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A operação Acolhida - boas práticas e repercussões no âmbito internacional

Publicado: Quarta, 26 de Julho de 2023, 01h01 | Última atualização em Quarta, 26 de Julho de 2023, 10h29 | Acessos: 551

 

Paulo David Rocha Bezerra da Silva
Major do Exército Brasileiro.
Atualmente está realizando o CAEM na ECEME
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Filipe Lourenço França
Major do Exército Brasileiro.
Atualmente está realizando o CAEM na ECEME
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Introdução

A forte instabilidade política, econômica e social que acometeu a Venezuela fez eclodir uma enorme crise no país que, a partir do segundo semestre de 2015 se intensificou, vindo a gerar efeitos colaterais variados, notadamente junto à população venezuelana, que tem buscado sair do país, fato que se reflete diretamente na saída de venezuelanos de seu país (KANAAN, 2019).

O Brasil, devido a sua proximidade fronteiriça, vem registrando ao longo dos últimos anos, um significativo crescimento no número de imigrantes venezuelanos. Segundo a Casa Civil da Presidência da República, em 2018 foi registrada a entrada de cerca de 90 mil venezuelanos no país, o que representa uma média diária de aproximadamente 300 imigrantes venezuelanos. Em 2019, esses números mais que dobraram, uma vez que cerca de 210 mil adentraram o país, representando uma média diária de pouco mais de 600 venezuelanos por dia (BRASIL, 2022a).

Tais números resultaram em impactos sociais perceptíveis em Pacaraima-RR e em Boa Vista-RR, como mendicância, invasão de logradouros públicos, aumento da prostituição, superlotação de hospitais, casos isolados de xenofobia, dentre outros (OLIVEIRA, 2018). Em virtude desse quadro, o Presidente da República, como chefe do executivo, resolveu editar medidas emergenciais voltadas para o acolhimento dessas pessoas em situação de vulnerabilidade.

Surgiu então, umas das mais importantes operações de ajuda humanitária da história do continente americano: a operação Acolhida, que nada mais é do que uma resposta da sociedade brasileira para a solução da crise venezuelana. Diante da gravidade da situação venezuelana e da importância desse tema para as Forças Armadas brasileiras e para a sociedade brasileira, este artigo intenciona apresentar o trabalho realizado pelas Forças Armadas brasileiras na operação Acolhida.

A operação Acolhida

A operação Acolhida pode ser enquadrada como sendo uma operação conjunta, interagências, logística e humanitária. É conjunta, devido à participação de efetivos da Marinha do Brasil, do Exército Brasileiro e da Força Aérea Brasileira. É interagências, por contar, além das Forças Armadas, com outras agências, as quais buscam conciliar interesses diversos e coordenar esforços. É humanitária, pois visa acolher os venezuelanos desassistidos e em situação de vulnerabilidade, de maneira organizada, sistemática e eficiente. É logística, porque o foco está voltado na inserção do venezuelano na sociedade brasileira (SOUSA, 2022).

Com vistas a atingir o estado final desejado visualizado na missão, o planejamento da operação Acolhida baseou-se em três pilares: o ordenamento da fronteira, o abrigamento e a interiorização (OLIVEIRA, 2018). O primeiro consistiu em recepcionar, identificar, triar e imunizar os imigrantes que adentraram ao país. O segundo pilar, o abrigamento, consistiu em alojar os imigrantes temporariamente a fim de proporcionar as condições ideais para a inserção dos venezuelanos na sociedade brasileira ou, até mesmo, retornarem ao seu país de origem. O terceiro pilar, por seu turno, foi o de interiorização, que consistiu em integrar o imigrante na sociedade brasileira por meio de sua instalação em cidades de todas as regiões administrativas, de acordo com suas situações particulares.

