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O papel da República Democrática do Congo na geopolítica do Brasil

Publicado: Sexta, 19 de Agosto de 2022, 01h01 | Última atualização em Sexta, 19 de Agosto de 2022, 10h45 | Acessos: 889

 

Délcio de Deus Gulart

Mestrando em Ciências Militares na ECEME

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1. Introdução

O presente artigo descreve os resultados preliminares de investigação em andamento, desenvolvida pelo autor no âmbito do curso de Mestrado em Ciências Militares - Linha de Pesquisa Estudos da Paz e da Guerra, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército - Escola Marechal Castello Branco, a qual tem por objetivo analisar o papel da República Democrática do Congo na geopolítica praticada pelo Brasil.

Para alcançar o objetivo proposto, este artigo está estruturado da seguinte forma: inicia-se com uma breve ambientação sobre os principais geopolíticos brasileiros, seguido da apresentação do entorno estratégico brasileiro e sua importância geopolítica para o Brasil. Na sequência, é realizado a caracterização da República Democrática do Congo, acompanhada dos esforços realizados pelo Brasil em operações de paz no continente africano e, em particular, na República Democrática do Congo. Na parte final, são feitas algumas considerações sobre o artigo com base no que foi escrito.

2. A geopolítica brasileira

Dentre todos os geopolíticos brasileiros expoentes, três se destacaram ao longo da história: Golbery do Couto e Silva, Carlos de Meira Mattos e Therezinha de Castro. Nessa seção, será apresentado, de forma resumida, os principais pontos e aspectos geopolíticos pontuados por cada um desses autores na formulação do pensamento geopolítico nacional.

Para Costa Freitas (2011), ao elaborar o seu projeto geopolítico, Golbery do Couto e Silva, priorizou temas como: 1) o nacionalismo; 2) a adoção da doutrina de contenção; 3) a elaboração da teoria dos hemiciclos concêntricos para definir prioridades; e 4) a adoção do conceito de Ocidente como elemento-programa de geopolítica. No tocante à Carlos de Meira Mattos, um dos pilares teóricos de seu pensamento geopolítico residia justamente na importância e na relevância do Atlântico Sul para o país (COSTA FREITAS, 2011). Com relação à Therezinha de Castro, nota-se que um dos temas centrais do projeto geopolítico elaborado por essa autora eram o reforço do papel histórico-político a ser desempenhado pelo Brasil na América e no mundo; a elaboração de uma geopolítica e geoestratégia para a Amazônia; e a elaboração de uma geopolítica e geoestratégia para a Antártica (COSTA FREITAS, 2011).

Ou seja, de alguma forma, esses três autores pontuaram e priorizaram a costa ocidental africana em seus pensamentos/projetos geopolíticos. Como as repercussões do pensamento de Golbery do Couto e Silva, Therezinha de Castro e Carlos de Meira Mattos sobre as estratégias geopolíticas brasileiras contemporâneas possuem a capacidade de exercer grande influência nos elementos centrais dos documentos que definem a defesa do país e nas posições manifestas pelo Estado frente às demandas complexas do sistema internacional, é importante verificar como esses pensadores priorizavam a costa ocidental africana em seus projetos.

3. O entorno estratégico brasileiro

No que se refere ao entorno estratégico brasileiro, parte-se da definição incluída na Política Nacional de Defesa, a qual o define como sendo uma área de interesse prioritário para o Brasil, e inclui áreas como a América do Sul, o Atlântico Sul, os países da costa ocidental africana e a Antártica (BRASIL, 2020). Para Willrich (2018), a definição do entorno estratégico brasileiro nos documentos de defesa de mais alto nível do país implica em específicas políticas de defesa para cada região ou contexto e acrescenta dizendo que se há mudança no entorno, há também a transformação de políticas. Abdenur e Souza Neto (2014), por sua vez, enfatizam que a cooperação internacional brasileira vem se expandindo como parte de uma política externa que busca projetar a influência brasileira dentro e fora do entorno regional imediato.

Já Souza e Monteiro (2021), evidenciam elementos pontuais que ratificam a importância do Atlântico Sul para o entorno estratégico brasileiro, os quais estão presentes no conceito elaborado pela Marinha do Brasil sobre a Amazônia Azul. Segundo a dupla, a Marinha elencou o conceito de Amazônia Azul para alertar a sociedade e demais instituições nacionais sobre a importância desse espaço marítimo e fluvial sob a jurisdição nacional. Entre essas vertentes (soberania, científica, ambiental e econômica), ganha destaque, no âmbito da primeira, a criação, em 1986, a Zona de Paz e Segurança do Atlântico Sul (ZOPACAS), plataforma que permite ao Brasil exercer papel de ator regional de peso, pois possibilita aumentar sua influência no entorno estratégico e minimiza a possibilidade de interferência militar de potências extrarregionais no Atlântico Sul (SOUZA; MONTEIRO, 2021).

