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O Desenvolvimento Econômico da Coreia do Sul - Do Dilema da Segurança à Prosperidade

Publicado: Quarta, 29 de Mai de 2019, 08h01 | Última atualização em Quinta, 06 de Janeiro de 2022, 13h50 | Acessos: 2085

Alex Alexandre Mesquita1

I. Introdução

A República da Coreia é um dos países mais desenvolvidos do mundo, no que diz respeito aos aspectos econômico, social e tecnológico, embora a sua história recente pudesse ter inviabilizado tudo isso.

Ao longo do último século, a Coreia do Sul passou, por um período colonial traumático; uma guerra fratricida, que ainda não terminou; a divisão de um povo em dois países antagônicos; e um governo militar que impôs diversas restrições à liberdade individual e coletiva. Apesar de todos esses obstáculos, atingiu um momento de prosperidade que desperta estudos e conclusões diversas.

Analisando sob a ótica das teorias das Relações Internacionais e de Segurança Nacional, é possível encontrar nos conceitos Realistas1 as orientações para o fabuloso desenvolvimento experimentado pelos coreanos. O conceito de Interesse Nacional3 e o Dilema da Segurança4, aplicados nas relações com a antagonista República Democrática da Coreia foram elementos importantes para um planejamento econômico detalhado, de longo prazo e, até o momento, exitoso.

Com base nessas perspectivas, este texto buscará analisar o desenvolvimento econômico da República da Coreia, desde a sua independência até os dias atuais, considerando o Dilema da Segurança como um dos principais propulsores do seu atual estado de prosperidade.

II. Desenvolvimento

a. A reconstrução a partir das ruínas

A Coreia é uma nação com centenas de anos. Durante o século XIX, a península coreana foi palco da rivalidade japonesa com a Rússia e com a China, sendo anexada ao Império do Japão em 1910, permanecendo uma colônia até o final da II Guerra Mundial (II GM), em 1945.

O período colonial foi responsável por impactar negativamente a educação, com a proibição do uso do idioma coreano, que foi substituído pelo japonês, repercutindo em um altíssimo nível de analfabetismo. Embora tenha cooperado com desenvolvimento industrial da porção Norte do país, o Japão manteve o Sul predominantemente agrário e pobre, com 70% da população vivendo da agricultura.

Durante o período colonial, a Coreia fornecia alimentos e funcionava como um complexo industrial japonês. Com o fim dessa relação imperialista, a Coreia permaneceu com instalações modernas em termos de transporte e de eletricidade, uma indústria relativamente importante, do têxtil à produção de armamentos, passando pela química e pela mecânica. Havia, também, um sistema bancário completo, mas toda essa modernidade estava ao Norte. Nessa época, a classe dominante era pouco desenvolvida, pois a presença japonesa não lhe proporcionou muito espaço. Além disso, havia grande incidência de corrupção.

Com o final da II GM, a península foi dividida sob a administração dos Estados Unidos da América, ao sul, e da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, ao norte. Em agosto de 1948, foi fundada a República da Coreia, ao Sul, e um mês depois a República Democrática Popular da Coreia, ao norte.

Com a fundação da Coreia do Sul, foi promulgada a sua Constituição, que trazia um forte impulso ao desenvolvimento individual. Os seus artigos 15, 16, 17 e 18, respectivamente, asseguravam o direito à propriedade, igual oportunidade de educação, direito e dever de trabalhar e liberdade de associação coletiva, para todos os trabalhadores. Assim, garantiu-se o desenvolvimento com base na qualificação da mão de obra.

Ao final da guerra, o Japão pagou indenizações aos países ocupados e a Coreia foi beneficiada durante um período de 10 anos. Dentre os países asiáticos que receberam os recursos, a Coreia do Sul foi o país que melhor utilizou o dinheiro, graças a um estrito controle do seu uso, diminuindo o desperdício e o desvio de finalidade do seu emprego.

Uma medida prática para alcançar esse objetivo foi a edição da Lei de Operação e Gerenciamento das Repatriações Japonesas, que proibiram o uso dos recursos para fins políticos e estabeleceu pena de cinco a dez anos de prisão para os casos de descumprimento e casos de corrupção e até mesmo pena de morte caso os valores desviados excedessem os US$ 50.000,00.

As tensões internas, já existentes após a libertação do colonialismo japonês, se agravaram por conta da forte presença soviética no Norte. Essas mesmas ideias comunistas começaram a contaminar também o Sul. Para conter essa influência e dentro da concepção Realista de Interesse Nacional, foi realizada uma profunda reforma agrária para reduzir a onda bolchevique e combater as oligarquias rurais herdadas do período colonial.