Os abrigos na operação Acolhida

A etapa do abrigamento dos imigrantes foi criada visando atender à grande demanda de migrantes e refugiados que se encontravam em vias de participar do processo de interiorização ou absorção no mercado local. Para isso, foram estabelecidos inicialmente 12 abrigos em Boa Vista-RR para acolhimento de indígenas e não indígenas, onde foram ofertadas alimentação, segurança, proteção, atividades sociais, atividades educativas e saúde. Em decorrência disso, foi criado um Posto de Recepção e Apoio com o intuito de atender aos imigrantes e refugiados desabrigados, ofertando serviços básicos, como os de informações, banho, instalações sanitárias, distribuição de doações de alimentos e refeitório. 

Figura 1 - Abrigo na operação Acolhida

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Fonte: OS AUTORES, 2023.

Ainda nessa etapa, com a finalidade de reduzir o impacto no sistema de saúde de Boa Vista-RR, foi estabelecido um Núcleo de Saúde que ofertava serviços de fisioterapia, psicologia, nutrição, odontologia, psicologia e assistência social, iniciativa que deu maior dignidade aos imigrantes venezuelanos que adentravam o território nacional, muita das vezes com sérios problemas de saúde.

A criação dos abrigos foi parte da resposta às emergências do Governo Federal frente aos problemas existentes nas cidades de Boa Vista-RR e Pacaraima-RR, uma vez que o grande número de imigrantes venezuelanos andando sem destinos nas ruas daquelas cidades estava causando sérios problemas locais, em especial nas áreas de segurança pública, social e de saúde.

Em 2022, o número de abrigos passou de 12 para 14 abrigos. Os dois abrigos adicionados foram instalados em Manaus-AM e Pacaraima-RR. Assim, a operação Acolhida passou a abrigar mais de 9 mil imigrantes, os quais estavam distribuídos em três cidades, a saber: Manaus-AM, Boa Vista-RR e Pacaraima-RR. Cada um desses abrigos englobou um público-alvo para ocupação, dentre eles o de homens solteiros, mulheres solteiras, famílias, LGBT e indígenas (BRASIL, 2022b).

Os abrigos localizados em Pacaraima-RR e Boa Vista-RR eram compostos, principalmente, por grupos familiares, com homens e mulheres, em sua maioria, entre a faixa etária de 18 a 59 anos. Ou seja, uma massa populacional economicamente ativa que necessitava de empregos para sobreviver. Além disso, grande parte desses imigrantes procurava algum abrigo a fim de retirar suas crianças de risco, por necessidades de proteção legal, proteção física específica e por problemas médicos graves, evidenciando assim a importância desses abrigos na busca da superação de adversidades por parte dos imigrantes venezuelanos (BRASIL, 2022b). 

Figura 2 - Área de Proteção e Cuidados/Hospital de Campanha na Op Acolhida

 operacao acolhida boas praticas repercussoes ambito internacional fig2

Fonte: OS AUTORES, 2023. 

 

As boas práticas na operação Acolhida

Desde sua implementação em 2018, a operação Acolhida vem recebendo destacados elogios pela resiliência e hospitalidade dispensada pelos civis e militares integrantes dessa operação em apoio aos refugiados venezuelanos, em especial pelas boas práticas executadas durante a fase de abrigamento (ACNUR, 2022).

Uma boa prática a ser pontuada foi o apoio em alimentação dados aos imigrantes venezuelanos durante o abrigamento, na medida em que eram providos com a alimentação completa (café da manhã, almoço e jantar). Além da alimentação, merece destaque o provimento de segurança e proteção dados aos imigrantes venezuelanos durante a estadia nos 14 abrigos da operação Acolhida espalhados por Boa Vista-RR, Pacaraima-RR e Manaus-AM. Além disso, cumpre mencionar o trabalho social desenvolvido no âmbito dos abrigos, haja vista que os refugiados participavam de atividades sociais e educativas, as quais proporcionavam alento e bem-estar social aos imigrantes venezuelanos que haviam adentrado no território brasileiro.

Outro ponto muito que pode ser considerado uma boa prática na operação Acolhida é o provimento de assistência à saúde junto aos imigrantes venezuelanos, propiciando aos que utilizam os abrigos acesso às especialidades médicas como: fisioterapia, psicologia, nutrição, odontologia e psicologia. Além disso, os abrigados receberam toda a imunização decorrente das campanhas de vacinação, reduzindo a possibilidade de contraírem doenças tropicais e outas endemias.