Nas palavras de Coutinho (2016), o país, diante desse cenário, consolidou uma política de defesa em que a África ocupa papel de destaque, o qual tem sido formalizado através de um aumento nos últimos anos dos acordos de cooperação, principalmente bilaterais, entre o Brasil e os países da costa ocidental africana, que vão ao encontro dos objetivos delimitados no âmbito da ZOPACAS.

Presente nos projetos delineados no contexto da escola geopolítica brasileira, em suas diversas fases, e elemento constituinte do entorno estratégico brasileiro, a África integra desde o século XX, as estratégias de defesa formuladas pelo Estado brasileiro com vistas à crescente participação internacional.

4. A República Democrática do Congo

Inserida nesse contexto, a República Democrática do Congo, por diversos fatores, ocupa uma posição de destaque nos esforços realizados pelo Brasil rumo a um maior protagonismo regional na atualidade. Dentre as diversas ações empreendidas, a mais relevante é a participação do Brasil na Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUSCO), operação de paz da ONU em que atualmente, o Force Comander é o General de Divisão Marcos de Sá Affonso da Costa, do Exército Brasileiro.

Para Castellano da Silva (2012), a República Democrática do Congo situa-se no coração do continente africano, numa região estratégica da África Central, interligando territórios da África Austral, Oriental, Equatorial e do Chifre da África. Acrescenta dizendo que em 2012 o país contava com cerca de 73 milhões de habitantes e que possuía uma taxa de natalidade de 2,7% ao ano, o que o qualificava como sendo o quarto país mais populoso do continente.

Segundo Castellano da Silva (2012), a República Democrática do Congo ainda possui reservas significativas de cobalto, urânio, cobre, petróleo e água, além de coltan e cassiterita (utilizados largamente pela indústria digital). Destaca ainda que o país teve sua riqueza natural estimada na ordem de USD 24 trilhões, montante que equivaleria ao PIB da Europa e ao PIB dos Estados Unidos da América juntos. Apesar de ostentar indicadores como os acima registrados, 75% da população vive com apenas um dólar por dia na República Democrática do Congo e conta ainda com um número de cerca de 423 mil refugiados em seu território.

Em razão desses indicadores, a República Democrática do Congo, assim como diversos outros países africanos, tem sido alvo de operações de paz da ONU desde a década de 1960, ocasião em que recebeu missões de paz onusianas em seu território, compostas inclusive, por brasileiros. Devido a esse histórico e o sucesso alcançado pelo Brasil em missões de paz da ONU, Pereira (2019) entende que, independentemente do local na África, as participações brasileiras devem ser incrementadas no continente africano, haja vista que auxiliam na projeção geopolítica do Brasil, da mesma forma que contribuem para a estabilização do entorno estratégico brasileiro.

A expertise obtida pelo Brasil nesse campo permite que se analise a atuação das forças militares do país junto à MONUSCO sob uma ótica particular, que, além de evidenciar o protagonismo brasileiro nesse segmento, facilita as bases para o projeto geopolítico contemporâneo conduzido pelo país.

Para Tchinhama (2019), há que se levar em conta que as missões de paz no continente africano se destacam, especialmente, pela proteção de civis, pela defesa dos direitos humanos e pela estabilização e consolidação da paz no país. Esses aspectos podem ser considerados como indutores para a participação brasileira em operações de paz na África, uma vez que vão ao encontro das capacidades e expertises brasileiras em operações de paz, qualidades que ficaram mundialmente conhecidas após a bem-sucedida atuação junto à Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH). Em termos da capacidade do Estado brasileiro em mobilizar os recursos necessários para atuar em campo, Souza (2015) salienta que o Brasil detém esta capacidade e que a mesma se encontra prescrita nos principais documentos relacionados à defesa em vigor no país, como a Política Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa.

5. Considerações Finais

Em vista disso, Tchinrama (2019) afirma que a MONUSCO vem mostrando resultados satisfatórios e a presença brasileira tem sido relevante aos olhos da comunidade internacional, o que valida as estratégias geopolíticas nacionais orientadas a esse contexto. Pereira converge com Tchinrama e aponta que dentre as inúmeras vantagens que podem ser obtidas pelo Brasil ao atuar nesse campo, quatro se destacam: 1) investimentos na área de defesa, 2) aumento da cooperação Brasil-África, 3) melhoria da imagem do Brasil no âmbito global e 4) manutenção da paz no Atlântico Sul, aspectos que, objetivamente, reforçam o protagonismo nacional perante os demais países do mundo (PEREIRA, 2019).

