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A função de combate Inteligência na Operação Lança de Netuno

Publicado: Quarta, 01 de Fevereiro de 2023, 01h01 | Última atualização em Terça, 31 de Janeiro de 2023, 13h41 | Acessos: 10433

 

Heinz Stricker do Valle
Major do Exército Brasileiro e atualmente
está realizando o CAEM na ECEME

André Felipe Botelho Gondim
Major do Exército Brasileiro e atualmente
está realizando o CAEM na ECEME

Luciano Velôzo Gomes Pedrosa
Major do Exército Brasileiro e atualmente
está realizando o CAEM na ECEME

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1. Introdução

O 11 de setembro de 2001 constitui, possivelmente, o mais famoso atentado terrorista da história. Sua repercussão global mudou as relações internacionais, determinou o uso da expressão militar no combate às ameaças assimétricas, inaugurou invasões e intervenções armadas em diversos Estados e impactou severamente a economia mundial, além de inúmeras outras consequências e reflexos.

Conforme menciona Khokar (2011), o mais destacado idealizador do atentado foi o líder da Al-Qaeda à época, o saudita Osama Bin Laden. Esse protagonismo definiu a captura e/ou eliminação desse líder terrorista como o centro de gravidade[1] para a chamada Guerra ao Terror, política implantada pelo presidente americano George W. Bush para dar resposta ao ataque.

Nos esforços para o atingimento desse alvo, foram empregados vultosos recursos financeiros e militares e, após quase uma década, foi identificada a posição do terrorista, em imóvel isolado e protegido, no Paquistão. Dentre as alternativas levantadas, decidiu-se pelo emprego de uma Força de Operações Especiais (F Op Esp) para a eliminação do líder talibã. Tal atividade apoiou-se sobremaneira na função de combate inteligência para sua execução, que se deu com sucesso.

Entende-se por funções de combate como sendo os "conjuntos de atividades, tarefas e sistemas inter-relacionados, realizados por unidades das diferentes armas, quadros e serviços do Exército” (BRASIL, 2019, p. 5-6). Seriam, assim, em número de seis, dentre os quais a função de combate inteligência será explorada detalhadamente, mais adiante. Nesse ínterim, o presente artigo buscará apresentar alguns aspectos da função de combate inteligência visíveis na Operação Lança de Netuno, destacando seus pontos mais relevantes.

2. Operações Especiais

De maneira objetiva, pode-se delinear as Operações Especiais (Op Esp) como sendo as operações constituídas por ações militares para consecução de objetivos nos diversos campos, empregando meios não convencionais (BRASIL, 2015). Por sua vez, entende-se o termo convencional, no âmbito das ciências militares, como se referindo ao uso dos padrões mais clássicos de técnicas de combate, equipamentos, técnicas, táticas e procedimentos.

Usualmente, as Op Esp são atividades complementares às campanhas militares convencionais, podendo - como qualquer evento tático crítico - ganhar considerável destaque, a depender dos objetivos estratégicos elencados. Dentre os tipos mais comuns de Op Esp, destaca-se a ação direta, que é definida como:

"[...] uma ação ofensiva de pequena envergadura e de curta duração, realizada por tropa capacitada, de valor e constituição variáveis, por meio de uma infiltração terrestre, aérea e/ou aquática, contra alvos de valor significativo, localizados em ambientes hostis, negados ou politicamente sensíveis" (BRASIL, 2017, p. 3-5).

Das características da Operação Lança de Netuno, observa-se a ocorrência das atividades militares dentro do escopo das ações diretas. 

3. A inteligência nos antecedentes e na preparação da Operação

Antes da Operação Lança de Netuno, os Estados Unidos da América (EUA) tentaram, sem sucesso, deter Bin Laden em três ocasiões: em 2001, em Tora Bora; em 2006, no vale Shigal; e em 2008, no Afeganistão. Após, as investigações sobre o paradeiro de Bin Laden estavam dispersas, até que Leon Panetta assumiu a direção da CIA[2] e coordenou as operações de inteligência, colocando um analista sênior como líder. Uma equipe foi montada, com a finalidade prioritária de caçar o líder terrorista, sendo realizadas reuniões temáticas semanais com Panneta.

