. Considerações Finais

A insatisfação em Israel e entre os judeus diante do ocorrido em 07 de outubro de 2023 é imensa. Não pelo acaso, nota-se que judeus e israelenses têm clamado copiosamente pela destruição do Hamas. Contudo, as autoridades civis e militares israelenses sabem que uma incursão militar terrestre de grande porte é arriscada, pois pode elevar exponencialmente o custo humano para ambos os lados, da mesma forma que não garante o alcance da meta estabelecida pelo 1º ministro israelense, que é destruir o Hamas.

A maneira como foi realizada a guerra contra o terror, desencadeada pelos Estados Unidos da América, em decorrência dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, pode iluminar os próximos passos do conflito que Israel vem travando contra o Hamas há algum tempo. Para que se tenha uma ideia, naquela ocasião, os norte-americanos, mesmo contando com o maior poderio militar, político e econômico do mundo, levaram cerca de 10 anos para eliminar o então líder da Al-Qaeda. Diga-se de passagem, Osama Bin Laden  não veio a óbito em decorrência de uma ação militar robusta apoiada com fogos de artilharia, mas sim, de uma operação militar pontual, baseada na inteligência e no emprego de forças especiais norte-americanos.

Em vista desse exemplo e dos desafios apresentados ao longo do texto, visualiza-se que o conflito israelo-palestino se alongará por anos, talvez décadas e de que o sucesso de Israel nesse conflito dependerá, fundamentalmente, da manutenção do apoio norte-americano e da inexistência de pressão oriunda do sistema internacional durante todo o período desse embate.

 

Rio de Janeiro - RJ, 05 de novembro 2023.


Como citar este documento:
Rodrigues, Anselmo de Oliveira. Israel e os desafios de uma incursão militar terrestre na faixa de Gaza. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2023.  

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