Em sequência à conturbada libertação do jugo japonês, os antagonismos e planos de reunificação hegemônicos de cada uma das partes levaram à Guerra da Coreia, em 1950, primeiro conflito da Guerra Fria, empurrando uma Coreia do Sul pobre, iletrada e agrária para uma situação ainda pior. Cumpre sublinhar que a Coreia do Norte herdou o parque industrial do período colonial e, economicamente, estava em situação bem mais favorável.

Em 1953, após a Guerra da Coreia, o antagonismo Norte-Sul acirrou-se materializando, de vez, o Dilema da Segurança. Os EUA iniciaram o apoio à reconstrução do país, por meio de donativos. Este apoio estrangeiro perdurou até meados da década de 1970 e os recursos foram utilizados com o mesmo critério e controle dos fundos japoneses, garantindo um emprego extremamente exitoso, que continuou impulsionando a economia.

O governo civil instituído em 1946, tendo a frente o Presidente Syngman Rhee, utilizou os fundos recebidos para incentivar o início da industrialização e aumentou o controle econômico, mas não esteve imune ao fantasma da corrupção, que acabou levando à sua deposição, por um movimento popular, que permitiu um golpe e o estabelecimento de um governo militar comandado pelo general Park Chung Hee.

O presidente Park exerceu forte liderança e reforçou ainda mais a intervenção do Estado na economia. Investiu fortemente na criação de uma indústria metalomecânica1 e petroquímica, base do desenvolvimento econômico, que poderia ser mobilizada para a produção de material bélico, em caso de uma nova guerra com a Coreia do Norte. O Dilema da Segurança passava orientar, cada vez de forma mais objetiva, os rumos econômicos do país.

Ainda, com foco no Dilema da Segurança a infraestrutura de transporte e comunicações já existente começou a ser ampliada, favorecendo as ligações em todo o país por meio de autoestradas e ferrovias modernas, que, além de transportar a produção, permitiram a mobilidade da população.

A partir de 1962, o financiamento externo evolui progressivamente, porém os donativos continuam a ser a fonte principal, até 1966. Os Estados Unidos incentivaram a Coreia a reatar relações econômicas com o Japão que, em seguida, assinou um acordo de dez anos (1965-1975), que previa uma ajuda econômica de 500 milhões de dólares, sendo 300 milhões sob a forma de donativos.

No período da administração Park, o combate à corrupção se tornou mais acirrado, com o estabelecimento de uma nova cultura no funcionalismo público, que valorizava a integridade pessoal. Um lema foi criado, com base na ideia de que o funcionário do governo deveria ver o “ouro” como uma simples pedra, alertando todos a não serem vítimas da ganância6. A corrupção, expandida no período colonial, ainda era uma grande sombra no governo coreano.

No campo da educação, este espaço de tempo recuperou o analfabetismo e iniciou o investimento no ensino técnico e das ciências exatas7. Ao dar instrução ao trabalhador da indústria, houve uma crescente melhora nos processos de produção, aumentando a eficiência e a qualidade dos produtos. Os coreanos dedicavam-se além dos demais países, buscando altos níveis de performance em todas as atividades. Graças à prioridade dada à formação profissional e à educação de base, havia quadros cada vez mais qualificados na força de trabalho.

A respeito desse período da história do desenvolvimento coreano, é possível entender que, após a época colonial e a destruição causada pela guerra fratricida interrompida em 1953, o Dilema da Segurança, paradigma do pensamento Realista, foi principal impulso para a criação das bases econômicas. Por meio do planejamento, implementação e avalição constante de resultados, combatendo a corrupção e o desperdício de recursos, foi possível implantar um parque metalomecânico e petroquímico; além de expandir as infraestruturas de transporte, comunicação e melhorar os índices de educação.

b. Da democratização à prosperidade

A partir da década de 1980, apesar do crescimento econômico, o governo militar começou a perder a confiança popular e, em junho de 1987, mais de um milhão de estudantes e cidadãos participaram de ações contra a administração central em escala nacional, que ficaram conhecidas como o “Movimento Democrático de Junho”. Em outubro de 1987, depois de constituição revisada, eleições diretas do novo presidente foram realizadas em dezembro, o que marcou o início da democratização coreana.

Um dos legados pouco auspiciosos do período anterior, no campo do desenvolvimento, foi a desaceleração da economia. Com sindicatos fortes e salários mais altos, houve uma sensível redução da competitividade dos produtos coreanos no mercado internacional, resultando em exportações estagnadas, enquanto os preços das commodities continuavam a subir.

