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O Brasil e a Energia Nuclear

Publicado: Quarta, 21 de Dezembro de 2022, 01h01 | Última atualização em Quinta, 29 de Dezembro de 2022, 17h08 | Acessos: 1062

 

Aline Cruz Soares
Major  do Exército Brasileiro

André Luiz Freire da Cruz Silva
Major do Exército Brasileiro

Cláudio Eustáquio Duarte Segundo
Coronel do Exército Brasileiro

João Roberto Russo
Capitão de Mar e Guerra da Marinha do Brasil

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1. Introdução

O emprego da energia nuclear no Brasil dá-se em diferentes áreas do conhecimento. Para tanto, sucessivos governos ao longo da história brasileira entenderam que a energia nuclear era uma necessidade estratégica para a manutenção da soberania nacional, mesmo que para uso exclusivamente pacífico. Nos assuntos atinentes à Defesa, o setor da energia nuclear é de responsabilidade da Marinha do Brasil.

O Brasil, país com o maior PIB do subcontinente sul-americano, inseriu-se no campo da tecnologia nuclear desde a década de 1930 (BRASIL, 2022b). Naquele período pós-Segunda Guerra Mundial, o mundo presenciava a corrida armamentista, notadamente a nuclear, que se iniciara com a detonação das bombas norte-americanas sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, e prosseguia aceleradamente na Guerra Fria. Um dos precursores do pensamento da necessidade de o país não se distanciar da vanguarda de poder atribuída a essa área do conhecimento foi o Almirante Álvaro Alberto (DOMINGOS, 2006).

Após a eclosão da Segunda Guerra Mundial, foram criadas instituições supranacionais, como a Organização das Nações Unidas e diversos dispositivos que visavam regular o emprego de armas de destruição em massa. Dentre esses, surgiram os relacionados a salvaguarda, que consiste no controle de materiais de interesse, e à detenção de artefatos nucleares apenas pelos países que já haviam dominado sua obtenção, como foi o Plano Baruch contestado pelo Almirante Álvaro Alberto (DOMINGOS, 2006) e o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP). Até hoje, a posse de armamentos e bombas nucleares representa poderosa ferramenta para exercício da vontade de uma nação, a despeito de questões éticas ou morais.

Ao mesmo tempo, a demanda por energia no mundo encontra-se em franco crescimento, uma vez que seu consumo é marca indelével do desenvolvimento de uma localidade. A tecnologia está diretamente associada à oferta de energia, de modo que esse binômio se constitui verdadeiro círculo virtuoso: onde há maior desenvolvimento tecnológico, gera-se mais energia e vice-versa. Tal círculo pode ser verificado nas  maiores economias do mundo (EUA, China, Japão, Alemanha, Índia e Reino Unido). Não pelo acaso, as maiores economias do mundo também são as maiores consumidores de eletricidade (China, EUA, Índia, Japão, Rússia e Alemanha).

Ainda que motivadas inicialmente para fins bélicos, as pesquisas no campo da tecnologia nuclear mostraram inúmeros benefícios que podem advir dos materiais radioativos. Alguns exemplos são: o seu emprego medicinal em exames e tratamentos, em especial a radioterapia para tratamento de câncer; na agricultura e na conservação de alimentos, o que é de interesse das Forças Armadas, dada a aplicação para a alimentação de tropas desdobradas; e no uso como combustível, tanto para a propulsão de veículos como os submarinos, conferindo-lhes um salto em autonomia e velocidade, quanto para usinas de alta potência, dada sua alta capacidade de conversão, sendo, por isso, também de interesse das forças militares, além de ser uma fonte que colabora para a descarbonização do setor energético.

Diante da importância desse tema para o país e para o setor de Defesa Nacional, este artigo revisitará alguns aspectos dessa trajetória, como o histórico, a geração de energia elétrica por meio de fonte nuclear no país, suas condições no que se refere ao ciclo do combustível nuclear e a construção do submarino com propulsão nuclear brasileiro.

 

2. Histórico e geração de energia nuclear no Brasil

A descoberta do átomo deu-se pela compreensão de sucessivos modelos que tentavam explicar o comportamento de diferentes substâncias. Nessa trilha, reúnem-se importantes nomes, como os de Leucipo, Demócrito, Dalton, Thompson, Bohr e Rutherford. A compreensão da radioatividade viria com o casal Marie e Pierre Curie e a fissão e fusão nucleares seriam investigadas por cientistas como Roentgen, Otto Hahn, Fritz Strassman, Enrico Fermi, o brasileiro Cezar Lattes, posteriormente criador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), e Albert Einstein (BRASIL, 2022a).

A pesquisa e o desenvolvimento (P&D) em matéria de energia nuclear começou a ser acessada pelo Brasil na década de 1930, na Universidade de São Paulo (USP). Em 1934, na USP, houve a criação de um grupo de estudos focado em radiação cósmica, radioatividade e física teórica. Seis anos depois, estabeleceu-se uma cooperação entre os EUA e o Brasil para a prospecção de materiais radioativos e, prosseguindo na década de 1940, o Almirante Álvaro Alberto representou o Brasil na recém-criada Comissão de Energia Atômica da Organização das Nações Unidas.