No final de 2010, os trabalhos de inteligência conquistaram informações importantes. Agentes descobriram que dois irmãos que já haviam sido mensageiros do líder terrorista viviam em uma casa, que se parecia muito com uma pequena fortaleza, em Bilal Town, um bairro de classe média na cidade de Abbottabad, Paquistão.

Os agentes passaram a monitorar rigidamente essa fortaleza. Entretanto, como disse Nada Bakos, ex-analista da CIA, o trabalho de inteligência é extremamente complexo - semelhante a montar um quebra-cabeça em que sempre faltam peças. Torna-se um trabalho cheio de dúvidas e ambiguidades, com o desafio de receber e analisar informações desencontradas e que frequentemente não fazem  sentido.

O emprego de imagens aéreas e de satélite contribuíram com uma série de informações relevantes. Foi verificado que a residência vivia isolada do exterior, sem  internet ou telefone fixo. Nenhum lixo era recolhido, sendo completamente queimado dentro do complexo. Alguns moradores não saíam da casa e particularmente um homem nunca ia à rua e, alguns analistas especularam que poderia se tratar de Bin Laden, devido ao seu tipo físico, contudo não conseguiam uma boa imagem de seu rosto. A falta dessa prova definitiva impossibilitava a decisão de atuar na casa.

Nesse momento, as informações levantadas eram relevantes e os elementos SEAL[3] começaram a realizar repetidos ensaios em uma réplica da fortaleza, construída em uma área de treinamento da CIA na Carolina do Norte.

O monitoramento prosseguiu e ainda que sem a imagem do rosto de Bin Laden, Panneta e sua equipe de analistas tinham 95% de convicção de que Bin Laden se homiziava naquele local. Convidados por Panneta para criticar o trabalho realizado pela CIA, analistas do NCTC (National Counterterrorism Center) avaliaram em até 60% quanto à possibilidade do homem suspeito ser Osama Bin Laden. O diretor do NCTC, Michael Leiter, disse que seria preferível esperar por uma confirmação positiva da identidade de Bin Laden. No entanto, quanto mais o tempo passava, maior o risco de ocorrer um vazamento. Apesar das incertezas, a inteligência da CIA tinha obtido as melhores informações sobre Bin Laden desde Tora Bora em 2006.

Figura 1 - Comparação do local de operação levantado pela inteligência com o modelo físico criado para a condução dos ensaios

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Fonte: Marimón, 2022.

Em 28 de abril, Panneta e a equipe de segurança nacional se reuniram com o presidente Obama. As condições de luar sobre Abbottabad favoreciam um ataque nas próximas noites. A operação seria em território paquistanês e Obama tinha receio de um problema diplomático, caso ocorresse algum incidente que levasse tropas dos EUA a serem capturadas ou a combater com tropas locais. Após compreender as informações, o presidente deu orientações, como a de possuir helicópteros reservas para resgate da tropa. Assim sendo, fruto da confiança no trabalho de inteligência realizado por seus analistas, Obama autorizou a realização da Operação Lança de Netuno.

Figura 2 - Segurança paquistanesa no esconderijo de Osama Bin Laden após sua morte

funcao combate inteligencia operacao lanca netuno fig2

Fonte: Marimón, 2022.

4. A Operação

A Operação Lança de Netuno[4] constitui um dos mais famosos e recentes exemplos de Operação Especial (Op Esp) da história. Foi planejada, em termos gerais, como a eliminação de Osama Bin Laden, cognominado Geronimo por meio de uma F Op Esp composta por vinte e três integrantes do SEAL Team 6[5] (tropa especial da Marinha norte-americana), um intérprete e vários cães de guerra.

O planejamento primava pela simplicidade: a partir de Jalalabad, no Afeganistão, dois Silent Hawks com as equipes principais, seguiriam diretamente a Abbottabad, a cerca de 250 km de distância. Seriam seguidos, com uma defasagem de 45 minutos, por dois MH-47 Chinook com equipes e combustível de reserva, que estabeleceriam um FARP[6], situada cerca de 48 km ao norte de Abbottabad. No término da missão no complexo, os Silent Hawks seguiriam ao FARP, reabasteceriam e retornariam a Jalalabad, encerrando a fase crítica da operação.