Outra boa prática conduzida pela operação Acolhida durante a fase de abrigamento foi a separação dos abrigos indígenas em diferentes etnias. Tal medida mitigou a possibilidade de conflitos em função das divergências étnicos-religiosas existentes entre as tribos venezuelanas que adentraram no solo brasileiro em busca de melhores condições de vida.

Somam-se a todas as supracitadas ações, a preocupação dos integrantes da operação Acolhida em propiciar aos venezuelanos boas condições de inserção no mercado de trabalho brasileiro, possibilitando aos acolhidos facilidades como: acesso a cursos de especialização e qualificação no SENAI, encaminhamento ao mercado de trabalho e apoio no registro e emissão de documentação. Tais medidas têm aumentado o número de trabalhadores venezuelanos no mercado de trabalho em Boa Vista-RR e Pacaraima-RR.

 

Considerações Finais

As boas práticas da operação Acolhida apresentadas anteriormente contribuíram para projetar positivamente o Brasil no cenário internacional, mesmo que tal feito não receba o devido trato no âmbito interno. Não pelo acaso, a atuação humanitária brasileira foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) como sendo um trabalho pioneiro e efetivo na prestação de assistência e integração das pessoas venezuelanas, além de garantir e preservar a dignidade dos refugiados.

O reconhecimento não ficou restrito apenas às Nações Unidas. Inúmeras agências internacionais que, de alguma forma interagiram com a operação Acolhida, também reconheceram o bom trabalho desempenhado pelo Brasil no acolhimento aos imigrantes  venezuelanos, como por exemplo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV).

Do acima exposto, pode-se inferir que as características marcantes da personalidade do povo brasileiro, notadamente a receptividade, a humanidade e a criatividade, tem balizado a resposta do Estado brasileiro no abrigamento dado aos venezuelanos. Assim, o Brasil, além de contribuir para a estabilidade regional, também aumenta a sua projeção no cenário internacional.

 

 Referências Bibliográficas: 

  1. ACNUR. O antes e o depois da Operação Acolhida: uma análise à luz da resposta humanitária brasileira. ACNUR, 2022. Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/wpcontent/uploads/2022/06/ACNUR-Brasil-Antes_e_depois_da_Operacao_Acolhi da-1.pdf. Acesso em: 08 de setembro de 2022.

  2. BRASIL. Operação Acolhida. Informe de Migração Venezuela - Janeiro 2017 - Julho de 2022. Brasil, 2022a. Disponível em: https://www.gov.br/casacivil/pt-br/acolhida/informes-acolhidaeleicoes/informe-migracao-venezuelana-jan2017-jul022-4.pdf/@ @download/file/informemigra cao-venezuelana-jan2017-jul022-v4.pdf. Acesso em: 05 de setembro de 2022.

  3. BRASIL. Ministério da Defesa. Relatório do 11º Contingente da Operação Acolhida. Boa Vista: Brasil, 2022b.

  4. KANAAN, G. F. Operação Acolhida: A Maior Operação Conjunta-Interagências E De Natureza Humanitária No Brasil. Doutrina Militar terrestre, p. 10-29, 2019.

  5. OLIVEIRA, George Alberto Garcia de. A Utilização do Componente Militar Brasileiro Frente à Crise Migratória da Venezuela. Military Review, p. 1-15, 2018.

  6. SOUSA, Paulo David Rocha Bezerra Sousa. Aspectos doutrinários do estudo da participação do Exército Brasileiro na Operação Acolhida sob a perspectiva de uma Operação de Ajuda Humanitária. Trabalho de Conclusão de Curso na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, 2022. Rio de Janeiro: ECEME, 2022.

 

Rio de Janeiro - RJ, 26 de julho de 2023.


Como citar este documento:
SILVA, Paulo David Rocha Bezerra da; FRANÇA, Filipe Lourenço. A operação Acolhida - boas práticas e repercussões no âmbito internacional. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2023.  

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