Na década de 1950, surgiram as primeiras normativas brasileiras tratando da tecnologia nuclear, mas seria somente em 1970 que o Brasil daria o passo decisivo para a geração de energia nuclear em escala industrial. Nesse ano, foi contratada a construção de uma usina, Angra 1, em Angra dos Reis/RJ, pela empresa norte-americana Westinghouse Electric Corporation (BRASIL, 2007). As obras iniciaram-se em 1972 e sua operação ocorreu oficialmente em 1985, contudo a geração de eletricidade de forma estável só ocorreu a partir da década de 1990.

A partir de um acordo com a Alemanha, firmado em 1975, seriam construídas oito usinas, bem como instalações subsidiárias, em especial uma de enriquecimento de urânio e outra de construção de reatores (BRASIL, 2007; MATTOS, 2011). Pressões internacionais inviabilizaram essas iniciativas, restando apenas Angra 2, cuja construção teve início em 1976 e a operação no ano 2000, completando, assim, o conjunto de termelétricas nucleares brasileiras em atividade atualmente.

Houve a tentativa de implementação de uma terceira unidade, Angra 3. Embora as primeiras etapas do projeto datem de 1984, um ciclo de interrupções e retomadas impediu sua efetivação. A boa notícia é que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) assinou um contrato com a Tractabel Engineering Ltd, a Tractebel Engineering S.A. e a Grouped Entrepreneurs International S.A. em 2021 por meio do qual se deve chegar a uma estimativa de custo e de cronograma concretos até o final deste ano (WORLD NUCLEAR ASSOCIATION, 2021). Mantendo-se o cenário positivo, Angra 3 poderia ser inserida no Sistema Interligado Nacional dentro de um prazo de dez anos da retomada do projeto (BRASIL, 2022f).

A eletricidade advinda da fonte nuclear corresponde a pequena, porém importante, parcela na matriz brasileira. Angra 1, com capacidade de 609 megawattelétrico, e Angra 2, com 1275 megawatt-elétrico de potência, geram 2,1% da energia elétrica consumida no país (WORLD NUCLEAR ASSOCIATION, 2021). A alta conversibilidade do combustível nuclear e a confiabilidade dessa fonte, que não depende de condições climáticas, encorajam o investimento no setor, que vislumbra ainda a possibilidade de uma quarta planta e a extensão da vida útil de Angra 1 (BRASIL, 2022f).

 

3. Ciclo do combustível nuclear e o submarino com propulsão nuclear brasileiro

Quando o Brasil dominou o ciclo do combustível nuclear, o país entrou para o seleto grupo dos países que reúnem a detenção desse conhecimento e a posse de jazidas de urânio em seu território. Segundo dados da World Nuclear Association, o Brasil ocupa a sétima posição no ranking de toneladas de urânio das jazidas prospectadas, cuja exploração custa até US$ 130 por quilograma do mineral, o que representa 5% da quantidade mundial (WORLD NUCLEAR ASSOCIATION, 2022), além de ser um dos 13 países dotados de instalações para enriquecimento de urânio, ao lado de França, Alemanha, Holanda, Reino Unido, EUA, China, Rússia, Japão, Argentina, Índia, Paquistão e Irã (BRASIL, 2022c).

O chamado ciclo do combustível nuclear compreende, de forma sintética, sete grandes etapas, que vão da extração do minério à utilização do urânio como combustível para a geração de energia. Tais etapas consistem: na mineração e no beneficiamento; na conversão do urânio para o estado gasoso, como hexafluoreto de urânio (UF6); no enriquecimento do urânio; na reconversão em pó de dióxido de urânio (UO2); na fabricação das pastilhas de urânio; na montagem dos elementos combustíveis; e na geração da energia (BRASIL, 2022d).

Ainda que detenha o domínio do conhecimento de todo o ciclo, nem todas as etapas da fabricação do combustível em escala industrial ocorre no Brasil. Para a alimentação das usinas nucleares de Angra 1 e 2, a maior parte do mineral é proveniente de Caetité-BA e, da conversão à montagem dos elementos combustíveis, apenas a etapa de conversão não ocorre no Brasil (BRASIL, 2022d). Do enriquecimento à fabricação do combustível, as etapas ocorrem nas Indústrias Nucleares do Brasil (INB), enquanto a geração de energia se dá no complexo de Angra pela Eletrobras/Eletronuclear.

Em escala de pesquisa, por sua vez, tem-se a ocorrência do ciclo completo. No contexto do Programa Nuclear da Marinha (PNM), instituído com o objetivo de obter a capacidade de fabricar um submarino brasileiro de propulsão nuclear, o Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP) detém todo o ciclo do combustível após a extração e até a montagem dos elementos (BRASIL, 2022e). Já no Centro Industrial Nuclear de Aramar (CINA), em Iperó/SP, o Laboratório de Geração Nucleoelétrica (LABGENE) simula o sistema de propulsão que será instalado no submarino, contemplando a última etapa do ciclo.

O Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB) consiste na opção estratégica para defesa da Amazônia Azul, espaço marítimo brasileiro fonte de petróleo, gás natural e pescado, além de ampla gama de espécies e riquezas marinhas conhecidas ou não. Tal programa engloba a produção autóctone de submarinos de propulsão convencional e nuclear, estes últimos constituindo a interface com o PNM. Dessa forma, vê-se que o alinhamento do setor nuclear com o de Defesa já está rendendo frutos que, com a oportuna gestão do conhecimento, poderão ser aproveitados na escala industrial, extrapolando os campos militar e científico-tecnológico e contribuindo para o crescimento econômico do país.

 

4. Considerações finais

Há de se considerar que a energia nuclear trouxe diversos benefícios para o Brasil. As usinas de Angra 1 e 2 geram 2,1% da eletricidade consumida no país, além de oferecerem empregos diretos e toda a estrutura econômica, científico-tecnológica e psicossocial associada ao ciclo do combustível nuclear, desde as jazidas de urânio às Indústrias Nucleares do Brasil, bem como o ganho que advirá, no campo militar, da conclusão do submarino com propulsão nuclear brasileiro para a promoção da Defesa da extensa faixa litorânea brasileira, o mar territorial e a zona econômica exclusiva a ela adjacentes.

A prospecção na tecnologia nuclear incrementa a soberania brasileira. Seus diferentes produtos e vieses têm potencial para contribuir com a medicina, a segurança energética e a segurança alimentar brasileiras, reduzindo a dependência externa nesses importantes setores. Especialmente no setor de Defesa, o projeto do submarino com propulsão nuclear brasileiro, gerenciado ativamente pela Marinha do Brasil, gera conhecimentos de alto nível com ampla gama de aplicações, constituindo, dessa forma, temática que merece ser tratada como um interesse conjunto das Forças Armadas, a exemplo do setor cibernético, que é capitaneado pelo Exército Brasileiro.

  

 

 Referências Bibliográficas: 

  1. BRASIL. Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). Apostila educativa - A História da Energia Nuclear. Brasil, 2022a. Disponível em: https://www.gov.br/cnen/ ptbr/materialdivulgacao-videos-imagens-publicacoes/publicacoes-1/historiadaenergianu clear.pdf. Acessado em: 26 de abril de 2022.

  2. BRASIL. Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). Cronologia da Energia Nuclear no Brasil. Brasil, 2022b. Disponível em http://memoria.cnen.gov.br/memoria/ Cronologia.asp?Unidade=Brasil. Acesso em: 11 de julho de 2022.

  3. BRASIL. Indústrias Nucleares do Brasil. Além do Brasil, quantos países dominam a tecnologia de enriquecimento de urânio? Brasil, 2022c. Disponível em: https://www.i nb.gov.br/Contato/Perguntas-Frequentes/Pergunta/Conteudo/quantospa%C3%ADses-do minam-a-tecnologia-deenriquecimento-deuranio?Origem=1088. Acesso em: 27 de setembro de 2022.

  4. BRASIL. Indústrias Nucleares do Brasil. Ciclo do Combustível Nuclear. Brasil, 2022d. Disponível em: http://www.inb.gov.br/Nossas-Atividades/Ciclo-do-combustivel-nuclear. Acesso em: 27 de setembro de 2022.

  5. BRASIL. Ministério da Defesa. Marinha do Brasil. LABGENE: Conhecendo a planta nuclear do Submarino de propulsão Nuclear brasileiro. Brasil, 2022e. Disponível em: https://www.marinha.mil.br/dgdntm/sites/www.marinha.mil.br.dgdntm/files/arquiv os/LABGENE_%20Conhecendo%20a%20planta%20nuclear%20do%20Submarino%20 de%20propulsão%20Nuclear%20brasileiro.pdf. Acesso em: 13 de outubro de 2022.

  6. BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Plano Decenal de Expansão de Energia 2031. Brasília: Ministério das Minas e Energia, 2022f.

  7. BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Plano Nacional de Energia 2030. Brasília: Ministério das Minas e Energia, 2007.

  8. DOMINGOS, Manuel. O militar e a ciência no Brasil: Os generais no CNPq. 30º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais. Caxambu, 2006. Disponível em: https://www.anpocs.com/index.php/papers-30- encontro/gt-26/gt08-22/3279-mdomingos-o-militar/file. Acesso em: 26 de setembro de 2022.

  9. MATTOS, Carlos de Meira. Geopolítica, v.I. Rio de Janeiro: FGV, 2011.

  10. WORLD NUCLEAR ASSOCIATION. World Nuclear Performance Report 2021. Report No. 2021/003. London: World Nuclear Association, 2021

  11. WORLD NUCLEAR ASSOCIATION. World Uranium Mining Production. World Nuclear Association, 2022. Disponível em: https://world-nuclear.org/information-librar y/nuclear-fuel-cycle/mining-of-uranium/world-uranium-mining-production.aspx. Acesso em: 8 de setembro de 2022.

 

Rio de Janeiro - RJ, 21 de dezembro de 2022.


Como citar este documento:
SOARES; SILVA; DUARTE SEGUNDO; RUSSO. O Brasil e a Energia Nuclear. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2022.  

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