No complexo, o planejamento previa que Hawk-1 iria pairar sobre o quintal e doze operadores SEAL desceriam através de cordas. O Hawk-2 voaria para o canto nordeste do complexo e deixaria um tradutor, um cão - de nome Cairo - e quatro integrantes do time tático, que controlariam o perímetro do edifício. A seguir, iria pairar sobre a casa e o líder da equipe e os seis operadores restantes desceriam no telhado. O tradutor tinha a função de manter a vizinhança local à distância, atuando como se fosse um policial paquistanês à paisana. Se fosse difícil encontrar Bin Laden, o cão seria enviado para dentro da casa em busca de paredes falsas ou portas ocultas.

Figura 3 - Diagrama de infiltração das equipes SEAL

funcao combate inteligencia operacao lanca netuno fig3

Fonte: Marimón, 2022.

A equipe, infiltrada por helicópteros de um modelo especial - mais furtivo, denominado informalmente como Silent Hawk - realizaria a entrada na habitação; faria a eliminação seletiva do líder terrorista, contendo resistências da mesma forma; coletaria material, documentos, computadores, discos de dados, fotografias, etc; e exfiltraria pelos mesmos meios, conduzindo a evidência principal: o corpo do terrorista mais procurado do mundo, até então.

A despeito de um planejamento reunindo notáveis meios, observou-se a pane  em um dos helicópteros, já no pouso, o que o fez cair no pátio do complexo, e obrigou a equipe a destruí-lo, intencionalmente, após a retirada de material sigiloso. Um dos Chinook rapidamente chegou para prestar o apoio à retirada.

O restante da ação seguiu o planejamento: os SEALs invadiram a casa, e além de Bin Laden, eliminaram Khalid (seu filho), Abu Ahmed e Abrar al-Kuwaiti (os irmãos mensageiros) e Bushra (esposa de Abrar). Foram apreendidos computadores, câmeras, CDs, DVDs e pen-drives. De imediato, as equipes passaram a embarcar o pessoal e as apreensões. Grupos de curiosos começavam a se reunir nas proximidades do complexo; e eram contidos pelo tradutor e pelos operadores que vigiavam o perímetro. Após 38 minutos desde a partida até a chegada, os SEAL seguiam de volta para Jalalabad, com o corpo de Osama Bin Laden e vários materiais apreendidos.

Figura 4 - Esquema do local de homizio de Osama Bin Laden

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Fonte: Marimón, 2022.

5. Conclusão

As ações do dia 11 de setembro de 2001 marcaram indelevelmente a história contemporânea dos conflitos armados. O combate a estas ações e as organizações que a promoveram, passaram a delinear os principais objetivos militares no século XXI, principalmente em sua primeira década, no qual a Al-Qaeda e seu líder Osama Bin Laden foram protagonistas de um cenário assimétrico, onde o papel da inteligência militar foi preponderante para a execução exitosa durante a Operação Lança de Netuno, em   dois de maio de 2011.

Em síntese, a sinergia entre a coleta, análise e divulgação dos dados de inteligência em seu nível estratégico e operacional de forma precisa e oportuna viabilizou o emprego eficaz das Forças de Operações Especiais na consecução da neutralização de Osama Bin Laden. Este episódio evidenciou uma das capacidades mais primorosa das Operações Especiais, qual seja: a de realizar ações diretas contra alvos de alto valor, o que influencia de forma impactante, desde então, o espectro político das relações entre Estados ou quaisquer entes beligerantes. Dessa forma, conclui-se que:

a. A Operação Lança de Netuno caracterizou-se pelo pleno atendimento aos princípios intrínsecos às Operações Especiais dentre os quais podem ser ressaltados a integração e a seletividade. Estes princípios ficam evidenciados no compartilhamento de informações entre os órgãos de inteligência civis, como a CIA, e as forças armadas americanas, além da atuação em um alvo prioritário para o Estado Final Desejado[7] da política denominada “Guerra ao Terror”;