Com a democratização, a população começou a experimentar a liberdade e um crescente nível de prosperidade, distanciando-se cada vez mais da Coreia do Norte econômica e socialmente. O povo passou a perceber que o desenvolvimento econômico trazia consigo o progresso individual, o êxito material e a um elevado padrão de qualidade de vida. Em suma, os coreanos entenderam que trabalho, aliado à liberdade gera prosperidade em grande escala. Este passou a ser um grande diferencial em relação ao Norte, e a prosperidade começou a se tornar um ativo de Segurança Nacional, ao reduzir a ameaça das ideias vindas da Coreia do Norte.

Contudo, no âmbito militar da Segurança Nacional, a ameaça norte-coreana mantinha-se cada vez mais crescente, com vários incidentes na Zona Desmilitarizada e confrontos de diversos tipos. Esta situação ainda contribuía para que a visão Realista e o Dilema da Segurança continuassem a orientar a política e a economia da República da Coreia.

O bem-estar da população, como condição para a Segurança Nacional é uma construção da corrente Idealista. Entretanto, como esclarecido anteriormente, o Dilema da Segurança continuava presente. Dentro desse conceito, para garantir a força do Sul, o Norte precisava ser enfraquecido. Aliando os dois conceitos, percebe-se que, fortalecendo o bem-estar na Coreia do Sul, de maneira exponencial, o Norte, em função das prioridades belicistas, não conseguiria acompanhar da mesma forma.

O sul da Península Coreana não foi presenteado com fartos recursos naturais e, até hoje, as pessoas são consideradas maior riqueza do país. Nesse sentido, o incentivo à educação, iniciado no período da reconstrução, foi recebendo cada vez mais importância, em particular no ensino universitário, com destaque para os cursos relacionados às Engenharias. Segundo a concepção do período, o estudo das ciências exatas seria o grande responsável pelo desenvolvimento econômico e natural prosperidade.

Em consequência, a economia coreana passou de exportadora de commodities nas décadas de 1960, para produtora e exportadora de eletrônicos, navios, automóveis, máquinas em geral, produtos plásticos e têxteis na década de 1990 e chegou ao século XXI, como líder em semicondutores, computadores, produtos petroquímicos, telecomunicações, smartphones de última geração, tecnologia wireless e produtos de bem-estar para residências. Essa evolução já indicava o caminho promissor rumo a prosperidade, lastreada na educação.

O Dilema da Segurança, que impulsionou a indústria de base, passou a incentivar o desenvolvimento tecnológico. A independência em relação à produção de sistemas de comunicação, modernização da internet, melhoria da conectividade, dentre outros repercutiu novamente na melhoria do bem-estar da população8, que estava cada vez mais convencida de que o modelo econômico de desenvolvimento estava no caminho certo. Dessa forma, independente das mudanças de governo, os rumos mantinham-se os mesmos.

Uma característica muito importante e que também está relacionada ao desenvolvimento é o nacionalismo e o sentimento de comunidade, construído ao longo de séculos. Estas condições fizeram com que o povo, após a democratização, mesmo discordando da orientação política do período militar, continuasse a apoiar as iniciativas desenvolvimentistas estruturadas na administração Park. Não houve, por parte do povo coreano, um sentimento de revanche ou de negação ao que foi construído no passado, mas sim um ímpeto de continuidade, em prol do desenvolvimento.

Com o tempo, o distanciamento econômico entre Norte e Sul tornou-se um abismo e a população sul-coreana atingiu um nível de bem-estar que era inimaginável ao final da década de 1953, quando a educação era precária e não havia um horizonte favorável. A prosperidade nacional trouxe a Segurança Social e se tornou um real elemento da Segurança Nacional, prevenindo tensões internas e externas, em particular a oriundas da Coreia do Norte.

O desenvolvimento da Coréia do Sul dos dias atuais revela um total contraste com a antagonista do Norte, que hoje é um país governado com base em uma ideologia autoritária e obsoleta, que não alterou a sua percepção a respeito da Segurança Nacional, empregando os seus recursos econômicos no desenvolvimento de armas nucleares, empurrando o povo para mais uma crise alimentar.

O estudo do período pós-democratização, realizado de forma resumida, permite visualizar que o Dilema da Segurança, ainda continua presente e é um paradigma para o desenvolvimento econômico coreano, transformando o país em referência tecnológica mundial, após organizar de forma robusta a sua indústria de base no período seguinte à Guerra da Coreia. O resultado é um país cada vez mais próspero. Hoje, essa prosperidade é o principal elemento de Segurança Social, que impacta diretamente na Segurança Nacional.

 

III. Conclusão

O desenvolvimento econômico da República da Coreia sempre esteve diretamente relacionado com a necessidade de garantir a segurança do país contra a ameaça da República Popular Democrática da Coréia.