A partir do exposto, torna-se possível concluir, de forma preliminar que, de fato, a presença do Brasil na República Democrática do Congo se alinha às perspectivas delineadas pelo Estado brasileiro em termos geopolíticos e na construção de estratégias comuns de defesa a serem compartilhadas por ambos os países, as quais podem se beneficiar, em larga escala, da experiência comum obtida por meio da MONUSCO.

  

Referências Bibliográficas: 

  1. ABDENUR, Adriana Erthal; SOUZA Neto, Danilo Marcondes de. O Atlântico Sul e a cooperação em defesa entre o Brasil e a África. In: NASSER, Reginaldo Mattar;

  2. MORAES, Rodrigo Fracalossi de (orgs.). O Brasil e a segurança no seu entorno estratégico: América do Sul e Atlântico Sul. Cap: 9, p. 215-238. Brasília: Ipea, 2014.

  3. BRASIL. Política nacional de defesa. Brasília: Ministério da Defesa, 2020.

  4. CASTELLANO da Silva, Igor. Congo, a guerra mundial africana: conflitos armados, construção do estado e alternativas para a paz. Porto Alegre: Cebrafrica/UFRGS, 2012.

  5. COUTINHO, Isadora Caminha. 30 anos da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS): uma perspectiva brasileira. In: VISENTINI, Paulo Fagundes; MIGON, Eduardo Glaser; PEREIRA, Analúcia Danilevicz (orgs.). A (in)segurança da África e sua importância para a defesa do Brasil. Cap 9, p. 187-211. Porto Alegre: UFRGS/ECEME, 2016.

  6. COSTA FREITAS, Jorge Manuel. Resenha - A Escola Geopolítica Brasileira. Revista da Escola Superior de Guerra, Vol. 26, nº 53, p. 108-114, jul./dez. 2011. Disponível em: https://r evista.esg.br/index.php/revistadaesg/article/download/251/223/380. Acesso em: 12 de julho de 2022.

  7. PEREIRA, Victor Almeida. A participação brasileira na Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para a estabilização da República Centro-Africana: um estudo sobre sua viabilidade geopolítica. Coleção Meira Mattos, Rio de Janeiro, Vol. 13, nº 46, p. 67-82. jan./abr. 2019, Disponível em: http://ebrevistas.eb.mil.br/RMM/article/view/143 4/1762. Acesso em: 15 de junho de 2022.

  8. RONCHI, Bruno Luiz de Souza et. al. Segurança e consolidação do Estado: perspectiva de cooperação técnica-militar Brasil-República Democrática do Congo. Revista Perspectiva, Vol. 9, nº 16, 2016. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/RevistaPerspectiva/article/ view/71291/40453. Acesso em: 14 de julho de 2022.

  9. SOUZA, Alexandre da Fonseca Nepomuceno de; MONTEIRO, Marcus Vinicius Cardoso. A importância do Atlântico Sul como entorno estratégico. Observatório Militar da Praia Vermelha, 29 nov. 2021. Disponível em: http://ompv.eceme.eb.mil.br/geopolitica-e-defesa/ge opolitica-e-capacidades-nacionais-de-defesa/423-aim. Acesso em: 13 jun. 2022.

  10. SOUZA, Graziene Carneiro de. MONUSCO: a atuação brasileira em operações de paz robustas. Brasiliana: Journal of Brazilian Studies, Vol. 3, nº 2, 2015. Disponível em: https://ti dsskrift.dk/bras/article/view/20232/18135. Acesso em: 12 de julho de 2022.

  11. TCHINRAMA, Laurindo. A missão de estabilização das Nações Unidas na República Democrática do Congo e a presença do Brasil. GEDES: Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional, 15 jul. 2019. Disponível em: https://gedes-unesp.org/a-missao-de-estabilizacao-das-nacoes-unidas-na-republica-democratica-do-congo-e-a-presenca-do-brasil/. Acesso em: 30 de junho de 2022.

  12. WILLRICH, Emili. A geopolítica e o entorno estratégico brasileiro (2012 e 2016). Anais do 10º Encontro Nacional da ENABED, 2018. Disponível em: https://www.enabed2018.abed ef.org/resources/anais/8/1534940671_ARQUIVO_EmiliWillrich-artigoenabed.pdf. Acesso em: 14 de junho de 2022.

 

Rio de Janeiro - RJ, 19 de agosto de 2022.


Como citar este documento:
Gulart, Délcio de Deus. O papel da República Democrática do Congo na geopolítica do Brasil. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2022.  

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