b. No nível tático, a Operação Lança de Netuno foi realizada respeitando-se as características das Operações Especiais. Os operadores SEAL planejaram e executaram uma ação de alto risco, com baixo grau de visibilidade, com elevado grau    de precisão, em que pese a dificuldade de coordenação e apoio em que a missão apresentava; e

c. Na operação, que culminou na eliminação do líder da Al-Qaeda, foram levadas em consideração fatores de êxito consagrados em manuais doutrinários de Operações Especiais. Dentre esses, se destacam: a decisão de emprego no mais alto nível, no caso o presidente dos Estados Unidos da América, Barack Obama; o acesso aos mais altos níveis de inteligência; ações dirigidas contra alvos de alto valor; apoio de inteligência oportuno, ágil e oportuno; logística adequada, incluindo apoio à infiltração e à exfiltração.

Por fim, no atual teatro operacional, em que o ambiente se apresenta, segundo o antropólogo James Cascio, de maneira frágil, ansiosa, não-linear e incompreensível, ganham preponderância a velocidade das informações e a precisão das ações: o oposto repercutiria no fracasso operacional e na ocorrência de danos colaterais irreversíveis. As Forças de Operações Especiais, se empregadas, devem estar integralmente associadas à inteligência, aos moldes da Operação descrita. Assim, a Operação Lança de Netuno é um exemplo do sucesso nessa direção, devendo ser seguido pelos decisores que atuam nesse espectro militar

 

[1] Trata-se de uma fonte, componente primário de força, poder e resistência física ou moral que confere ao contendor, em última análise, a liberdade de ação para utilizar integralmente seu poder de combate (BRASIL, 2020).

[2] Central Intelligence Agency, ou Agência Central de Inteligência (tradução nossa).

[3] S.E.A.L.: sigla Sea, Air and Land, remetendo sutilmente ao animal marinho foca (inglês), que passa grande parte de sua vida na água e é adaptado ao frio. Como são chamados os operadores que completaram o curso de mesmo nome.

[4] Do original Neptune Spear (tradução nossa).

[5] No caso do Team 6 (Time seis), se refere a um destacamento ainda mais sobrelevado, dentro do contexto da tropa de elite.

[6] F.A.R.P.: Forward Air Refueling Point – Ponto de Reabastecimento Aéreo Avançado (tradução nossa).

[7] Condições a serem estabelecidas sobre uma área ou grupo. Seu atingimento indica efetivo cumprimento da missão. De outra forma, é a situação futura que se intenciona alcançar (BRASIL,2020, p. F-1).

  

 

 Referências Bibliográficas: 

  1. BRASIL. Exército Brasileiro. Comando de Operações Terrestres. EB70-MC-10.211: Processo de Planejamento e Condução das Operações Terrestres. Brasília: COTER, 2020.

  2. BRASIL. Exército     Brasileiro. Comando de Operações Terrestres. EB70-MC-10.212: Operações Especiais. Brasília: COTER, 2017.

  3. BRASIL. Exército Brasileiro. Estado-Maior do Exército. EB20-MF-10.102: Doutrina Militar Terrestre. Brasília: EME, 2019.

  4. BRASIL. Exército Brasileiro. Estado-Maior do Exército. EB20-MF-10.107: Manual de Fundamentos Inteligência Militar Terrestre. Brasília: EME, 2015.

  5. KHOKHAR, Amna Yousaf. Operation Neptune Spear. Strategic Studies, Vol. 31, nº 3, p. 109-123, 2011.

  6. MARIMÓN, Albert Caballé. T&D HISTÓRIA - Operação ‘LANÇA DE NETUNO. Tecnologia & Defesa, 2020. Disponível em: https://tecnodefesa.com.br/td-historia-operacao-lanca-de-netuno/. Acesso em: 11 de novembro de 2022. 

 

Rio de Janeiro - RJ, 01 de fevereiro de 2023.


Como citar este documento:
VALLE; GONDIM; PEDROSA. A função de combate Inteligência na Operação Lança de Netuno. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2022.  

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