Após a independência e fim da Guerra da Coreia, buscou-se a organização da indústria metalomecânica e petroquímica, para apoiar um possível esforço de guerra contra a Coreia do Norte, dentro de uma lógica de pensamento Realista de Segurança Nacional, que foi responsável por estabelecer as bases da economia coreana. Com a democratização, por meio do crescente desenvolvimento baseado no campo tecnológico, foi criado um ciclo virtuoso de prosperidade e de bem-estar, que tem mantido a segurança do país contra ameaças mais difusas.

Em resumo, o desenvolvimento econômico teve o grande objetivo de dotar a República da Coreia de condições para combater e derrotar a Coreia do Norte, inicialmente atendendo a uma lógica Realista e, em seguida, evitar a influência comunista, dentro de uma lógica Idealista, mas sempre com a influência do Dilema da Segurança.

A Coreia sempre foi um paradigma de desenvolvimento para países emergentes e a comparação com a trajetória brasileira é inevitável. O Brasil e a Coreia foram contemporâneos em muitos desafios, dentre eles as mudanças políticas e o desenvolvimento econômico das décadas de 50, 60, 70 e 80 do século passado. Contudo, observando o atual estado de prosperidade coreana, pode-se dizer que o Brasil perdeu o seu caminho em algum momento da história. Cabe a esta geração identificar como isso ocorreu e orientar a retomada do progresso.


1 O autor é Coronel da Arma de Cavalaria, formado pela Academia Militar das Agulhas Negras em 1992. Atualmente. É aluno do Curso de Segurança Nacional na Korean National Defense University (KNDU). Este artigo foi produzido com base na participação do autor no 2019 Capacity Building Workshop for Korea National Defense University Program.
2 Os Realistas, em geral, assumem uma visão pessimista de mundo, o que significa que um Estado não deve confiar em outro Estado e, por isso, deve perseguir o objetivo de aumentar o seu poder, de modo a garantir a sua segurança.
3 Os Realistas foram os responsáveis por traduzir o conceito de Interesse Nacional. Na busca por alcançar e manter os Interesses Nacionais, os realistas consideram que a ética não é fator primordial nas relações entre os Estados, sendo assim, os mesmos podem quebrar qualquer acordo e desobedecer a qualquer regra moral, em nome desses interesses. Até os dias de hoje, diversos países utilizam as bases do pensamento Realista, como elemento orientador da sua política de Relações Internacionais.
4 Para a corrente realista, o estado de segurança é conseguido por meio da maximização do poder do Estado e esta maximização será alcançada às expensas da segurança de outros Estados, criando o paradigma do Dilema da Segurança. Isto é, o Estado somente estará seguro, se estiver mais forte do que os seus antagonistas.
5 A construção do complexo de ferro e aço, em Pohang, é o maior símbolo do uso das reparações japonesas pelo governo coreano. O investimento estimado foi de 119 milhões de dólares de um total de 500 milhões.
6 Segundo o presidente, “Se os funcionários públicos forem incorruptíveis, o povo viverá feliz por eles mesmos.” (Discurso de Ano Novo em 1964).
7 Ao final da II GM, 78% da população da Coreia do Sul não sabia ler ou escrever. Ao final de 1959, esse índice havia sido reduzido para 22%.
8 Em palestra realizada durante o 2019 Capacity Bulding Workshop for Korea National Defense University Program, o professor Siwook Lee, do Korean Development Institute declarou que a continuidade das políticas de desenvolvimento é constantemente cobrada ao governo por uma classe média cada vez mais esclarecida e participativa. Desta forma, segundo ele, mesmo com as mudanças sucessivas de governos, a prosperidade continua e não há desconstrução do legado anterior.

 

BIBLIOGRAFIA:

- Bo-hyuk Suh., Resolving the Korean Conflict through a Combination of Human Rights and Human Security, The Korean Journal of International Studies Vol. 14, No 1 (Abril 2016), 53-75.

- Breen, Michael., The New Koreans, Thomas Dunne Books, 2017.

- De Mente, Boyé Lafayette., The Korean Mind-Understanding Contemporary Korean Culture, Tutttle, 2017.

- Global Knowledge Exchange & Development Center., 2019 Capacity Bulding Workshop for Korea National Defense University Program., 2 e 3 de maio de 2019.

- Hough, Peter., Understanding Global Security, Routledge, 2008.

- Jr, Joseph S. Nye., Soft Power-The Means to Success in World Politics, Public AffairsTM/Perseus Book Groups, 2004.

- Steinbuner, John D., Principles of Global Security, The Booking Institution, 2000.

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